Por Marisete Teresinha Hoffmann-Horochovski (UFPR) e
Rubia Carla Formighieri Giordani (UFPR)
Entre os livros e a cozinha
José Miguel Rasia é apaixonado por cozinha. Também é um entusiasta da artesania sociológica. Em suas receitas, cuidadosamente preparadas, misturam-se sabores, aromas e muitas histórias que compõem a sua trajetória, pessoal e intelectual. Costelinha com aspargo fresco e polenta é uma, dentre tantas receitas, que remetem à sua infância em Coronel Bicaco, no Rio Grande do Sul, onde nasceu em 1949. Filho de ferreiro, caçula de nove irmãos, cresceu num ambiente rural, onde a descendência italiana era evidenciada nos pratos preparados pela mãe com produtos feitos em casa, no vinho colonial, na mesa repleta de gente e onde sempre cabia mais um prato para receber um amigo ou vizinho. A alegria de partilhar a comida, a generosidade em receber os amigos e comer junto o acompanharam por toda a vida, ganhando novos saberes e sabores quando conheceu a mineira Iara Bemquerer Costa, cozinheira de mão cheia, que, assim como ele, fez sua pós-graduação em Campinas e se dedicou à vida acadêmica.
A estada em Campinas foi decisiva em sua trajetória. Fez mestrado em Sociologia (1976-1980) e doutorado em Educação (1984-1987) na UNICAMP. Durante esse período dedicado aos estudos encontrou Iara, que se pós graduava em Linguística, sua companheira da vida e com quem teve seus filhos, Francisco e Miguel. O título de doutor por uma das instituições mais reconhecidas do país coroou o esforço e dedicação de José Miguel, que saiu de casa aos 14 anos de idade para poder prosseguir nos estudos, fazer o segundo grau em Porto Alegre e cursar Pedagogia na Universidade Regional do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. Em Curitiba, em 1987, foi pesquisador do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social e professor visitante da Universidade Federal do Paraná, onde Iara já era professora. Em 1990, Rasia se tornou professor com dedicação exclusiva na UFPR e desenvolveu, até 1994, pesquisas sobre representações sociais da morte de produtores familiares na região de Ijuí, onde passou a infância. A temática da morte lhe rendeu algumas orientações, na graduação em Ciências Sociais e na pós-graduação em Sociologia, inclusive a primeira tese de doutorado em Sociologia defendida na UFPR. Todavia, a maior parte de suas pesquisas e de suas orientações na pós-graduação – o mestrado foi implantado em 1995 e o doutorado em 2004 – versa sobre temas da saúde e da doença e sobre o trabalho em saúde.
Em 1996, se tornou professor titular da UFPR com a tese “Hospital: Sociabilidade e Sofrimento”, desenvolvida a partir de pesquisa de campo realizada no Hospital Erasto Gaertner, em Curitiba, para entender os processos de sociabilidade entre doentes e médicos, na presença do câncer. Já há tempos em companhia de Freud (foram anos dedicados a uma sólida formação psicanalítica), a Sociologia da Saúde vem se inscrever definitivamente em sua agenda de pesquisa. Em 2005 criou o Grupo de Pesquisa em Sociologia da Saúde, o qual lidera com muito vigor e entusiasmo. Em 2007 o Grupo publicou seu primeiro livro, “Olhares e questões sobre a saúde, a doença e a morte”, pela editora da UFPR. Neste mesmo ano, foi organizada a I Jornada de Sociologia da Saúde, voltada aos temas fundamentais sobre a vida, e sob os quais a Sociologia da Saúde é convocada a se debruçar. Torna-se esta Jornada um espaço fecundo e que passa a movimentar os debates regionais e a produção do conhecimento, dando início a uma série de doze edições consecutivas até 2018, sempre brindadas com um bom vinho em um banquete comemorativo no acolhimento de sua casa.
Suas reflexões e publicações, fruto de duas décadas de pesquisas na área, o consagraram como um dos principais nomes da Sociologia da Saúde no Brasil. Importante registrar que Rasia foi eleito diretor da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) em 2007 e presidiu o Congresso da SBS realizado em Curitiba, em 2011. Para quem a Sociologia tem o fino propósito de responder às angústias humanas, organizou a seção especial Pandemia Covid-19 para a Revista Brasileira de Sociologia, nº 21 de 2021, com uma apresentação sobre a “Crise no tempo acelerado e o mundo em descompasso”, nas suas palavras uma escrita “para que a vida não fique em suspensão”.
Um exímio cozinheiro e um notável sociólogo. Rigor e criatividade na panela e cuidado e delicadeza na feitura da sociologia. Este artesão segue intenso e desafiador no trato daqueles que o acompanham, no seu Grupo de Pesquisa e no Programa de Pós-Graduação em Sociologia. Durante a pandemia permanece na cozinha com a Iara, na sua biblioteca ouvindo música, cuidando das plantas do seu jardim, além dos seus gatos (outra de suas paixões).
Sugestões de obras do autor:
RASIA, J. M.; GIORDANI, R. C. F. (Org.) Olhares e questões sobre a Saúde, a Doença e a Morte. Curitiba: Editora UFPR, 2007.
RASIA, J.M. Interacionismo Simbólico e Transplante Hepático. Soc. estado. Brasília, v. 28, n. 2, p. 279-296, 2013 .
RASIA, J. M.; LAZZARRETTI, C. T. (Org.). Saúde e Sistema Único de Saúde: estudos socioanalíticos. Curitiba: UFPR, 2014.
HOFFMANN-HOROCHOVSKI, M. T.; RASIA, J. M. Continuity and Ruptures in Brazilian Funeral Rites. In: Helaine Selin and Rakoff Robert M (orgs). (Org.). Death Across Cultures: Death and Dying in Non-Western Cultures – Col History of non-western Science. Cham: Springer, 2019, v. 9, p. 243-260.
CORBANEZI, E.; RASIA, J. M. Apresentação do Dossiê: Racionalidade neoliberal e processos de subjetivação contemporâneos. Mediações, v.25, n.2 p. 287-301, 2020.
RASIA, J. M. Crise no tempo acelerado e o mundo em descompasso: apresentação da seção especial sobre a Covid-19. Revista da Sociedade Brasileira de Sociologia. v. 9, n.21, 2021.