Por Thiago da Costa Lopes (FIOCRUZ)
José Arthur Alves da Cruz Rios nasceu no Rio de Janeiro, a 24 de maio de 1921, em uma família de classe média, de origem baiana, pelo lado paterno, e portuguesa, pelo lado materno. Seu pai, funcionário público municipal, era o último de sete filhos de Arthur César Rios, senador da Primeira República pela Bahia, e foi o responsável por lhe transmitir o gosto pela leitura. Rios realizou o ensino secundário no Ginásio Bittencourt Silva e o curso complementar, à época obrigatório para o ingresso na universidade, no antigo Instituto de Educação do Estado do Rio de Janeiro, ambos em Niterói. Em fins dos anos 1930, foi admitido na Faculdade de Direito de Niterói, onde se formou em 1943. Além da advocacia, passou a ministrar disciplinas em letras e humanidades em ginásios e História Moderna no Instituto Santa Úrsula. Em seus primeiros trabalhos, como a Novela Representativa na América Espanhola, é visível a ascendência intelectual de seu antigo professor do curso complementar, o escritor e historiador pernambucano Silvio Júlio de Albuquerque e Lima.
Ainda neste período, Rios ingressou no curso de ciências sociais da Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) da Universidade do Brasil (atual UFRJ), instituição que recebeu os cursos da Universidade do Distrito Federal (UDF), criada em 1935 e fechada em 1939 em pleno Estado Novo, sob a gestão do ministro da Educação e da Saúde de Vargas, Gustavo Capanema.. Embora Rios não o tenha concluído, o curso foi decisivo para a identificação progressiva de sua trajetória à sociologia e a círculos intelectuais reformadores de orientação católica. Foi aluno dos professores da missão francesa, como René Poiré, Maurice Byé e Jacques Lambert. Na turma de ciências sociais, conheceu sua futura esposa, Regina Alves de Figueiredo, que era filha do falecido Jackson de Figueiredo, representante da intelectualidade católica nos anos 1920 e fundador do Centro Dom Vital.
Convertendo-se ao catolicismo, Rios passou a frequentar, nos anos 1940, o Mosteiro de São Bento e o Centro Dom Vital. Este último era dirigido por Alceu Amoroso Limo e frequentado por nomes como Hamilton Nogueira, Alfredo Lage, Américo Piquet Carneiro e o médico cearense José Fernando Carneiro, com quem Rios desenvolveu vínculos estreitos. A instituição, considerada pelo sociólogo importante espaço de socialização intelectual, foi sua porta de entrada para o engajamento político. Em 1945, ao lado de Fernando Carneiro, Rios cerrou fileiras nas hostes da chamada Resistência Democrática. Grupo politicamente heterogêneo, formado em parte por segmentos dos estratos médios urbanos em ascensão, a Resistência fez oposição ao queremismo nos jornais e, nos estertores do Estado Novo, publicou manifesto exigindo a imediata deposição de Vargas. Com a redemocratização, Rios ingressou no Partido Libertador, de Raul Pila, que, ao lado da União Democrática Nacional, constituiu a oposição política a Vargas, Juscelino e Goulart nos anos seguintes.
Por meio de contatos nos círculos católicos, como Alberto Guerreiro Ramos, contemporâneo da turma de ciências sociais, e Hilgard Sternberg, do curso de História e Geografia da FNFi, Rios se aproximou da sociologia americana, cuja veiculação no país se beneficiava sobretudo da atuação de Donald Pierson na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP). No pós-guerra, ele realizou o mestrado em Sociologia Rural na Universidade Estadual da Louisiana sob a orientação de T. Lynn Smith, nome ligado à institucionalização daquela disciplina nos EUA que, desde fins dos anos 1930, vinha realizando viagens ao Brasil, especialmente às suas porções rurais, na esteira da Política de Boa Vizinhança encampada pelo governo Roosevelt.
Rios manteve duradouros laços de cooperação intelectual com Smith, convergindo, em muitos pontos, com os ideais reformadores característicos dos sociólogos rurais americanos vinculados ao New Deal. A convite de Smith, lecionou em universidades como Vanderbilt e Flórida. Ao retornar ao Brasil, ele se empenhou na institucionalização da Sociologia Rural no país e na implementação de programas de reforma agrária e educação de base capazes de alterar as condições de vida do homem do campo. Tratava-se, em última análise, de substituir a rudimentar e polarizada estrutura de classes da sociedade rural brasileira, cindida entre uma elite latifundiária absenteísta e uma massa de despossuídos, por um mundo de pequenas famílias de agricultores de classe média, vistas como fonte de uma cultura cívica e democrática. No centro das preocupações de Rios estava aquilo que identificava, na esteira de tradições do pensamento social brasileiro, como o problema do insolidarismo, que demandaria, a seu ver, o estímulo a formas pujantes de associativismo local, capazes de contrabalançar o peso tradicionalmente exercido, na história do país, pelos particularismos familistas, por um lado, e pela ação centralizadora do Estado, por outro. Não à toa, a noção de comunidade se tornou cardinal em sua sociologia.
Não logrando inserção nos principais centros universitários do país ao concluir sua formação, Rios se dedicou a atividades de ensino e pesquisa nas ciências sociais em agências do Estado e organismos privados dedicados ao planejamento de políticas públicas. Nestes espaços, buscou levar adiante sua agenda científica e reformadora. No início do Segundo Governo Vargas, integrou a Comissão Nacional de Política Agrária presidida pelo ministro da Agricultura João Cleofas. Foi um dos idealizadores e primeiro coordenador, entre 1950 e 1952, da Campanha Nacional de Educação Rural do Ministério da Educação e da Saúde, iniciativa inspirada nos programas de educação fundamental propugnados no pós-guerra por organismos multilaterais como a Unesco em meio às crescentes preocupações, características dos primórdios da Guerra Fria, com o auxílio ao desenvolvimento das áreas pobres do mundo pelas potências ocidentais. Entre 1953 e 1957, Rios trabalhou no Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), tornando-se chefe de sua Seção de Pesquisas Sociais. Data deste período a publicação de Educação dos Grupos (1954), livro que sintetiza sua experiência de ensino para profissionais de educação e saúde envolvidos em políticas públicas para as zonas rurais do país. Em 1957, ele se tornou assessor técnico do Senado Federal, passando a atuar principalmente em temas ligados à educação e à reforma agrária. No governo João Goulart, contribuiu com a elaboração, encabeçada pelo engenheiro Paulo de Assis Ribeiro, de projetos de reforma agrária que servissem ao programa das oposições no parlamento.
A produção intelectual de Rios se desenvolveu, em grande medida, a partir de entrecruzamentos da sociologia rural americana com correntes do pensamento social da Igreja de inclinação reformadora que buscavam se manter equidistantes tanto do antigo liberalismo individualista quanto das soluções de corte socialista para os problemas da ordem moderna. Este foi o caso, principalmente, do movimento Economia e Humanismo, liderado pelo frei dominicano Louis-Joseph Lebret.
Rios se tornou um importante interlocutor brasileiro das redes transnacionais de Lebret, assumindo, em fins dos anos 1950, a direção do escritório carioca da Sociedade para Análises Gráficas e Mecanográficas Aplicadas aos Complexos Sociais (SAGMACS), agência de estudos dedicada ao planejamento social e urbano fundada no Brasil pelo grupo de Lebret nos moldes de sua congênere francesa, a SAGMA. Neste período, por encomenda do jornal O Estado de São Paulo, Rios dirigiu uma das primeiras pesquisas sociológicas sistemáticas e de fôlego sobre as favelas, Aspectos Humanos da Favela Carioca (1960). A pesquisa tornou o escritório de Rios passagem obrigatória de pesquisadores nacionais e estrangeiros interessados no fenômeno urbano das favelas, como o norte-americano Anthony Leeds. Entre 1960 e 1961, Rios atuou como secretário de Assuntos Sociais do Estado da Guanabara no governo recém-instituído de Carlos Lacerda, buscando, sem sucesso, implementar programa de recuperação das favelas do Rio de Janeiro nos moldes comunitaristas de sua sociologia.
Desligando-se do grupo paulista da SAGMACS, Rios se manteve à frente de seu escritório, rebatizado de Sociedade de Pesquisa e Planejamento (SPLAN) e, posteriormente, de Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Social e Econômico (INED). Através dele, realizou diferentes pesquisas ao longo dos anos, como o estudo sobre desenvolvimento e artesanato no Ceará, por encomenda SESI, e, em fins dos anos 1960, levantamento visando à melhoria das condições de vida na favela de Alagados, em Salvador, a pedido do governo baiano.
Em 1969, Rios se tornou professor do Departamento de Sociologia da PUC-RJ. Seu ingresso relativamente tardio na vida docente universitária não foi isento de tensões na atmosfera ideologicamente carregada da ditadura militar. Suas posições anticomunistas o indispuseram, por vezes, com alunos e professores identificados às esquerdas. De 1979 a 1991, foi professor de Sociologia da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Novos temas passaram a ocupar suas reflexões sociológicas a partir de então, como a violência, o crime e a reforma do sistema prisional. Data deste período seu envolvimento com diferentes comitês e conselhos das Nações Unidas ligados a pesquisa criminológica. Entre 1986 e 1989, fez parte do Conselho de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça.
De meados dos anos 1960 até o final de sua vida, Rios integrou igualmente diferentes conselhos no terreno da educação, como os da Capes (1964-1970), da Comissão Fulbright no Brasil (1966-1968), da Fundação Movimento de Desenvolvimento Econômico e Social (MUDES) (1973-1978), e da Fundação Brasileira de Educação (FUBRAE), que chegou a presidir (1973-1976). Em 1993, passou a integrar a União dos Juristas Católicos a convite do arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugênio Salles. Foi ainda membro do Conselho Técnico da Confederação Nacional do Comércio, contribuindo com ensaios para sua Carta Mensal, e membro titular do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, onde exerceu o cargo de vice-presidente.
A orientação humanista católica de Rios, centrada no esforço de reformar as estruturas sociais e econômicas da modernidade, colocando-as “ao alcance do ser humano”, conforme expressão empregada por Lebret, transparece não apenas em sua obra sociológica, mas também em sua produção literária, como se depreende dos livros de poesia Guarda Noturno (1955) e Objetos não são coisas (2013).
Após o falecimento do sociólogo, a 16 de setembro de 2017, no Rio de Janeiro, seu arquivo pessoal foi doado à Casa de Oswaldo Cruz/ Fiocruz.
Sugestões de obras do autor:
RIOS, José Arthur. Educação dos Grupos. São Paulo: Editora Pedagógica e Universitária LTDA, 1987 [1954], 5ª edição.
SAGMACS. Aspectos humanos da favela carioca. O Estado de São Paulo, São Paulo, 13 abr. & 15 abr., 1960.
Sobre o autor:
LIMA, Nísia Trindade; MAIO, Marcos Chor. Ciências sociais e educação sanitária: a perspectiva da Seção de Pesquisa Social do Serviço Especial de Saúde Pública na década de 1950. Hist. Cienc. Saúde-Manguinhos, v. 17, n. 2., 2010.
LOPES, Thiago da Costa; MAIO, Marcos Chor. Comunidade e democracia na sociologia de T. Lynn Smith e José Arthur Rios. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 32, n. 95, 2017.
LOPES, Thiago da Costa. Em busca da comunidade: ciências sociais, desenvolvimento rural e diplomacia cultural nas relações Brasil – EUA. Rio de Janeiro: Ed. Fiocruz, 2020.