José Albertino Rosário Rodrigues

Maria Inês Rauter Mancuso (UFSCar)

José Albertino Rosário Rodrigues, com 64 anos de idade, e sua esposa, Ada Natal Rodrigues, com 61, faleceram, em outubro de 1992, em um desastre automobilístico em uma estrada rural que ia da chácara onde moravam até a Universidade Federal de São Carlos onde trabalhavam: ele, no Departamento de Ciências Sociais e, ela, no de Letras. Era o primeiro ano do curso de bacharelado em Ciências Sociais, que tinha o objetivo de formar pesquisadores: disciplinas metodológicas e teóricas, na metade do curso, se encontrariam na disciplina Projeto de Pesquisa Social que levaria à realização de uma pesquisa que seria apresentada na forma de monografia. Projeto coletivo, o curso realizava antigo sonho do Prof Albertino: formar pesquisadores. Antes, havia sido criado o curso de pós-graduação em Sociologia Política, uma forma de dar aos alunos de graduação uma perspectiva de futuro, segundo ele. Naquele dia de outubro, os alunos o esperavam para uma prova. Veio dos alunos a primeira homenagem ao mestre, ao darem o seu nome ao Centro Acadêmico.

Em 1982, convalescendo de um infarto, então com 45 anos de idade, se dedicou a escrever a “trajetória de uma geração que acabará com o século XX e que começou com a crise econômica mundial (1929) e com uma crise politica nacional (1930)”. Formularia, para isso, a “sociologia de uma geração”, título de um texto inacabado.

“O quadro histórico em que nossa geração se situa”, afirma, “é a do Brasil contemporâneo”, que deixou de ser “um país essencialmente agrícola” e passou por um “um processo acelerado de urbanização”. Nessa passagem, o operário simbolizava “o progresso econômico-social trazido pela fábrica” e também “o sonho utópico do socialismo”.

Outro traço dessa contemporaneidade era a crença de que o Brasil estava se tornando um país democrático, porém, contrariamente, afirma, “tivemos que conviver mais longamente com o autoritarismo do que com a democracia – e aqui o nosso senso de ‘contemporaneidade’ começa a fraquejar.” Essa geração “assistiu ao aparecimento do povo como personagem política e social […] grande massa da população aglutinada nos grandes centros urbanos”. Novas organizações políticas surgiram. Viveu-se um período de guerra e o seu final festivo: em Ribeirão Preto, onde estudava no curso colegial, “à noite, no centro da cidade, havia uma multidão […] a manifestação era mais heterogênea e de novo caráter. Tínhamos uma massa popular ao nosso lado, tínhamos operários vibrando conosco pelo fim da guerra.” Da praça, saíram todos em direção a uma fábrica de cerveja da cidade, liderados por um médico muito conhecido o qual ordenou ao vigia que abrisse as portas. “Os portões se abriram, e nós todos terminamos a confraternização bebendo chopp diretamente de enormes torneiras.”

“O abandono da cidade do interior para tentar a Universidade era um imperativo no final da década de 40, pois só a Capital dispunha das faculdades de ensino superior. Essa migração representava também uma libertação e um rompimento com a vida provinciana. […] Nossa geração nasceu com a Universidade.”

Em São Paulo, estudou na Escola de Sociologia e Política, onde foi aluno e auxiliar de ensino e pesquisa de Oracy Nogueira, o qual assim o iniciou em pesquisa. Formado, trabalhou de abril de 1952 a maio de 1957 na Universidade de São Paulo, a princípio como auxiliar e, a seguir, como assistente de ensino e pesquisa da Prof.ª Alice P. Canabrava em História Econômica Geral e do Brasil.

Demitido, procurou, em 1957, o DIEESE – Departamento Inter-Sindical de Estatística e Estudos Sócio – Econômicos, criado em 1955 por um grupo de entidades sindicais, o PUI – Pacto de Unidade Intersindical. Em 1956, o DIEESE havia tentado fazer pesquisa sobre padrão de vida para construir um índice de custo de vida. A pesquisa se revelou inútil por “deficiências técnicas da amostra e porque, no rol de artigos relacionados (para o registro dos gastos), havia-se esquecido de incluir, entre outros, o feijão.” Em maio de 1957, procurou, no Sindicato dos Bancários, Salvador Romário Lossaco, funcionário do Banco do Brasil, e Luiz Tenório de Lima, representante do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Laticínios e Produtos Derivados e apresentou-lhes um plano de trabalho que consistia em 1) elaborar um Índice de Custo de Vida; 2) estudar regularmente o mercado de trabalho e 3) assessorar as entidades sindicais nas questões afetas a elas. Segundo L.T. de Lima (Nossas Histórias, www.dieese.org.br), José Albertino “deu estrutura, estrutura do ponto de vista técnico, funcional e começou o trabalho, e aí ninguém segurou mais.”

Remo Forli, operário metalúrgico, de 1959 a 1961, sucedeu Lossaco, primeiro presidente do DIEESE. Em 1961, Remo Forli apresentou aos representantes patronais proposta de reajuste salarial que correspondia ao aumento de custo de vida que o DIEESE havia apurado em nova pesquisa coordenada por José Albertino. Com ironia, aqueles representantes perguntaram: “Baseados em que vocês apresentam esta proposta?” Forli respondeu apresentando os dados levantados. (José Albertino acreditava que os números falam por si sem precisar de discursos eloquentes. Além disso, Forli já havia expressado não gostar de longos textos.). Frente a uma contraproposta. Forli retornou a pergunta: “Baseados em que vocês apresentam essa contraproposta?”, o que incomodou os representantes. Recorda Prof Albertino: “Remo sempre disse que aquele fora o melhor dia de sua vida. Ambos recordávamos esse episódio no seu último Natal, [em 1971] quando se encontrava muito doente e fui visitá-lo.”

Foi graças a essa experiência que tive no DIEESE, de 1957 a 1962, que me levou a escrever um livro sobre o Sindicato no Brasil. Tinha voltado para a Universidade em abril de 1962, tentando uma experiência nova e gratificante que foi a instalação da UnB – Universidade de Brasília. Essa experiência durou apenas dois anos para mim. Em abril de 64 fomos presos e 11 profissionais foram demitidos, na primeira invasão policial-militar. [Minha geração, num certo sentido, morria com o golpe militar de 1964. Enquanto o golpe/revolução de 1930 foi dirigido contra uma geração cronologicamente velha, decadente e carcomida, o golpe/revolução de 1964 foi dirigido contra uma geração relativamente nova e em ascensão.] Desempregado, consegui, por intermédio de M. Diegues Jr, diretor da CLAPS, ajuda de custo para me sustentar até o final de 64, período que me dediquei a pesquisar e escrever o meu livro que só veio a ser publicado em 1968. Em 1965, voltei ao DIEESE, aproveitando para fazer revisão do livro. No começo de 1966, minha situação era insustentável pois o SNI estava pressionando os dirigentes sindicais a quem faziam ver que não podiam empregar uma pessoa que fora cassada, [o que não era uma informação correta] e demitido da UnB, o que era verdade. […] Afastei-me do DIEESE e fui para o exterior [Portugal e França] a fim de preparar meu doutoramento.

Em 1969, começou a trabalhar na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, que integraria, em 1976, a UNESP. Havia recém retornado ao Brasil vindo da França, onde concluiu o mestrado e o doutorado na Universidade de Paris: o primeiro, em 1966, no Institut des Hautes Études de l´Ámerique Latine e, o segundo, em 1968, na Faculté des Lettres e Sciences Humaines. Em Rio Claro, assumiu, entre outras, a disciplina de Metodologia e Técnicas de Pesquisa do curso de Ciências Sociais, até então pouco sistematizada. Além da iniciação em pesquisa dos alunos com temas individuais, envolveu alunos e professores em um survey financiado pela FAPESP, publicado, em 1971, em edição mimeografada pela Faculdade, em três volumes, com o título A pesquisa científica e tecnológica no Estado de São Paulo. Apresentou, ainda, para discussão, proposta de revisão do curso enfatizando a formação em pesquisa. Ele acreditava que os sociólogos estariam perdendo oportunidades de trabalho para economistas e estatísticos por conta da precariedade de formação em pesquisa. A discussão não avançou: foi demitido em 1971, por pressões políticas, não sem antes introduzir alunos de três turmas em pesquisa. De 1970 a 1975, trabalhou no Programa de Pós-Graduação em Economia e Sociologia Rural da ESALQ – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (USP), de onde saiu por questões políticas.
De 1968 a 1975, foi pesquisador na Hidroservice – Engenharia de Projetos e, de 1975 a 1977, chefe de pesquisa do Grupo Visão. Em 1974, foi professor em um curso ofertado pela Associação dos Sociólogos do Estado de S. Paulo que propunha, segundo Gabriel Cohn, discutir “questões básicas de definição e planejamento de pesquisa social” (Hirano, Sedi (org) Pesquisa Social. Projeto e planejamento. SP. TAQ).

Começou a trabalhar na UFSCar em 1977, no antigo DEFUCIF – Departamento de Fundamentos Científicos e Filosóficos da Educação do qual surgiria, em 1987, o Departamento de Ciências Sociais. Ainda no DEFUCIV, pensando na criação de um departamento de Ciências Sociais, organizou, com a Prof.ª Elza de Andrade Oliveira, o Núcleo de Pesquisa e Documentação, para o desenvolvimento e o treinamento em pesquisa social. Um projeto amplo, Sociedade e Modo e Vida Interioranos, abrigava vários subprojetos com foco principal no modo de vida em sete cidades médias paulistas, compreendidas em um triângulo em cujas pontas estariam Ribeirão Preto, Bauru e Campinas, capitais regionais. Vários subprojetos tiveram financiamento da FINEP (Convênio B/76/81/188/00/00) e da FAPESP (Processo 85/000-5)
Batalhou junto com um grupo de sociólogos, pelo reconhecimento da profissão de sociólogo pelo Ministério do Trabalho. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), no biênio 1988-1989. Quando faleceu, estava no segundo mandato, que iria até 1993, de vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da qual já havia sido secretário. Era editor da Revista Ciência e Cultura.

Para Oracy Nogueira, José Albertino “foi mais um organizador e animador que um teorizador; todavia deixou artigos e livros que hão de assegurar a lembrança da passagem pela história da Sociologia no Brasil.” (1992, p. 203).

Sugestões de obras do autor

RODRIGUES, José Albertino Rosário. Situação econômico-social da classe trabalhadora no Brasil. Revista de Estudos Sócio-econômicos, set 1961.

RODRIGUES, José Albertino Rosário. Padrão de vida da população brasileira, Revista de Estudos Sócio-econômicos, nov 1961.

RODRIGUES, José Albertino Rosário. O sindicato no Brasil: seu papel no Desenvolvimento Econômico. S.P. Difusão Europeia do Livro, 1968.

RODRIGUES, José Albertino Rosário. Ecologia urbana de Lisboa no século XVI. Análise Social, vol. 8, n.29, 1970:

RODRIGUES, José Albertino Rosário. A pesquisa científica e tecnológica no Estado de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, 1971 (mimeo)

RODRIGUES, José Albertino Rosário. Movimento sindical y situación de la classe obrera en el Brasil. Nueva Sociedad, n.26, 1976.

RODRIGUES, José Albertino Rosário. Durkheim (Org. Introdução). São Paulo: Editora Ática, 1978.

RODRIGUES, José Albertino Rosário. Pareto (Org.Introdução). São Paulo: Editora Ática, 1984.

Sugestões de leitura sobre o autor

NOGUEIRA, Oracy. José Albertino Rosário Rodrigues. Tempo Social: Revista de Sociologia; USP, S. Paulo 4(1,2):199-203,1992.