Por Almira Rodrigues (Sociedade de Psicanálise de Brasília – SPBsb)
João Gabriel nasceu em junho de 1946 em Jaguaquara, interior da Bahia. Da infância, guardou com carinho as lembranças das apresentações do Circo Nerino na cidade. No final dos anos 50 seus pais se mudaram para Salvador visando proporcionar oportunidades educacionais para os filhos.
João Gabriel fez o curso de graduação em Ciências Sociais na Universidade Federal da Bahia em tempos difíceis, de 1965 a 68, e lá iniciou-se no teatro infantil. Finda a graduação, realizou o mestrado em Sociologia do Desenvolvimento – Estudos Interamericanos pela University of Miami (1969-70). Em seu retorno, trabalhou no Consulado Americano, como assistente cultural. Depois, em 1977, iniciou o doutorado na Inglaterra pela University of Sussex.
Chegou em Brasília em 1980 e, no ano seguinte, vinculou-se ao Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília como professor. Concluiu seu doutoramento em 1984 defendendo a tese, posteriormente publicada, Os metalúrgicos de Salvador: um estudo de ideologia operária.
Realizou seu primeiro programa de pós-doutorado na New School for Social Research – NSSR, Nova Iorque (1993-1994), quando estreitou o contato com autores e com a produção no campo da sociologia da arte/performance, e trabalhou com Vera Zolberg, pioneira na Sociologia da Arte nos Estados Unidos. Conheceu o Departamento de Estudos da Performance na New York University – NYU, relatando em palestra para o Núcleo de Antropologia, Performance e Drama – Napedra, do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo – USP: “Naquele momento, percebi que estava desenvolvendo na UnB uma proposta muito séria, que já existia nos Estados Unidos, inclusive em escala globalizada, embora eu não a conhecesse ainda.” (2014:25) Em seu retorno, criou o Laboratório Transdisciplinar de Estudos sobre a Performance – Transe na UnB, em 1995, tido como a 1ª experiência formal de estudos da performance no Brasil. Coordenou este trabalho mesmo após sua aposentadoria, em 2012. Na UnB, também se vinculou ao Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas (PPGACEN), como Professor Orientador.
Posteriormente, realizou um segundo programa de pós-doutorado, desta feita, na Maison des Sciences de l´Homme- MSH, Paris Nord, em 2004 e 2005. A partir de então, começou a trabalhar com o conceito de artificação, criado pela socióloga francesa Roberta Shapiro, que alude ao processo de transformação da não-arte em arte.
Contribuiu para a institucionalização da Sociologia na UnB, assumindo diversas funções: foi o primeiro diretor do Instituto de Ciências Sociais da UnB, bem como chefe de departamento e coordenador da pós-graduação em Sociologia.
Brasília, como ele diz, foi “um amor assumido e à primeira vista”. A cidade foi objeto de sua obra Brasília 50 Anos: Arte e Cultura, em que mostra uma cultura candanga consolidada e apresenta vários depoimentos de excelências artísticas da cidade. Neste trabalho, João Gabriel fez o seguinte testemunho: “Brasília, para alguns e para mim também, significou a real possibilidade de realizar esse espaço de solidão. Em decorrência, o ego de cada um, na busca de soluções prazerosas, transcendeu o aspecto mórbido desse isolamento, criando e recriando o inventar cotidiano do viver em espaço privilegiado com algum conforto. …O Plano Piloto sempre me recordou o ‘verde que te quero verde’, de Lorca e de Gilberto Gil, que também falou dos ‘gramados verdes campos de lá.’ Na Inglaterra, ficava imaginando isso, comparando o saudoso verde do cerrado aos verdes tenros dos parques em que passeava.” (2011:26).
De forma irreverente, pioneira e criativa realizou a docência de Sociologia associada a práticas de teatro e de performance. Os espetáculos teatrais e performances que realizou foram documentados em sua obra Teatro, Performance e Pedagogia Dionisíaca, que reuniu também suas palestras e conversas no Napedra e seus escritos a partir de reflexões e interlocução com autores relacionados ao campo de estudo. Foram 14 experimentações em 25 anos de trabalho docente no Departamento de Sociologia da UnB, período subdividido por João Gabriel, em três fases: de 1986 a 1994 – experiências com o teatro a partir de obras que abriram para as temáticas sociológicas da educação, da família, do trabalho, da adolescência, da religião, dos afetos; de 1995 a 2005 – incorporação da arte da performance nas disciplinas e apresentações e criação do Transe como parte integrante do Centro de Estudos Avançados e Multidisciplinares – CEAM, da UnB; e de 2006 a 2010 – oferta sistemática da disciplina optativa Arte e Sociedade pelo Departamento de Sociologia da UnB, articulada com outros projetos e instâncias da Universidade, e incorporação do Transe como Laboratório de Pesquisa pelo Departamento de Sociologia.
Em seus últimos anos, vinculou-se ao Programa Avançado em Cultura Contemporânea (PACC) da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como Pesquisador Associado (2014); e também ao Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas (PPGAC) da Universidade Federal da Bahia, como Pesquisador Visitante (2015).
Seu percurso sociológico se inicia com estudos de sociologia do trabalho, de movimentos sindicais e da pesquisa sobre cidadania e vai se encaminhando para o campo da Sociologia da Cultura/Sociologia da Arte, com ênfase em Artes Cênicas e Teoria e Prática da Performance. Esta pode ser estudada como linguagem, cultura e interação social na vida cotidiana, para além das artes performáticas. Neste percurso, ele contou com apoios e também com resistências em decorrência do campo conceitual recente e de suas experimentações inovadoras.
João Gabriel teve uma vida intelectual e acadêmica extremamente fértil com a publicação de vários livros autorais, de muitos artigos e capítulos de livros, de organização de diversas coletâneas, de apresentação de trabalhos em congressos nacionais e internacionais e participação em eventos, exposições e feiras. Orientou várias teses de doutorado e dissertações de mestrado – inclusive a minha, sobre relações amorosas; os alunos o procuravam como orientador e parceiro para seus estudos no campo da sociologia do cotidiano, dos afetos, das práticas corporais, das formas de sociabilidade presenciais e virtuais, da cultura e lazer.
Ele faleceu em abril de 2017, em Brasília. Deixou um legado no campo da Sociologia da Arte e uma experiência pedagógica que nomeou de dionisíaca – em referência ao termo criado pelo educador Denis Nicolay –, de ensino/aprendizagem da Sociologia a partir de novas formas de construção do conhecimento: lúdica, prazerosa, criativa, artística. João Gabriel se identificava com o pensamento freudiano e utilizou recorrentemente textos de Sigmund Freud em seus trabalhos de docência; alertava para a importância de cada um cuidar de sua economia libidinal, que resumia como estar de bem com a vida.
Podemos sintetizar seu percurso como um intenso trabalho no sentido: de ligar ciência e arte, nas feições de sociologia e performance/teatro, pela criação de um campo transdisciplinar, fronteiriço e fértil; de conectar corpo e ideias, difundindo que somos um corpo e não que temos um corpo, e, nessa medida, já estamos performando em nossas interações sociais; de buscar um diálogo interdisciplinar, da sociologia com outras disciplinas como a história, antropologia, psicanálise, filosofia, política; e de promover uma prática experimental, no sentido de abrir para o novo, para a descoberta, inclusive incorporando as novas tecnologias comunicacionais.
Sugestões de obras do autor:
TEIXEIRA, João Gabriel Lima Cruz. Teatro, Performance e Pedagogia dionisíaca. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2014, 204p.
TEIXEIRA, João Gabriel Lima Cruz. Brasília 50 Anos: Arte e Cultura. 1a.. ed. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2011. v. 1. 158p .
TEIXEIRA, João Gabriel Lima Cruz (Org. e Apresentação). Dossiê: Sociologia da Arte Hoje. Sociedade e Estado. 20. ed. Brasília: Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, 2005. v. 1. 313p.
TEIXEIRA, João Gabriel Lima Cruz; GUSMAO, R. (Org.). Mulheres Brasílicas. ed. Brasília: Transe/ Departamento de Sociologia, 2002. v. 1. 71p.
TEIXEIRA, João Gabriel Lima Cruz. A Teoria da Sociedade em Freud. 1. ed. São Paulo: E.P.U., 1991. 55p.
TEIXEIRA, João Gabriel Lima Cruz. Os Metalúrgicos de Salvador – Um Estudo de Ideologia Operaria. Brasília: UNB, 1989. 191p .