Jean Hébette

Por Daniela Ribeiro de Oliveira (UFPA) e
Bianca Mycaella dos Santos Tsubaki (UFPA)

Jean Hébette foi um importante pensador, sociólogo, pesquisador, professor e ativista da Amazônia brasileira, em sua trajetória intelectual e ação política, ao longo do período em que trabalhou no Brasil. Hébette aproximou a academia aos movimentos sociais; foi um pesquisador rigoroso e responsável pela formação de importantes quadros docentes na Amazônia, mas não apenas. No estado do Pará, por exemplo, parte do conjunto de pesquisadores e docentes que atuou e/ou ainda atua na Universidade Federal do Pará (UFPA) e na Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESPA) teve Hébette como orientador e mestre.

Filho de Victor Léon Hébette e Maria Joseph Rochette, ele nasceu em 15 de fevereiro de 1925 em Winenne, na Bélgica. Iniciou sua vida religiosa em 1942, sendo ordenado em 1949. Graduou-se em licenciatura em Teologia pelo Institut Catholique Dèstudes Superieures em 1954, na França e passou a trabalhar como sacerdote em diversos países como Holanda, Alemanha, Itália, Reino Unido, Irlanda, República Democrática do Congo, Burundi e Ruanda. Em 1967, já como missionário e aos 42 anos de idade, chegou ao Brasil (Rio de Janeiro), junto com outros religiosos da Ordem dos Oblatos de Maria Imaculada (OMI), tendo a Teologia da Libertação como perspectiva de ação. Neste mesmo ano, mudou-se para Amazônia, residindo na capital paraense por 46 anos, tendo como principal região de atuação o sudeste paraense e toda a rodovia Transamazônica os quais tornaram-se fronts de batalhas contra as injustiças e desigualdades sociais. Na cidade de Belém, o primeiro grupo com o qual o missionário trabalhou foram com as mulheres prostitutas com as quais construiu relações de amizade.

O trabalho inicial junto às populações rurais e camponesa da Amazônia o levou a ingressar no curso de Economia pela Universidade Federal do Pará (UFPA), em 1973, realizando a primeira Especialização em Desenvolvimento Regional (FIPAM/NAEA/UFAP); depois conclui especialização em História Oral pela Universidade Federal Fluminense em 1975. Além disso, ele especializou-se em Sociologia Rural. Essa trajetória de formação lhe abriu caminhos para ingressar na carreira acadêmica, cuja trajetória foi singular. Hébette deixou importante legado sobre a compreensão do campesinato amazônico, bem como participou ativamente na criação de reconhecidas instituições de defesa dos trabalhadores rurais. Desenvolveu estudos sobre os efeitos da criação da Rodovia Belém-Brasília; contribuiu para a origem da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (CINDRA) e, em 1976, participou da (re)criação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da Região Sul e Sudeste do Pará. Três anos depois criou, junto com outros integrantes do Grupo de Estudos sobre Agricultura na Amazônia, o Projeto de Intercâmbio de Pesquisa Social em Agricultura (PIPSA) cujo objetivo foi a divulgação de pesquisas sobre agricultura e o fortalecimento das relações com outros pesquisadores de centros acadêmicos e profissionais de instituições de fomento.

Em parceria com a UFPA e o Sindicato de Trabalhadores Rurais, em 1985, contribuiu para a criação do Centro Agroambiental do Tocantins (CAT) cujo objetivo foi consolidar a agricultura familiar na região, aprimorar a gestão agrícola do meio ambiente e das condições socioeconômicas, da cidadania, participação cívica e na produção por mulheres, entre outros. A partir do CAT surgiu o Laboratório Socioagroambiental do Tocantins (LASAT), em Marabá; o Laboratório Agroecológico da Transamazônica (LAET), em Altamira; o Núcleo de Ciências Agrárias e Desenvolvimento Rural (NEAF).

Jean Hébette participou ativamente da construção da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (UNIFESSPA), na criação do curso de Ciências Sociais e de Educação no Campo da UFPA. Foi vice coordenador do NAEA entre setembro de 1989 a setembro de 1992; e em 1995 tornou-se professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) que hoje é o Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia da UFPA. Durante sua atuação docente, lecionou disciplinas como, teoria social da modernidade; campesinato na fronteira amazônica; história agrária e do campesinato no Brasil e na Amazônia; sociologia política do campesinato; teoria sociológica e econômica; perspectivas e projetivas da Amazônia; realidade amazônica; colonização e ocupação da Amazônia; economia da região norte; temas atuais de sociologia, entre outras.

Colaborou para o fortalecimento de uma escola alternativa que figurou como espaço de organização política e formação de um pensamento crítico, a Escola Familiar Agrícola (EFA). Em 2004, por meio da Campanha da Fraternidade da Bélgica, empreendeu esforços para obtenção de recursos financeiros, com a finalidade de instalar uma biblioteca na EFA para jovens rurais.

Jean viveu como ativista social e defensor dos direitos e dignidade humana da população rural, entre eles os camponeses e povos indígenas, contribuindo com outra perspectiva sobre a Amazônia e a terra. Ele integrava rigor científico e militância pela causa humanitária, além de analisar, interpretar e enunciar suas conclusões de pesquisa, também mediava o mundo real para transformá-lo. Foi defensor da Amazônia e teve como alvo de suas críticas militante e acadêmica os grandes projetos “desenvolvimentistas”. Ele tornou-se referência nacional e internacional em pesquisas sobre campesinato na Amazônia; contribuiu para melhorias na gestão dos recursos naturais desses grupos sociais e para a consolidação da agricultura familiar.

Jean Hébette foi homenageado em vida, recebendo o título de professor emérito da Universidade Federal do Pará (1995); uma medalha dos 50 anos da UFPA pelos relevantes serviços prestados à instituição (2007) e o reconhecimento individual e coletivo de gerações de pesquisadores e pesquisadoras, tanto no sentido formal de mestrados e doutorados, quanto informal, por engajar bolsistas de iniciação científica ou orientações voluntárias nas reuniões que promovia. Os temas abordados por Jean foram essenciais para o entendimento das dinâmicas de fronteira e ocupação na Amazônia, como as questões de classes, fundiárias e do campesinato, privatizações de terras, condições das populações amazônicas e seus modos de vida, invasão de terras indígenas, a pecuária, incentivos fiscais, reforma agrária, produção familiar rural no campo paraense e atividades madeireiras, ocupação econômica do espaço amazônico, conflitos sociais no campo, etc. Coordenou o Grupo de Estudos sobre Agricultura na Amazônia, espaço onde discutiam temas como migração, fronteiras, colonização, movimentos sociais, luta pela terra, povos indígenas, reforma agrária etc.

Após quatro décadas como professor da UFPA e da UNIFESSPA, aposentou-se em 2014 e, em 2015, retornou para Bélgica onde faleceu de causas naturais em 11 de novembro de 2016. O reconhecimento e as homenagens in memória pelas suas contribuições para a Amazônia foram vários, entre os quais, em 2016, o Centro Agroindustrial do Tocantins (Marabá) renomeou a EFA como “Escola da Família Agrícola Prof. Jean Hébette”; em 2017 lhe foi outorgado, pela Assembléia Legislativa do Pará (ALEPA), o título de cidadão paraense; e em novembro de 2018, o Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA), , inaugurou o “Espaço de Convivência Professor Jean Hébette”.

Sugestões de obras do autor:

HÉBETTE, Jean. Cruzando a fronteira: 30 anos de estudo do campesinato na Amazônia. Belém: Edufpa, 2004.
HÉBETTE, Jean (Org). O cerco está se fechando. O impacto do grande capital na Amazônia. Petrópolis: Vozes; Rio de Janeiro: FASE; Belém: NAEA/UFPA, 1991.
HÉBETTE, Jean; MARIN, Rosa Acevedo. Colonização espontânea, política agrária e grupos sociais. Brasília: MEC, 1977.
HÉBETTE, Jean; CASTRO, Edna Maria Ramos. Na trilha dos grandes projetos: modernização e conflito na Amazônia. Belém: NAEA/UFPA, 1989.
HÉBETTE, Jean; NAVEGANTES, R. S (Orgs.). CAT. Ano Décimo: etnografia de uma utopia. Belém: EDUFPA, 2000.
HÉBETTE, Jean; MANESCHY, Maria Cristina; BARBOSA, Sonia. No mar, nos rios e na fronteira: faces do campesinato no Pará. Belém: EDUFPA, 2002.
HÉBETTE, Jean; MOREIRA, Edma Silva. Contradições sociais, utopias agrárias eutopias ambientais na Amazônia. In: STARLNG, Heloísa Maria Murgel; RODRIGUES, Henrique Estrada; TELLES, Marcela (Orgs.). Utopias agrárias. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2007.

Sobre o autor:

UFPA. ALEPA presta homenagem à memória do pesquisador Jean Hébette. Acesso em 26 de setembro de 2022: https://ppgsa.propesp.ufpa.br/index.php/br/programa/noticias/todas/328-alepa-presta-homenagem-a-memoria-do-pesquisador-jean-hebette
BELTRÃO, Jane Felipe. Opinião: Jean Hébette, o mestre se foi. Publicado em 13 de Dezembro de 2016. Disponível em: https://www.beiradorio.ufpa.br/index.php/2016/79-134-dezembro-e-janeiro/119-jean-hebette-o-mestre-se-foi Acesso em 26 de set de 2022.
LIMA, Eli de Fátima Napoleão de. A contribuição de Jean Hébette. Estudos Sociedade e Agricultura, v. 27, n. 3, p. 509-524, out. 2019.
PINTO, Ericka. Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA comemora 45 anos de criação. Disponível em https://www.portal.ufpa.br/index.php/ultimas-noticias2/8997-nucleo-de-altos-estudos-amazonicos-naea-comemora-45-anos-de-criacao Acesso em 26 de setembro de 2022.
PINTO, Lúcio Flávio; GUERRA, Gutemberg. Jean Hébette, o nosso belga. 2013. Disponível em https://gramsci.org/?page=visualizar&id=1570 Acesso em 26 de setembro de 2022
HÉBETTE, JEAN (1925 – 2016). Acesso em 27 de setembro de 2022: http://www.belgianclub.com.br/pt-br/creator/h%C3%A9bette-jean-1925-2016
Nota de pesar pelo falecimento do professor Jean Hébette. Publicado em 14 de Novembro de 2016. Disponível em https://unifesspa.edu.br/noticias/1197-nota-de-pesar-pelo-falecimento-do-professor-jean-hebette Acesso em 27 de setembro de 2022