Por Marco Aurélio Santana (UFRJ)
Uma sociologia política do trabalho
Nascido em 1949, na cidade de Rio Branco (AC), Iram Jácome Rodrigues, diferentemente de seus colegas que iam estudar no Rio de Janeiro, foi fazer escola secundária em Brasília. Lá iniciou sua militância política no Partido Operário Revolucionário Trostskista (POR-T), chegando a ser da direção dos secundaristas em Brasília (Diretório Central dos Estudantes Secundaristas de Brasília – DCESB). Em 1969, em plenos anos de chumbo do regime militar brasileiro, entra para o curso de economia da Universidade de Brasília (UNB). No entanto, em razão do seu engajamento político, precisou se afastar dos bancos universitários por quase dez anos. Ele só retornaria em 1978, mas, agora, para o curso de ciências sociais da Universidade de São Paulo (USP). Ali, faria também sua formação em termos de mestrado e doutorado.
Em seu retorno ao ambiente universitário já trazia duas características que marcaram toda a sua trajetória acadêmica. De um lado, a mirada política na análise e entendimento do mundo. De outro, dado o contexto de efervescência operária e sindical que fazia balançar a vida política nacional, o interesse pelos estudos do trabalho e do sindicalismo. Em 1980, ainda na graduação, produziu material analítico sobre a greve dos metalúrgicos do ABC paulista daquele ano.
É com a junção de um olhar específico sobre um tema determinado, política e sindicalismo, que ele entra no mestrado em 1982, sob a orientação de Leôncio Martins Rodrigues, que havia sido seu professor na graduação e com quem já planejara estudar. O orientador, além de associar também os dois interesses, tinha tido o mesmo tipo de trajetória de engajamento político – havia sido personagem importante do Partido Operário Revolucionário (POR) – que também trouxera Iram Rodrigues ao mundo universitário um pouco mais maduro. Isso os aproximou muito e fez com a relação entre os dois, independentemente das posições políticas e analíticas, se desenvolvesse e aprofundasse, transcendendo a orientação de pós-graduação e a coautoria de trabalhos, para tornar-se forte e duradoura amizade. Nesse período de formação, Iram Rodrigues percorreu e foi influenciado pelas leituras das obras de E.P. Thompson, Cornelius Castoriadis, Adam Przeworski e André Gorz, entre outros.
Em meio ao seu conjunto amplo de produção acadêmica e importantes contribuições aos estudos do trabalho no Brasil, se destacam dois trabalhos seminais que condensam em si, em termos de análise e reflexões, os eixos seguidos por Iram Rodrigues ao longo de sua trajetória. Trata-se de dois livros originados de sua dissertação de mestrado e de sua tese de doutorado.
Defendida em 1987, a dissertação foi publicada no livro Comissão de fábrica e trabalhadores na Indústria, em 1990 e se constituía em um estudo da classe trabalhadora da indústria automobilística e das comissões de fábrica em São Paulo e no ABC paulista. A questão que orientava a pesquisa, realizada em 1984, associava duas perspectivas presentes já na fundação do campo e marcadas pelo foco, seja nas dimensões sociológicas, seja nas dimensões políticas. Assim, Iram Rodrigues buscava analisar através de que processos um grupo específico da classe trabalhadora, oriundo em sua maioria de áreas rurais conseguiu, em tempo relativamente curto, a década de 1970, criar as condições para protagonizar a abertura de um dos mais importantes ciclos de mobilização e confrontação grevista da história trabalhista brasileira, ocorrido entre os anos 1978-1980.
Diante de um novo momento de nossa industrialização, buscava entender mais a confrontação do que a acomodação em termos das atitudes operárias, a partir das relações de trabalho e das organizações no chão de fábrica, que guardavam a dupla dimensão para entender os desdobramentos da luta pela ampliação da cidadania contra o autoritarismo no trabalho e na sociedade. Esse estudo, seria o primeiro passo de um longevo investimento de pesquisa sobre a realidade de vida, trabalho e luta dos metalúrgicos do ABC paulista que se estende desde então.
A questão referente ao processo de luta pela ampliação de direitos pela classe trabalhadora brasileira e seus impactos na democracia social e política de nosso país seria o eixo também, agora não mais no nível micro, mas no nível macro, para a tese de doutoramento, efetivada entre 1988 e 1993, sobre a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Publicada no livro Sindicalismo e Política: a trajetória da CUT, de 1997, a tese teve como ponto de origem a pesquisa coordenada por Leôncio Martins Rodrigues no III Congresso Nacional da CUT, realizado em Belo Horizonte, em 1988, da qual Iram Rodrigues, entre outros/as pesquisadores/as, participou da equipe, e que abriu todo um campo de investigações deste corte nos estudos do trabalho no Brasil.
Acompanhando as trajetórias dos metalúrgicos do ABC e da CUT, a partir dos anos 1990 e 2000, Iram Rodrigues vai se dedicar também a pesquisar e refletir sobre as profundas transformações que atravessaram o universo do trabalho no Brasil e no mundo, bem como os seus impactos sobre a classe trabalhadora, sempre observando esses processos de um ângulo que lhe permitisse compreender a construção de respostas, escolhas e opções, enfim da agência de trabalhadores e trabalhadoras e de suas organizações.
No âmbito da sua carreira universitária, Iram Rodrigues deu aulas como professor de sociologia na Faculdade de Economia e Administração da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (de 1986 a 1993), onde começou sua experiência docente. Depois, de 1991 a 2017, deu aulas de sociologia no Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, onde se aposentou, permanecendo como professor sênior entre 2017 e 2019. Desde 2004, atua no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, e, desde 2021, é professor sênior do Departamento de Sociologia. Já em termos da sua participação nas atividades das sociedades científicas, pode se considerar as mais marcantes as suas participações na diretoria da Associação Latinoamericana de Estudos do Trabalho (AlAST) no período 2010-2013, bem como na coordenação dos Grupos de Trabalho sobre trabalho, sindicalismo e política na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) e na Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) nos quais atuou no sentido de que refletissem sempre sobre as profundas mudanças pelas quais passavam o universo do trabalho e o sindicalismo no Brasil e no mundo.
Sugestões de obras do autor:
RODRIGUES, Iram Jácome (Org.). Trabalho e ação coletiva no Brasil: contradições, impasses, perspectivas (1978-2018). São Paulo: Annablume, 2019, 428p.
RODRIGUES, Iram Jácome. Sindicalismo e Política: A Trajetória da CUT. São Paulo: Scritta/Fapesp, 1997, 281 p. 2ªedição, LTr, 2011.
RODRIGUES, Iram Jácome e RAMALHO, José Ricardo (Orgs.). Trabalho e sindicato em antigos e novos territórios produtivos: comparações entre o ABC Paulista e o Sul Fluminense. São Paulo: Annablume, 2007, 364 p.
SILVA, Josué Pereira da, RODRIGUES, Iram Jácome. André Gorz e seus críticos. São Paulo: Annablume, 2006, 219 p.
RODRIGUES, Iram Jácome (Org.). O Novo Sindicalismo: Vinte Anos Depois. Petrópolis: Editora Vozes/EDUC/ Unitrabalho, 1999, 248 p.
RODRIGUES, Iram Jácome. Comissão de Fábrica e Trabalhadores na Indústria. São Paulo: Cortez/ FASE, 1991, 172 p.