Por Lígia Lüchmann (UFSC)
llse Scherer-Warren, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFRJ de 1974 a 1981 e do Departamento de Sociologia e Ciência Política e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC a partir de 1981 até a sua aposentadoria (compulsória, em 2014), desenhou uma trajetória de destaque na academia brasileira, com uma rica e fecunda produção intelectual.
Tendo escolhido Florianópolis, e a UFSC, como o seu local de vida e de profissão, Ilse criou, em 1983, o Núcleo de Pesquisa em Movimentos Sociais (NPMS) no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política da UFSC a partir de uma disciplina (denominada “Movimentos Sociais”) voltada para o estudo das múltiplas formas de ação coletiva. O NPMS se tornou, desde então, uma referência central nos estudos sobre os movimentos sociais no país.
Embora já tivesse se sensibilizado pelo tema dos movimentos sociais na época da graduação, foi a partir do mestrado em Sociologia Rural que este tema passou a se inscrever com força em seus interesses de pesquisa, marcados pela influência de sua trajetória de vida. Nascida em 1944 na cidade de Portão, Rio Grande do Sul e filha de uma família de pequenos agricultores, Ilse desenvolveu uma incansável opção pelos oprimidos, estudando o movimento camponês e o sindicalismo rural, temáticas que foram tomando corpo em sua vida acadêmica e consolidando o seu interesse pelos movimentos sociais quando da ocasião de seu doutoramento, na França, sob a orientação de Alain Touraine, em 1971.
Buscando guarida teórica na Sociologia francesa, e já lecionando na UFSC, Ilse avançou nos estudos sobre o tema, publicando o influente trabalho “Movimentos Sociais – um ensaio de interpretação sociológica” onde a autora lança um novo olhar que, transcendendo a dimensão da classe social, marcou o início de um processo de renovação teórica a partir da observação das especificidades da América Latina e do Brasil, observando novos atores e formas de organização social. Assim, apresenta (em 1984, na ANPOCS), o trabalho intitulado “O Caráter dos Novos Movimentos Sociais”, impactando, de forma inovadora, as investidas teóricas neste campo. A abordagem dos “Novos movimentos sociais” recebeu reforço e reconhecimento também com a publicação, com Paulo Krischke, da obra “Uma Revolução no Cotidiano – os novos movimentos sociais na América Latina” de 1987.
Outra importante renovação no campo de estudos sobre os movimentos sociais é apresentada no livro “Redes de Movimentos Sociais” (de 1996). Nesta obra, nossa autora vai marcar, em diálogo com a literatura internacional, uma nova forma de analisar a temática dos movimentos sociais. Se até então os movimentos sociais eram vistos a partir de sua identidade e organização internas, essa abordagem passa a vê-los pela perspectiva das articulações e relações sociais, incorporando fluidez, informalidade, diversidade e pluralidade nas análises desse campo. Podemos dizer que Ilse antecipou uma nova fase nos estudos sobre os movimentos sociais, onde a perspectiva das redes tornou-se central. A publicação de Silva et al intitulada “Movimentos sociais e redes: reflexões a partir do pensamento de Ilse Scherer-Warren” na revista Serviço Social e Sociedade, reflete bem os impactos inovadores dessa abordagem e o seu alcance em diferentes áreas do conhecimento.
Em íntima articulação com a temática da exclusão e dos movimentos sociais, suas preocupações mais recentes se voltaram para o estudo das políticas de inclusão, desenvolvendo pesquisas sobre a política de cotas no ensino superior e as suas relações com os movimentos sociais e setores estratégicos da sociedade civil.
Assim, e de forma bastante resumida, destacamos pelo menos três atributos de Ilse como professora e pesquisadora, quais sejam:
1- O seu papel na renovação teórica no campo de estudos sobre os movimentos sociais no Brasil e na América Latina. De fato, a influência e o diálogo que Ilse sempre manteve com a produção internacional, diferente de uma mera transposição de teorias estrangeiras, resultou em importantes inovações na produção teórica nacional;
2- O seu comprometimento e engajamento com a questão das múltiplas formas de exclusão social. Movida pelo desejo de transformação social, Ilse nunca se esquivou em assumir e reconhecer o seu papel, de dentro e de fora do campo acadêmico, na luta pela promoção da justiça social;
3- A sua postura como intelectual pautada no diálogo, na amizade e no respeito à pluralidade. Em especial, a sua humildade e generosidade, e que são (de forma unânime) reconhecidas por colegas, alunas/os e ex-aluna/os.
O reconhecimento dessa trajetória pode ser ilustrado pelo prêmio “Florestan Fernandes” concedido pela Sociedade Brasileira de Sociologia em 2015, pela sua produção acadêmica, pela formação de pesquisadores e consolidação institucional. Recebeu também o título de professora Emérita da UFSC na ocasião da comemoração dos 60 anos da fundação desta universidade, em 2020. Assim, talento, fecundidade analítica e generosidade são expressões que resumem a vida acadêmica e profissional de nossa querida professora e amiga Ilse Scherer-Warren.
Sugestões de obras da autora
SCHERER-WARREN, Ilse. Redes de movimentos sociais. Várias edições. São Paulo: Loyola, 2014. 141p.
SCHERER-WARREN, Ilse.; PASSOS, J. C. (Org) Relações étnico-raciais nas universidades: os controversos caminhos da inclusão. Florianópolis: Atilènde, 2014. 142p.
SCHERER-WARREN, Ilse. Redes emancipatórias: nas lutas contra a exclusão e por direitos humanos. Curitiba: Appris, 2012, 200 p.
SCHERER-WARREN, Ilse.; LUCHMAN, Lígia Helena Hahn (Org) Movimentos sociais e engajamento político: trajetórias e tendências analíticas. Florianópolis: Edufsc, 2015. 287p.
SCHERER-WARREN, Ilse. Movimentos Sociais. Um Ensaio de Interpretação Sociológica. Florianópolis: Editora da UFSC, 3 ed, 1989.