Por Dayse Miranda (Instituto de Pesquisa, Prevenção e Estudos em Suicídio – IPPES)
Gláucio Ary Dillon Soares nasceu em Vila Isabel na cidade do Rio de Janeiro, em 1934. Era filho único de Maria Dillon Soares e Ary Soares. A sua mãe foi professora do ensino primário. Seu pai trabalhava no Lloyd Brasileiro, uma antiga companhia de navegação, e se tornou funcionário público como contador. A sua infância foi marcada por dificuldades financeiras. Estudou em escolas públicas, mas teve a oportunidade de frequentar o Colégio Andrews, na Praia de Botafogo, um colégio de elite, graças à bolsa adquirida pelo seu mérito acadêmico. Gláucio foi um excelente aluno. Aprendeu inglês e francês como autodidata.
Formou-se em Direito pela Faculdade Cândido Mendes (1953-57). Na década de 1950, o jovem Gláucio descobriu a Sociologia com Fernando Bastos de Ávila, padre jesuíta e cientista social, criador da Escola de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Começou a ler livros de ciência política e de sociologia. Em 1956, ainda cursando Direito, resolveu fazer sociologia e ciência política na PUC-RJ. Na PUC, o futuro pesquisador desenvolveu a habilidade de falar em público. Eleito presidente do Centro Acadêmico Roquette Pinto, que ele havia fundado, dedicou-se à vida cultural e acadêmica, convidando conferencistas, organizando eventos e criando uma revista.
Em 1958, concluiu o bacharelado em direito e obteve uma bolsa para realizar o mestrado, na mesma área, na Universidade Tulane em Nova Orleans. Em solo americano, Gláucio conheceu e se encantou pela pesquisa. Em suas palavras, “conheci a pesquisa como maneira de olhar o mundo”. No centro de pesquisa National Opinion Research Center, em Chicago, dedicou-se aos estudos de minorias e aprendeu a construir questionários, coletar, analisar dados e entrevistar. A sua vida de estudante latino nas Américas foi difícil, tendo ele trabalhado como bartender, antes de dar início à sua exitosa carreira.
Em 1962, foi para o México para ministrar um curso de métodos de pesquisa na Escuela Nacional de Antropologia e História. Essa viagem marcou o início de sua carreira internacional. Gláucio recebe um convite para fazer o doutorado em Sociologia na Universidade de Washington em St. Louis. Três anos depois conclui o doutorado com tese sobre Desenvolvimento Econômico e Radicalismo Político (1965) A sua trajetória profissional estava só no começo.
Gláucio Soares lecionou em diversas instituições no exterior como a Universidade de Harvard, Faculdade Latino Americana de Ciências Sociais (FLACSO), Universidade da Califórnia, Universidade de Cornell, Universidade Nacional Autônoma do México. No Brasil foi professor na PUC-RJ, Fundação Getúlio Vargas (FGV), Universidade de Brasília (UNB) e no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP/UERJ). Formou inúmeros alunos que se destacaram na academia. Foi precursor no uso de métodos quantitativos nas ciências sociais brasileiras. Pesquisou partidos, eleições, ditadura militar, democracia no Brasil, entre outros temas de cunho político e social. A obra “Sociedade e Política no Brasil” (1973) é uma referência obrigatória para a compreensão dos estudos de política no país. Outro livro de destaque é “Democracia Interrompida” (2001) para o qual recebeu o prêmio Sérgio Buarque de Holanda da Fundação Biblioteca Nacional.
O interesse do sociólogo pelo tema da violência na América Latina começou com a violência política no Chile, Argentina e Brasil, mas depois foi direcionado à violência na sociedade, revelou ele em recente entrevista concedida à Revista de Pesquisa Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Nos meados dos anos 2000, o professor fez de sua vida acadêmica um instrumento de luta em prol da valorização da vida. Inspirado pelo lema “Salvar Vidas”, Gláucio Soares publicou com colegas e ex-alunos diversos artigos e livros clássicos na área. Três deles ganharam destaque: “As Vítimas Ocultas da Violência na cidade do Rio de Janeiro” (2007), “Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios” (2008) e “Por que cresce a Violência no Brasil? ” (2014).
Foi presidente da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), entre 2000 e 2004, e posteriormente secretário-geral da Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP). Em 2002, recebeu do governo brasileiro a Ordem Nacional do Mérito Científico e, em 2014, o prêmio Honra ao Mérito da Associação Brasileira de Ciência Política. Em 2015, foi agraciado com o Prêmio de Excelência Acadêmica da ANPOCS.
Nos últimos dez anos, convertido pela fé cristã e pelo desejo de fazer o bem, Gláucio encontrou um novo sentido de vida. Passou a frequentar a igreja aos domingos com regularidade e a pesquisar o amor como variável sociológica de grande relevância. Para o cientista, os dados sinalizavam que não há lugar para o estudo das emoções na sociologia brasileira. Em 2017, o pesquisador apaixonado iniciou as primeiras páginas de seu mais novo livro intitulado “Migalhas de Amor”. Infelizmente, o velho, porém incansável cientista não teve tempo para dar “vida” a mais uma de suas criativas, inteligentes e apaixonantes ideias. Gláucio Ary Dillon Soares faleceu no dia 14 de junho de 2021 em decorrência das sequelas da Covid-19.
Sugestão de obras do autor:
SOARES, Glaúcio Ary Dillon. Sociedade e Política no Brasil, São Paulo, Cia Editora Nacional, 1974.
SOARES, Glaúcio Ary Dillon. Democracia Interrompida, Rio de Janeiro, Editora FGV, 2001
SOARES, Glaúcio Ary Dillon ; MIRANDA, Dayse; BORGES, Doriam. As Vítimas Ocultas da Violência na cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira e CEeC, 2007.
SOARES, Glaúcio Ary Dillon. Não matarás: desenvolvimento, desigualdade e homicídios, Rio de Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 2008.
Sobre o autor:
Entrevista concedida a Revista de Pesquisa da FAPESP.: https://revistapesquisa.fapesp.br/glaucio-ary-dillon-soares-o-sociologo-apaixonado/
Consulta realizada no dia 15/09/2022