Por Marcia Tosta Dias (Unifesp)
Nascido em setembro de 1938 em uma família de alemães judeus imigrantes, Gabriel Cohn viveu sua infância em área rural do Vale do Paraíba. Na cidade de São Paulo, terminou sua formação no ensino médio e ingressou, em 1960, no curso de Ciências Sociais da então Faculdade de Ciências e Letras da Universidade de São Paulo. Na instituição, realizou não apenas sua formação em todos os seus estágios, como sua carreira docente, iniciada em 1964. A vivência no tempo da consolidação da chamada Escola Paulista de Sociologia e o aprendizado com mestres como Florestam Fernandes e Octavio Ianni, em momento crítico e desafiador da realidade brasileira, ofereceram fundamentos amplos e preciosos à sua trajetória acadêmica e científica. Em busca de temas, problemas e interesses de pesquisa, vale apontar sinteticamente para os seguintes trabalhos desenvolvidos.
A dissertação de mestrado A política do petróleo no Brasil (1920-1954), defendida em 1967 e publicada com o título de Petróleo e Nacionalismo ([1968] -2017), foi elaborada quando Cohn já havia ingressado na carreira docente e integrava o corpo de pesquisadores do CESIT – Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho, liderado por Florestan Fernandes e Fernando Henrique Cardoso. Como parte desse grande projeto de estudo das peculiaridades do desenvolvimento no país, o estudo revelou as origens, agentes e principais dinâmicas das iniciativas estatais para a política do petróleo, iluminando objeto até então pouco analisado e que veio, logo a seguir, a ocupar lugar de destaque na realidade brasileira.
Em Sociologia da Comunicação. Teoria e ideologia ([1973] -2014), livro originado na tese de doutorado Cultura e comunicação de massa (1971), mantem a atitude de enfrentamento de um problema daquele momento – emergência e consolidação dos meios de comunicação de massa – ampliando sua perspectiva de análise que passa a contemplar, então de maneira decisiva, o trabalho com a teoria social. A investigação originada de sugestão recebida de Octavio Ianni, seu grande mestre, revelou fina pesquisa em bibliografia notadamente estrangeira, com destaque para aquela de língua alemã. Nesse trajeto, consolida-se a aproximação do autor com os teóricos da Teoria Crítica da Sociedade sobretudo com a obra de Theodor Adorno, autores que registravam naquela altura sua primeira recepção no Brasil. Tais atividades de Gabriel na área de Sociologia da Comunicação abriram também espaço inédito no âmbito da pós-graduação em Sociologia a um conjunto de trabalhos, por ele orientados, com foco no jornalismo, publicidade, música gravada e música popular.
Do trabalho com a bibliografia sobre sociologia da comunicação surge outro tipo de contribuição do sociólogo que se expande para outras áreas: a de organizador/editor/tradutor de coletâneas temáticas ou autorais que marcaram época. Os volumes se constituíam, em geral, de textos inéditos em português que chegavam ao leitor brasileiro acompanhados de ensaios escritos por Cohn, que informaram, em grande medida, a recepção inicial e o debate de tais ideias entre nós. São eles: Comunicação e indústria cultural (1971), Sociologia – para ler os clássicos (1977), e os volumes com textos de Max Weber (1979) e de Theodor Adorno (1986) da coleção Grandes Cientistas Sociais, lançados pela Editora Ática.
O caminho estava bem sedimentado para a produção de sua grande obra, concebida como tese de livre-docência (1977) e publicada com o título de Crítica e resignação. Fundamentos da sociologia de Max Weber ([1979]-2003). O estudo tem sido considerado como um dos mais sofisticados exemplares da teoria sociológica brasileira. O modo como a pesquisa busca as recônditas razões do objeto, a arguta análise que se expressa em escrita clara mesmo na mais intricada matéria, se consolidam como elemento distintivo da produção teórica de Cohn. Importante também notar a presença da inspiração em preceitos metodológicos de teóricos da Teoria Crítica notadamente T. Adorno, quando propõe e realiza a análise imanente da sociologia weberiana, especialmente de sua teoria da ação social.
Em 1987, transferiu-se do Departamento de Sociologia para o de Ciência Política, ampliando sua pauta de temas e referências que passou a incluir, de maneira mais sistemática, autores como Habermas, Arendt e Rawls, para citar alguns. Por outro lado, deu sequência à publicação de ensaios sobre teoria sociológica com foco em Luhmann, Simmel, Wright Mills sem, no entanto, desviar sua atenção de Weber, Adorno e Adorno e Horkheimer. Tem publicado artigos em jornais como Folha de S. Paulo, onde trabalhou no período da graduação, O Estado de São Paulo, Valor Econômico, dentre outros. De 1991 a 2003, foi editor da Lua Nova. Revista de Cultura e Política, publicada pelo CEDEC – Centro de Estudos de Cultura Contemporânea. Seus editoriais eram uma atração à parte.
Em termos do exercício institucional e de gestão, presidiu as seguintes entidades: Associação dos Sociólogos do Estado de São Paulo (1983-1985), Sociedade Brasileira de Sociologia (1985-1987) e Associação de Pós Graduação em Ciências Sociais (2005-2006); de 2006 a 2008 foi diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas – USP. Pelo conjunto de sua contribuição, recebeu o título de Professor Emérito em 2011, da mesma FFLCH. Aposentou-se em 2008.
Em 2016, Gabriel Cohn publica o primeiro volume de Weber, Frankfurt. Teoria e pensamento social, conjunto de ensaios entre inéditos e já publicados em diferentes momentos de sua trajetória. O “complexo temático” do livro abrange a tríade civilização, cultura, ideologia, presente em problemas e autores direta ou indiretamente atuantes na intrincada trama que envolve Weber, Frankfurt. Em 2020 publica “Weber, Adorno e o curso do mundo”, em que o diálogo-confronto entre os dois autores alcança complexidade e sofisticação ímpares. Em seu conjunto, suas obras reinventam o compromisso, proposto por Adorno e sempre reiterado sobre a importância de seguir pensando, resistir e continuar pensando.
Sugestões de obras do autor:
COHN, Gabriel. Petróleo e nacionalismo. São Paulo, Editora da UNIFESP, 2017, 2a. Edição, 1968.
COHN, Gabriel.(Org.) Comunicação e indústria cultural. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1971.
COHN, Gabriel. Sociologia da comunicação. Teoria e ideologia. Petrópolis, Editora Vozes, 2014, 2a. Edição, 1973.
COHN, Gabriel. (Org.) Sociologia – para ler os clássicos. Rio de Janeiro, Azougue Editorial, 2005, 2a. Edição, 1977.
COHN, Gabriel. Crítica e resignação. Fundamentos da sociologia de Max Weber. São Paulo, Editora Martins Fontes, 2003, 2a. Edição, 1979.
COHN, Gabriel.(Org.) Max Weber. São Paulo, Editora Ática, Coleção Grandes Cientistas Sociais, 1979.
COHN, Gabriel.(Org.) Theodor W. Adorno. São Paulo, Editora Ática, Coleção Grandes Cientistas Sociais, 1986.
COHN, Gabriel. Weber, Frankfurt. Teoria e pensamento social. Rio de Janeiro, Azougue Editorial, 2016.
COHN, Gabriel. Weber, Adorno e o curso do mundo. Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro, v. 10, n. 02: 395-422, Maio – Agosto de 2020.
Sobre o autor:
AVRITZER, Leonardo. Leituras críticas sobre Gabriel Cohn. Belo Horizonte, Editora da UFMG. São Paulo, Editora Fundação Perseu Abramo, 2013. Coleção Intelectuais do Brasil.
BASTOS, Elide, R., ABRUCIO, Fernando, LOUREIRO, Maria R., REGO, José M. “Gabriel Cohn”. Conversas com sociólogos brasileiros. São Paulo, editora 34, 2006.
BRITO, Leonardo O. B. Gabriel Cohn e a Escola Paulista de Sociologia. Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro, v. 10, n. 02: 467-492, Maio – Agosto de 2020.
COHN, Gabriel. Gabriel Cohn (depoimento, 2013). Rio de Janeiro, CPDOC/Fundação Getulio Vargas (FGV), (2h 39min).
Musse, Ricardo, & Klein, Stefan (2018). Um olhar sobre a teoria crítica no Brasil: entrevista com Gabriel Cohn. Tempo Social, 30(3), 289-300.
PESSANHA, Elina. Tempo, movimento e teoria social: Gabriel Cohn, um voo solo a partir de São Paulo. Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro, v. 10, n. 02: 377-391, Maio – Agosto de 2020.
TORRE. Bruna D. “Abra-te Sésamo”: A teoria crítica de Gabriel Cohn. Sociologia e Antropologia. Rio de Janeiro, v. 10, n. 02: 449-465, Maio – Agosto de 2020.
WAIZBORT, Leopoldo (org.) [1998] A ousadia crítica. Ensaios para Gabriel Cohn. Rio de Janeiro, Beco do Azougue, 2008.