Por Elide Rugai Bastos (UNICAMP)
Biblioteca Virtual do Pensamento Social
Nascido em São Paulo em 1920, Florestan Fernandes realizou estudos básicos em curso de madureza, atualmente denominado supletivo, a partir dos 17 anos. Bacharel e licenciado em Ciências Sociais pela USP, 1944; mestre em Antropologia, 1947; doutor em Sociologia,1951; livre-docente em Sociologia, 1953; catedrático de Sociologia I, na USP, 1964; foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5 em 1969. Atuou como professor nas Universidades de Columbia, de Toronto, de Yale, Católica de São Paulo. Em 1986 foi eleito pelo Partido dos Trabalhadores deputado federal integrando, durante o processo constituinte, as comissões de educação e cultura, ciência e tecnologia, e comunicação. Elegeu-se novamente deputado federal em 1990. Faleceu em São Paulo em 1995.
Sua obra sociológica, principalmente voltada à compreensão da sociedade brasileira, abrange um largo arco temático e um amplo período histórico. Este, que percorre desde o período colonial até as últimas décadas do século XX, abriga estudos sobre folclore, análises etnográficas, pesquisas sobre as relações entre negros e brancos, reflexões sobre a revolução burguesa, debates sobre desenvolvimento e dependência, busca de explicações sobre a assimetria das relações, diagnósticos sobre as mudanças sociais. Temas e momentos históricos diversos encontram referência em uma questão central: como e por que o dinamismo do capitalismo brasileiro comporta alta taxa de pobreza, exclusão e tão diferentes condições de existência social atingindo várias camadas da população? Note-se que a questão não se refere somente à distribuição da renda interna, mas compreende as consequências desse problema nas esferas social, política e cultural. Assim, a pergunta compreende, também, a busca das razões sobre a economia brasileira ter seu centro definido externamente; ainda, buscar quais processos explicam as disparidades regionais.
Para realizar essa tarefa propõe-se a pensar simultaneamente o macro e o microcosmos sociais o que é uma posição teórico-metodológica que não só caracteriza a interpretação de Florestan Fernandes mas também marca uma tradição de estudos sociológicos que se desenvolveu a partir dele. Associar macro e micro análise, a estrutura social e a ação, constitui uma proposta clássica. Trata-se do estabelecimento da relação entre o todo e as partes, mas que no caso brasileiro Florestan Fernandes concretizou numa forma diferenciada de analisar a sociedade brasileira. No Brasil se produz uma relação inseparável entre opostos – arcaísmo e modernidade, riqueza e pobreza, centro e periferia – que embora se oponham encontram unidade explicativa na totalidade do sistema e operam como estratégia de reprodução do mesmo. Dessa ambiguidade resulta não estarem as relações sociais apoiadas em princípios democráticos, mas remeterem a formas originárias do período escravocrata. O livro A integração do negro na sociedade de classes (1965) analisa empiricamente essa condição e explicita os efeitos da situação. De modo mais amplo A revolução burguesa no Brasil (1974) mostra a incompletude do processo democrático.
Essa unidade de opostos – explicação que recusa a existência de dois brasis, um modismo linguístico com lamentáveis consequências no início dos anos 1960 – produz uma tensão básica na formação brasileira e é apresentada por Florestan Fernandes como um dilema que se coloca à organização social, à política e ao pensamento brasileiros. Figura ao modo de um circuito fechado que ameaça paralisar a mudança, porém se trata de uma equação metafórica, de uma situação limite que não se realiza plenamente. Assim, é necessário visualizar simultaneamente estrutura e agência. Para tanto o autor instrumentaliza um método que opera principalmente em duas direções. Primeiramente, considerando o legado do passado e o campo de forças em ação no presente, o que abre várias alternativas para o encaminhamento de solução aos dilemas. De outro, mostrando que centro e periferia, ou centro e margem, não podem ser vistos como lócus estáticos, mas como manifestações dinâmicas de um conjunto social. São campos entrelaçados de atuação.
Embora a temática de Florestan Fernandes o leve a explorar vários aspectos dos processos sociais, seu interesse primordial é o de mudanças sociais, expressão que prefere utilizar no plural. Sem essencializar a periferia, Florestan confere um peso importante às margens nas transformações da sociedade, uma vez que nelas geram-se muitas das reivindicações que lhes permitem constituírem-se em espaço de enunciação de questões sociopolíticas e sociologicamente relevantes. Ilustrando, entre estas, a exposição sobre a desigualdade de condições de competição entre brancos e negros na sociedade brasileira levanta possibilidades de ampla reflexão sobre a efetiva participação democrática no Brasil.
Sugestões de leitura sobre o autor
ARRUDA, Maria Arminda do Nascimento. Metrópole e cultura. São Paulo no meio século XX. Bauru, SO: Edusc, 2001.
BRASIL JR., Antonio. Passagens para a teoria sociológica. Florestan Fernandes e Gino Germani. São Paulo: Hucitec, 2013.
CONH, Gabriel. A margem e o centro. Travessias de Florestan Fernandes. In: Sinais Sociais, v.10, n.28, Rio de Janeiro:Sesc, 2015.
IANNI, Octavio. (org.) Florestan Fernandes. São Paulo: Ática, 1986.