Fernando Azevedo

Por Mariana Siracusa (PPCIS-UERJ)

Um intelectual público na luta pela educação

Fernando de Azevedo nasceu em 2 de abril de 1894 em São Gonçalo do Sapucaí, pequena cidade localizada no sul de Minas Gerais. Passou o início da infância na cidade de Cambuquira, também em Minas Gerais, e aos oito anos foi enviado ao Colégio Anchieta, no interior do Rio de Janeiro, onde teve uma formação rígida sob preceitos jesuítas. Após a conclusão dos estudos ingressou no noviciado mineiro da Companhia de Jesus, onde estudou Filosofia, Literatura grega e latina, análise matemática, poética e eloquência. Após cinco anos de indecisão quanto a sua vocação, abandona a Companhia de Jesus e muda-se para Belo Horizonte, iniciando sua experiência na docência como professor de latim e de psicologia no ginásio da cidade em 1916. O contato com as precárias condições de ensino no ginásio fez com que Fernando de Azevedo enviasse um projeto de lei para alterar o ensino em Belo Horizonte. Foi a gênese da sua vocação como educador e reformador da educação.
Em 1917 muda-se para São Paulo para estudar Direito na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco em São Paulo, mas não abandona sua inclinação para docência. Em 1920 ingressa na Escola Normal da capital paulista como professor de Latim e Literatura. Data da mesma época sua inserção no jornalismo, como crítico de literatura e ensaísta primeiro, no Correio Paulistano, e depois, de O Estado de São Paulo, onde realizou, em 1926, duas pesquisas relevantes: uma sobre a arquitetura colonial e outra sobre a instrução pública, esta última um embrião das suas ideias sobre um novo modelo educacional no país. No mesmo ano foi nomeado pelo Presidente Washington Luiz, Diretor-Geral da Instrução Pública do Distrito Federal, assumindo o cargo em 1927[1] e lá permanecendo até 1930. Durante sua gestão, Fernando de Azevedo foi responsável pela formulação de uma grande reforma educacional, promulgada como lei em 1928. A reforma previa uma reestruturação da educação, com foco no ensino normal e na formação de professores, o que incluiu a construção de novas escolas como o Instituto de Educação (antiga Escola Normal).

De volta a São Paulo, em 1930, Azevedo retornou sua atuação como jornalista e professor, dando aulas de Sociologia na Escola Normal em São Paulo. No ano seguinte funda a Biblioteca Pedagógica Brasileira (BPB) iniciada na Companhia Editora Nacional, sendo responsável pelas séries Iniciação Científica e Coleção Brasiliana, ambas lançadas em 1931.

Em 1932 é nomeado Diretor-geral da Instrução Pública de São Paulo. No mesmo ano houve o lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, intitulado “A reconstrução educacional no Brasil – ao povo e ao governo”, do qual Fernando de Azevedo foi redator e primeiro signatário. O documento simbolizava a ideia de um conjunto de intelectuais sobre o papel da educação na construção de um Estado moderno, que caminhava rumo à civilização. Nesse contexto, a educação é compreendida como um direito dos cidadãos que o Estado deve atender, de forma igualitária, através de uma escola pública, laica, obrigatória e gratuita. Esses preceitos sinalizam o movimento da corrente liberal, da qual Fernando de Azevedo fazia parte, na concepção de uma educação entendida como elemento redutor das desigualdades sociais e fonte de mobilidade social.

Além da inserção na esfera pública, Fernando de Azevedo tem uma longa história na Universidade de São Paulo, onde permaneceu desde a criação, em 1934, até a aposentadoria, em 1961, em vários cargos na docência e na administração. Azevedo participou ativamente da sua criação em 1934, redigindo o anteprojeto; foi professor catedrático do departamento de Sociologia e Antropologia, responsável pela Cadeira de Sociologia II (1943-1963) após a saída de Roger Bastide, tendo como um de seus assistentes Florestan Fernandes entre 1944 até 1954, quando este assumiu a Cadeira de Sociologia I. Ainda na USP, dirigiu o Departamento de Educação. Os dois departamentos, de Sociologia e Antropologia e o de Educação eram ligados à Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), onde foi diretor em 1941. A atuação no processo de criação da USP está intimamente associada aos preceitos do Manifesto dos Pioneiros da Educação. Instituída a partir da junção de faculdades já existentes, o projeto de criação da USP previa a criação de duas novas unidades: a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e o Instituto de Educação, surgido a partir da elevação da Escola Normal Caetano Campos, onde Azevedo atuou como professor, como instituição de ensino superior universitário. Pela primeira vez no Brasil houve a integração de uma escola de formação de professores à universidade. A experiência, entretanto, foi interrompida em 1938, quando o Instituto de Educação foi desligado da USP, já no Estado Novo, no contexto de disputa entre liberais e católicos sobre o papel do Estado na educação, com vitória dos católicos.

Ao longo dos anos de 1940 e 1960 assumiu outros cargos de destaque como o envolvimento na Sociedade Brasileira de Sociologia da qual foi um dos organizadores e primeiro presidente (1937-1954)[2]; a presidência da Associação Brasileira de Educação (1938); a Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (1945); a vice presidência da International Sociological Association (1950-1953); a direção do Centro Regional de Pesquisas Educacionais em São Paulo (1956), criado a partir do convênio entre a FFCL e o MEC com objetivo de elaborar pesquisas sobre a educação brasileira com ênfase na formação de professores e no ensino básico. Foi ainda membro da Academia Brasileira de Letras em 1967, onde foi o terceiro ocupante da cadeira 14 e membro da Academia Paulista de Letras em 1969.

Na década de 1960 teve participação ativa na elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1961 e da Reforma Universitária em 1968 e já no contexto da ditadura militar se posicionou em defesa da educação e redigiu, em 1965, um documento no qual se manifesta contrário à prisão dos professores da USP Mario Schenberg, Fernando Henrique Cardoso e Florestan Fernandes, bem como a perseguição intelectual e política sofrida por eles.

Sua vasta produção intelectual inclui a publicação de diversos artigos, ensaios e cerca de 25 livros, dentre os quais merecem destaque: Princípios de Sociologia (1935), Sociologia Educacional (1940), a Educação na encruzilhada (1937) e a Cultura Brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil (1943), escrita para ser uma introdução do Recenseamento de 1940, a partir de encomenda do presidente Getúlio Vargas.
Fernando de Azevedo foi um intelectual público, que soube como poucos mesclar vida acadêmica e política, com inserção em espaços de poder; teoria e ação política expressas nas reformas educacionais que encampou. Foi exímio defensor de um projeto nacional democrático sintetizado na defesa de uma educação universal, laica, gratuita, obrigatória e pública, que possibilitasse condições iguais de competição. Nessa perspectiva, para o educador, a defesa de uma educação de qualidade passa fundamentalmente pela formação de professores de excelência, universitária e de nível superior, mas feita de forma articulada com os outros níveis de ensino. Os professores são motores das transformações dos processos educacionais e responsáveis, em última análise, pelo seu sucesso de forma mais eficaz. Um homem de ideias

Sugestões de obras do autor

Princípios de sociologia: pequena introdução ao estudo de sociologia geral. 8 ed., São Paulo: Edições Melhoramentos, 1958. [1935]
A educação na encruzilhada: problemas e discussões. Inquérito para O Estado de S. Paulo em 1926. 2 ed., Edições Melhoramentos, 1960. [1937]

Sociologia educacional: introdução ao estudo dos fenômenos educacionais e de suas relações com os outros fenômenos sociais. Biblioteca Pedagógica Brasileira. Iniciação Científica. Série 4ª, v. 19. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1940.

A cultura brasileira: introdução ao estudo da cultura no Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Comissão Censitária Nacional, 1943

História de minha vida. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1971.

Sobre o autor

PILETTI, Nelson. Fernando de Azevedo: a educação como desafio. In: Prêmio Grandes Educadores Brasileiros: Monografias Premiadas 1985 [S.l: s.n.], 1986.

PENNA, Maria Luiza. Fernando de Azevedo. Recife: Fundação Joaquim Nabuco, Editora Massangana, 2010. 162 p. (Coleção Educadores)


[1] XAVIER, Libânia Nacif; FREIRE, Américo. Educação e política na reforma da instrução pública do Distrito Federal (1927-1930). In: Congresso Brasileiro de História da Educação. 2002

[2] Há uma imprecisão quanto as datas em que Fernando de Azevedo estive a frente da SBS. O site da indica sua permanência entre 1937 a 1954; em outras fontes é possível encontrar a indicação da sua permanência entre 1935 a 1960. Ainda no site da SBS há a indicação de uma sobreposição na presidência da instituição, ocupada simultaneamente por Fernando de Azevedo e Florestan Fernandes entre 1940 e 1954.