Por Fabrício Neves (UnB)
Fernanda Antônia da Fonseca Sobral é professora emérita da Universidade de Brasília, título concedido em 2021, e vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Fernanda em toda a sua trajetória assumiu posições acadêmicas de prestígio e destaque, além de desenvolver abordagens inovadoras para diversas áreas das ciências sociais, em especifico, sociologia da educação e da ciência, sociologia do conhecimento e política científica e tecnológica. Essa trajetória no Brasil é digna de mais destaque porque, como se sabe, não é fácil carreira de pesquisa para mulheres cientistas.
Fernanda cursou sua graduação em ciências sociais na Universidade Federal da Bahia e, ao obter o título em 1971, rumou para Brasília, onde terminou sua formação em sociologia, tendo ainda um estágio pós-doutoral realizado na École des Hautes Études en Sciences Sociales (1990 – 1991), na França. Sua dissertação, foi publicada em livro “Educação e mudança social: uma tentativa de crítica” (1981), é uma crítica pioneira dos estudos sobre educação de matriz funcionalista ideologicamente orientados para a normatização das desigualdades. O estudo constata que as abordagens sobre a educação desde a década de 50 são “legitimadoras do sistema educacional que, por sua vez, é um aparelho ideológico do estado, isto é, funciona como um mecanismo de reprodução das relações sociais de produção (a estrutura de classes) e das relações técnicas de produção (na esfera do trabalho)” (Sobral, 1981, p. 11). Nesse estudo, vislumbramos a articulação de alguns temas que serão caros à sua trajetória, como dependência técnico-científica, educação e ideologia e políticas educacionais.
Conclui seu mestrado em 1976 e em 1978 ingressa como professora da Universidade de Brasília. É nessa universidade que inicia em 1984 seu doutorado, concluído em 1988 com o título “Ciência, Tecnologia e Poder: os interesses sociais na pesquisa”. Nesse trabalho, seu foco estava na ideia de “interesses sociais” que participavam da pesquisa biomédica e agronômica no Brasil. Diga-se de passagem, a pesquisa sobre “interesses” na sociologia da ciência era ainda inicial no Brasil. Nesse trabalho, ciência e tecnologia são tratadas como forças produtivas, como dominação política e como ideologia, performando aí os interesses que atravessavam as pesquisas. Pode-se dizer que a autora mantém seu pé na teoria crítica que caracterizou seus primeiros trabalhos, e que agora destacava com mais nuances suas leituras de Marx, Marcuse e Habermas.
Uma inflexão temática pode ser observada na carreira da autora a partir de fins da década de 1980, como disse a própria autora, “com o tempo, fui evoluindo no sentido de analisar as condições cognitivas e socio institucionais da produção do conhecimento e não apenas os determinantes sociais” (SOBRAL, 2016). Lembremos que nesse período, transformações políticas impuseram à base tecnocientífica consolidada havia 4 décadas mudanças profundas que tinham a ver com o esgotamento dos recursos e com mudanças nas políticas de substituição de importações, cujos eixos eram, entre outros, o desenvolvimento científico e tecnológico. Uma obra organizada com Ana Maria Fernandes, “Colapso da Ciência & tecnologia no Brasil” (1994) sintetiza os novos caminhos intelectuais e políticos que Fernanda tomaria. Em seu artigo no mesmo livro, junto com Michelangelo Trigueiro, constata limitações da base técnico-científica em função das crises que década passada e propõem o que chamarão de “modelo misto de desenvolvimento científico e tecnológico” (SOBRAL, TRIGUEIRO, 1994, p. 95), articulando nas análises interesses científicos com demanda de mercado.
Em certo sentido, essa inflexão tinha a ver com o reconhecimento da complexificação do processo tecnocientífico do período, caracterizado pelas reformas liberais nas universidades e dos novos modos de fazer ciência, discutidos em suas obras da virada dos anos 2000. É nesse momento que se interessa pelos novos modos de produção do conhecimento e transformações educacionais em período de “revolução científica-tecnológica” (SOBRAL, 2002, p. 17). Seus estudos apontam para a negação dos radicalismos da sociologia da ciência, opondo-se àqueles que tecem análises internalistas ou externalistas exclusivamente, defendendo a pertinência integradora das abordagens (SOBRAL, 2001). Essa integração era o reconhecimento no plano teórico de suas observações empíricas que nos mostravam que a ciência se apresentava naquele momento como um empreendimento que envolvia “vários atores sociais (o governo, as ONG’s, as empresas)” (SOBRAL, 2001, p. 208).
A ciência, tecnologia e educação no Brasil desse período são abordadas por Fernanda Sobral por meio das tendências de abertura a dinâmicas globalizantes, principalmente que relacionavam essas esferas aos interesses de mercado. No caso da educação, em específico às dimensões social e econômica, Sobral (2000) nega tanto a visão puramente utilitarista, que ganhava hegemonia naquele momento, quanto a visão humanista exclusiva. A ideia do modelo misto é usada para pensar o novo modo de produção do conhecimento também em termos mais integradores, contra as tendências de reformas de tipo mercadológicas no período, que avançavam no bojo das novas rodadas globalizantes da educação superior e da pesquisa (SOBRAL, 2000).
De certo modo, a trajetória de Fernanda é uma tentativa de resolver, de um lado, dilemas da sociologia da ciência e do conhecimento no que toca os temas do locus da produção e, de outro, fazer avançar de forma crítica e contemporânea as análises de políticas públicas para ciência, tecnologia e educação. Em ambos os intentos, tentou mais a articulação das tendências exclusivistas que tomar partido em prol de uma ou outra. Suas contribuições assumem uma postura, portanto, contra dualismos e paixões políticas exacerbadas. Essa postura encontra sua forma cognitiva na ideia de modelo misto de desenvolvimento científico e tecnológico que, embora seja um modelo analítico, não esconde a postura ética conciliadora que sua autora sempre expressou em sua atuação institucional e política.
Sugestões de obras da autora:
SOBRAL, Fernanda. Educação e mudança social: uma tentativa de crítica. São Paulo: Cortez editora. 1981.
SOBRAL, Fernanda. Educação, ciência e tecnologia na Contemporaneidade. Pelotas: EDUCAT, 2002.
SOBRAL, Fernanda. Ciência, Tecnologia e Poder. Universidade de Brasília. Tese de doutorado. Ano de obtenção: 1988.
SOBRAL, Fernanda; Trigueiro, Michelângelo. Limites e potencialidades da base técnico-científica.
FERNANDES, Ana; SOBRAL, Fernanda. Colapso da ciência & tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994.
SOBRAL, Fernanda. A economia e a física no Brasil: campos científicos ou transcientíficos?.
SOBRAL, FERNANDA A. DA FONSECA. Educação para a competitividade ou para a cidadania social?. São Paulo em Perspectiva [online]. 2000, v. 14, n. 1 [Acessado 25 Outubro 2021] , pp. 03-11. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-88392000000100002>. Epub 30 Maio 2003. ISSN 1806-9452. https://doi.org/10.1590/S0102-88392000000100002.
SOBRAL, Fernanda. Entre a educação e a ciência: um percurso acadêmico-institucional* Aula inaugural proferida em 27 de abril de 2016. Sociedade e Estado [online]. 2016, v. 31, n. spe [Acessado 25 Outubro 2021] , pp. 969-980. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/s0102-69922016.0spe0006>. ISSN 1980-5462. https://doi.org/10.1590/s0102-69922016.0spe0006.
Sobre a autora:
BAUMGARTEN, Maíra. A era do conhecimento: Matrix ou ágora?. Brasília: Editora UNB, Porto Alegre: Editora UFRGS. 2001.
TORRES, Thaíse. Fernanda Sobral recebe título de Professora Emérita. UNB notícias, 25/08/2021. Acesso em: https://noticias.unb.br/39-homenagem/5166-fernanda-sobral-recebe-titulo-de-professora-emerita.
SOBRAL, Fernanda. Entre a Educação e a Ciência: Um Percurso Acadêmico-Institucional. Sociedade e Estado, v. 31, p. 969, 2016.