Por Frederico Batista Pereira (UNC Charlotte)
Fábio Wanderley Reis nasceu em 27 de dezembro de 1937, na cidade de Peçanha, Minas Gerais. Em 1957, concluiu a graduação no curso de Sociologia e Política e Administração Pública, na Faculdade de Ciências Econômicas (FACE) da Universidade Federal de Minas Gerais (UMFG). Em 1962, ingressou na especialização em Sociologia da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO), junto a nomes importantes das ciências sociais brasileiras, tais como Simon Schwartzman e Antônio Octávio Cintra. Já em 1967, Fábio recebeu uma bolsa de estudos da Fundação Ford para realizar a pós-graduação na Universidade de Harvard, onde, sob a orientação de Samuel Huntington, obteve os títulos de Mestre (em 1970) e Doutor (em 1974) em ciências política.
A trajetória acadêmica de Fábio é marcada por seu protagonismo na institucionalização das ciências sócias – e, mais especificamente, da ciência política – como campo de estudos no Brasil. Em 1966, Fábio ajudou a fundar o Departamento de Ciência Política da UFMG, onde também se instituiu a primeira pós-graduação em ciência política no Brasil. Fábio se tornou professor titular da UFMG em 1981, com a tese Política e Racionalidade: Problemas de teoria e método de uma sociologia crítica da política. Tornou-se professor emérito da mesma instituição em 1997. Para além da UFMG, Fábio foi o presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) entre os anos de 1980 e 1982. Foi pesquisador visitante no Kellog Institute da Universidade de Notre Dame, e também no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) da Universidade de São Paulo (USP).
A enorme contribuição de Fábio para o pensamento político e as ciências sociais no Brasil aparece em múltiplas temáticas, onde se destacam ao menos três eixos principais. Entre os aspectos marcantes da obra do autor está a visão da ciência política como sociologia da política, na qual a desigualdade social e econômica é central para o entendimento da lógica do processo político. Sua tese de doutorado, intitulada Development and Social Class: Brazilian Authoritarianism in Perspective, articula uma profunda discussão conceitual a respeito da noção de desenvolvimento político e seu papel na construção de teorias para explicar o processo democrático em diferentes contextos e momentos históricos. A discussão reaparece com desdobramentos e matizes variados em diversos textos de Fábio publicados ao longo de sua carreira, com textos importantes no livro Mercado e Utopia: Teoria Política e Sociedade Brasileira.
A orientação teórica e conceitual dos escritos sobre desenvolvimento político se conecta de forma clara com outro eixo central da obra de Fábio. O autor defende a centralidade de debates conceituais relativos à teorização sobre racionalidade e comportamento político, visando a conciliar categorias comumente tratadas como antagônicas nas ciências sociais, tais como identidade, interesse e cultura. Tal discussão é aprofundada em Política e Racionalidade: Problemas de teoria e método de uma sociologia crítica da política, sua tese de professor titular na UFMG e livro premiado como melhor obra científica pela ANPOCS. Para além das discussões eminentemente conceituais e abstratas, Fábio também é um dos pioneiros no uso de pesquisas de opinião e métodos quantitativos na ciência política brasileira. Em parceria com Bolivar Lamounier, Olavo Brasil de Lima Júnior e Hélgio Trindade, Fábio conduziu pesquisas de opinião visando a compreender a lógica do processo eleitoral brasileiro durante o regime militar. Em 1978, o grupo publicou o livro Os Partidos e o Regime: A Lógica do Processo Eleitoral Brasileiro, que até os dias atuais serve de referência em debates acadêmicos sobre comportamento eleitoral no Brasil. Fábio também liderou outros projetos envolvendo pesquisas de opinião ao longo das décadas seguintes, publicando trabalhos centrais no estudo da opinião pública brasileira, principalmente em parceria com Mônica Mata Machado de Castro.
Outro eixo central da obra de Fábio tem a ver com a epistemologia e a metodologia das ciências sociais, sobretudo na defesa de que o rigor teórico e conceitual não pode prescindir de disposição metodológica clara e rigorosa. Como parte de um grupo de estudiosos treinado na FLACSO, e sob influência do sociólogo Johan Galtung, Fábio se opôs à tradição então dominante nas ciências sociais brasileiras de rejeição à quantificação como técnica de análise de dados. Em diversos textos e apresentações, Fábio defendeu a viabilidade de se submeter proposições sociológicas à lógica da prova, sem que se necessariamente abdique do rigor teórico e conceitual central às ciências sociais. Embora tenha encontrado resistência ao longo do tempo, tal perspectiva é hoje amplamente aceita nos campos da sociologia e da ciência política no Brasil.
O reconhecimento das contribuições de Fábio, que vão além dos esforços de construção institucional e da vasta obra intelectual modestamente resumida acima, se ilustra em várias honras recebidas pelo autor, como a da Grã-Cruz da Ordem do Mérito Científico (Presidência da República), e a da Grande Medalha da Inconfidência (Governo de Minas), entre outras. Além do reconhecimento formal, Fábio influenciou gerações de cientistas sociais como intelectual, líder, professor e mentor. Fábio segue inspirando ideias e inquietações por meio de sua obra, enquanto molda carreiras por meio de seu legado institucional.
Sugestões de obras do autor:
REIS, Fábio Wanderley; LAMOUNIER, Bolivar; LIMA JR., Olavo Brasil; TRINDADE, Hélgio (orgs.). Os Partidos e o Regime: a lógica do processo eleitoral brasileiro. São Paulo: Edições Símbolo. 1978.
REIS, Fábio Wanderley. Mercado e Utopia: Teoria Política e Sociedade Brasileira. São Paulo: Edusp. 2000.
REIS, Fábio W. Política e Racionalidade: problemas de teoria e método de uma sociologia crítica da política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.
REIS, Fábio Wanderley; CASTRO, Mônica Mata Machado. “Regiões, classe e ideologia no processo eleitoral brasileiro.” Lua Nova: Revista de Cultura e Política 26: 81-131.1992.
REIS, Fábio Wanderley; CASTRO, Mônica Mata Machado. “Democracia, civismo e cinismo. Um estudo empírico sobre normas e racionalidade.” Revista Brasileira de Ciências Sociais 16: 25-46. 2001.
Sobre o autor:
Entrevista com Fábio Wanderley Reis (08/06/2015). FGV-CPDOC – Memórias das Ciências Sociais no Brasil.