Por Sérgio Adorno (NEV-USP)
Eva Alterman Blay nasceu em São Paulo em1937, filha de imigrantes poloneses. Interessada, desde adolescente, em questões sociais, ouviu dizer por intermédio de uma colega que estudava na antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP que lá se fazia pesquisa (Blay, 2019b). Embora não soubesse bem do que se tratava essa palavra mágica – conforme revela em suas memórias – decidiu participar do vestibular em Ciências Sociais, estimulada ainda mais por um livro que lhe fora presenteado por sua professora de História no curso Clássico do Colégio Estadual Presidente Roosevelt. Tratava-se de Introdução à Sociologia de Armand Cuvillier.
Foi assim que o fio da meada começou a se desenrolar e deu origem a uma das mais profícuas e longas trajetórias acadêmicas no campo da sociologia brasileira cujos momentos de maior destaque estão enfeixados em suas titulações acadêmicas: Graduação em Ciências Sociais (1959) seguida de um curso de Especialização; Mestrado (1969), Doutorado em Sociologia (1973), Livre-Docência (1982), Pós-Doutorado na École des Hautes Études em Sciences Sociales (Paris, França, 1984-1985), Professora Titular, Professora Emérita da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH/USP). Recebeu inúmeras homenagens, entre as quais da Sociedade Brasileira de Sociologia na edição do 20º. Congresso (2021), cujo 2° Congresso Brasileiro, ocorrido em Belo Horizonte (1962) lembra de ter participado. Recebeu igualmente homenagens do Conselho Estadual da Condição Feminina (SP) como uma das Fundadoras da Delegacia de Defesa da Mulher (1995), assim como o Prêmio Mulheres do Milênio (2000), Mulheres de Destaque: Brasil 500 Anos (1999) e Prêmio Direitos Humanos da USP (2019).
Em suas memórias, ela relata como teve início seu entusiasmo pela pesquisa empírica. Participou de investigações que marcaram a história da sociologia paulista. Assistiu Maria Sylvia de Carvalho Franco fazendo levantamentos em empoeirados cartórios de Cunha. Acompanhou Juarez Rubens Brandão Lopes e Carolina Martucelli Bori em Cataguazes em pesquisas sobre as condições de vida dos operários das tecelagens locais. No bairro da Penha, no município de São Paulo, realizou pesquisas de campo para Bertrand Hutchinson. Desde essa época, começou a se sensibilizar para com as singularidades da vida operária das mulheres nas oficinas. E tudo isso ainda durante o curso de graduação, sem descuidar é certo da formação teórica e conceitual sob a égide de inesquecíveis docentes entre os quais Florestan Fernandes, Fernando Azevedo, Azis Simão, Ruy Galvão de Andrada Coelho e Maria Isaura Pereira de Queiroz.
Desde essas primeiras experiências, Eva não mais interrompeu copiosa sequência de investigações empíricas, cujas questões e objetos alcançam temas tais como: relações sociais de gênero, trabalho, sexualidade, democracia, identidade, juventude, participação política, relações internacionais, violência, direitos humanos, justiça, habitação popular, imigração judaica, planejamento urbano.
Sua obra é extensa. Pesquisadora Senior do CNPq, é autora de 45 artigos completos em periódicos qualificados, 25 livros, 36 capítulos de livros, no Brasil e no exterior, a par de intensa atividade de divulgação de conhecimento sociológico para públicos acadêmicos e não-acadêmicos. Entre seus livros, destacam-se Trabalho Domesticado (1978), resultado de sua tese de doutorado; Eu não tenho onde morar – vilas operárias na cidade de São Paul (1985), originalmente apresentado como parte do concurso de Livre-Docência na FFLCH/USP; Mulheres na USP, horizontes que se abrem (2004); Assassinato de Mulheres e Direitos Humanos (2008); O Brasil como destino – A imigração judaica contemporânea em São Paulo (2013). Organizou e colaborou na obra coletiva Gênero e Feminismos – Argentina, Brasil e Chile em transformação (2019).
É reconhecida como pioneira nas linhas de pesquisa às quais se dedicou, em especial no campo de estudos feministas. Antes de tudo, ao menos por algumas razões: primeiramente, por ter introduzido questões de gênero na grade dos currículos de graduação em ciências sociais e de pós-graduação em sociologia; por ter contribuído para a formulação de uma agenda própria ao campo; por ter se responsabilizado pela formação de novos e novas pesquisadoras; por lutar pela constituição de espaços institucionais de diálogo e debates acadêmicos nos principais fóruns acadêmicos no Brasil e no exterior; e por ter participando da criação de grupos de estudos como o Centro de Estudos Rurais e Urbanos (CERU/USP) e o Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher (NEMGE/USP) bem como membro de associações científicas nacionais e internacionais, como consultora do Grupo de Investigação Mulheres, Cultura, Ciência, Letras e Artes – MCCLA, da Cátedra Infante Dom Henrique de Estudos Insulares, Atlânticos e a Globalização.
Em todas essas ações e iniciativas sempre imprimiu olhar e perspectivas feministas. Sua obra e seu nome são referências bibliográficas indiscutíveis, uma liderança acadêmica construída por força de um verdadeiro programa de investigação que documentou profundas transformações, impasses, heranças do passado patrimonialista que ainda demarcam hierarquias entre gêneros, assim como conquistas na condição de vida das mulheres. Consequência dessa ousadia foi ter sido capaz de romper o mainstream dominante na agenda de questões sociais até há pouco consideradas relevantes e estratégicas para compreender a natureza e os problemas que afetam o desenvolvimento social e a consolidação democrática na sociedade brasileira. Falar em desenvolvimento social e democracia não pode prescindir da fala, do lugar e das singularidades da condição feminina nesta sociedade.
Em suas memórias, Eva ainda faz menção carinhosa à sua pesquisa sobre imigração judaica que atravessou 20 anos de sua vida. Buscando suas raízes, debruçou-se sobre a história de seus pais e da rede de relações que foi se constituindo no entorno da família. Como ela diz, uma história difícil de ser recuperada. Há hesitações e silêncios que precisam ser respeitados porque suscitam traumas vividos. Por isso, foi preciso invenção metodológica para auscultar a vida dos velhos, surpreender-lhes suas dores e sofrimentos, mas também as alegrias subjacentes ao reconhecimento de terem participado a seu modo da construção de um pedaço do Brasil. Os resultados desta longa investigação resultaram em um de seus mais queridos livros, O Brasil como destino.
Ainda estudante de graduação, aliou suas atividades de pesquisa à atuação política e de intervenção no debate público e político. Foi Presidente do Conselho Estadual da Condição Feminina (1983-1985), Senadora da República (1992-95), International Adviser for the Advancement of Women (Vienna UM Office), oportunidade em que atuou nas políticas de desenvolvimento para a mulher, visitando países como Bolívia, Turquia e Tunísia. Na condição de Assessora Sênior do Reitor da USP coordenou o USP/Mulheres da ONU.
Sugestões de obras da autora:
Blay, Eva. Trabalho domesticado. A mulher na indústria paulista. São Paulo: Ática, 1978, Col. Ensaios 35.
Blay. Eva. Eu não tenho onde morar. Vilas operárias na cidade de São Paulo. São Paulo: Nobel, 1985.
Blay, Eva. Mulheres na USP. Horizontes que se abrem. São Paulo: Humanitas, 2004.
Blay, Eva. Assassinato de mulheres e direitos humanos. São Paulo: Editora 34, 2008.
Blay, Eva. O Brasil como destino. A imigração judaica contemporânea em São Paulo. São Paulo: UNESP, 2013.
Blay, Eva; Avelar, Lúcia; Rangel, Patrícia Duarte (orgs). Gênero e Feminismos (Argentina, Brasil e Chile em transformação). São Paulo, EDUSP, 2019a.
Blay, Eva. Memorial da Profa. Dra. Eva Blay ao receber o título de professora emérita. PLURAL. Revista do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v.26 1, 2019b, pp. 33-45.