Por Mariana Siracusa (PPCIS-UERJ)
Emílio Willems nasceu em 1905 em Niehl, subúrbio de Colónia, cidade do oeste da Alemanha formada por camponeses, pescadores e trabalhadores assalariados das fábricas. Filho de um médico católico, único na cidade com um diploma universitário, Willems e sua família se distinguiam dos demais moradores da cidade sobretudo pela escolarização e pelo domínio da forma culta do idioma oficial. Sua infância foi marcada por uma educação rígida e autoritária, o que favoreceu sua entrada no Ginásio da cidade, instituição secular voltada exclusivamente para o ensino das letras clássicas no intuito de preservar a tradição medieval. A passagem pelo Ginásio rendeu a Willems seus extensos e profundos conhecimentos de latim, grego e religião.
Em 1924, Emílio iniciou os estudos de Economia na recém criada Universidade de Colônia e dois anos depois mudou-se para Berlim para dar continuidade aos estudos na Universidade da capital alemã. A partir da sua inserção universitária em Berlim ele teve contato com sociólogos alemãs como Alfred Vierkandt, Karl Dunkman e Werner Sombart que, a despeito da ausência da cátedra de Sociologia na Universidade, movimentavam os debates sobre a disciplina. Em 1930, defendeu a tese de doutorado em Sociologia na Universidade de Berlim sob orientação de Alfred Vierkandt.
Em 1931, o contexto político e econômico da Alemanha no entreguerras provocou a mudança de Emilio para o Brasil para lecionar grego e latim em escolas secundárias, possibilidade aberta pelo contato com um conhecido que atuava como professor no Rio Grande do Sul. Sua primeira inserção foi na cidade de Brusque, no interior de Santa Catarina para lecionar em um seminário de padres.
Sua condição de imigrante em Brusque, originalmente uma colônia de imigrantes alemães que ao longo do tempo recebeu imigrantes de diversas nacionalidades, influenciou sobremaneira sua produção intelectual. Ele reagiu com espanto ao primeiro contato com seus compatriotas que expressavam a marca da imigração, da assimilação cultural. A partir dos relatos dos imigrantes publicou em 1934 o primeiro trabalho sobre o Brasil em francês na Revue Internationale de Sociologie, sendo um dos primeiros a se dedicar aos estudos sobre imigrantes no país. A condição de imigrante, que chegou ao Brasil para atuar como professor secundário e viver ‘como um nativo’, sem deixar de ser antropólogo, no seus termos, foi o que distinguiu Willems dos demais professores estrangeiros que vieram ao Brasil para auxiliar na montagem e formulação dos primeiros cursos de Sociologia no país.
Além de Brusque, Willems atuou em escolas secundárias em Jacarezinho, no Paraná e na cidade de São Paulo, onde passou a residir em 1936. A partir da sua participação nos círculos intelectuais da capital paulista, Willems conheceu Fernando de Azevedo que à época era o diretor do Instituto de Educação, curso para professores secundários vinculado à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo. Azevedo incentivou Willems a prestar o concurso para lecionar na USP no Instituto de Educação. Em 1937 Emilio defendeu tese de livre-docência intitulada “Mobilidade e flutuação das profissões no Brasil e o problema educacional” e, em 1939, ocupou a cadeira de sociologia educacional como assistente de Azevedo. O contato com Fernando de Azevedo possibilitou a participação ativa de Emilio Willems na Sociedade Brasileira de Sociologia, recém fundada em 1937. Na época em que Azevedo era o presidente, Willems atuou como primeiro secretário. Em 1939, Willems fundou junto com Romano Barreto a Revista Sociologia, considerado o primeiro periódico dedicado exclusivamente à divulgação de correntes sociológicas e resultados de pesquisas de sociólogos brasileiros, além de ser um instrumento de divulgação das obras estrangeiras no país, sobretudo de intelectuais alemãs.
Na década de 1940, Willems teve grande contribuição para a institucionalização da Sociologia e da Antropologia no Brasil. Em 1941, a convite de Fernando de Azevedo, Willems foi o primeiro docente da disciplina de Antropologia na USP, que passara a ser obrigatória para os cursos de Ciências Sociais, só se convertendo em cadeira sete anos depois; e no mesmo ano foi convidado por Donald Pierson para a Escola Livre de Sociologia e Política para lecionar Antropologia e Sociologia na pós-graduação em Ciências Sociais da instituição, numa rara presença e circulação entre instituições que sintetizavam modelos distintos de institucionalização das Ciências Sociais no país.
Além da inserção na docência, Willems atuou em diversas pesquisas empíricas ao longo da década de 1940 e contribuiu para a divulgação das teorias e conceitos sociológicos, esforço materializado na criação, em 1936, do Dicionário de Etnologia e Sociologia em parceira com Herbert Baldus e do Dicionário de Sociologia em 1950, publicado com Armand Cuvillier. Dentre as pesquisas é possível citar os estudos de comunidade e de uma sociologia rural como “Assimilação e populações marginais no Brasil” publicado em 1940; “Contribuição para uma sociologia da vizinhança” de 1941; “A aculturação dos alemães no Brasil: um estudo antropológico dos imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil” de 1946; Cunha: tradição e transição em uma cultura rural no Brasil de 1947 entre outros trabalhos.
Em 1949 é convidado para lecionar no recém criado Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de Vanderbilt, nos Estados Unidos, país onde permaneceu até sua morte em 1997, atuando em diversas universidades. Apesar de continuar pesquisando o Brasil e a América Latina sua extensa produção em 50 anos nos EUA praticamente não foi traduzida para o português, sendo pouco conhecida dos leitores brasileiros. Entre elas podemos citar: “Followers of the new Faith: Culture Change and the Rise of Protestantism in Brazil and Chile”, publicada em 1967, e Latin American Culture. An anthropological synthesis de 1975, ainda sem tradução e “Buzios Island: a Caiçara community in southern Brazil” elaborada em parceira com Gioconda Mussolini, em 1950, e traduzida para o português em 2003.
A permanência de 50 anos nos EUA, superando o tempo que viveu na Alemanha e no Brasil contribuiu, entre outros elementos, para a associação de Emilio Willems com a antropologia norte-americana. Apesar disso, sua presença no Brasil deixou marcas profundas na constituição da Sociologia e Antropologia brasileiras, nos processos de institucionalização desses campos disciplinares. Através de suas pesquisas com uma ampla diversidade temática é possível perceber o interesse original de Willems na compreensão da cultura em seus próprios termos e significados. É uma referência incontornável nos estudos de comunicação, de assimilação e aculturação, mas sobretudo, do processo de institucionalização das Ciências Sociais no Brasil.
Sugestões de obras do autor:
WILLEMS, Emílio. Assimilação e populações marginais no Brasil. Estudo sociológico dos imigrantes germânicos e seus descendentes. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1940.
Sobre o autor
_______. Cunha. Tradição e transição em uma cultura rural do Brasil. São Paulo, Secretaria da Agricultura, Diretoria de Publicidade Agrícola, 1947.
_______. Latin American Culture. An anthropological synthesis. New York, Harper & Row, 1975.
_______ & BALDUS, Herbert. Dicionário de etnologia e sociologia. São Paulo, Companhia Editora Nacional, 1939.
_______ & MUSSOLINI, Gioconda. Buzios island. A Caiçara community in southern Brazil. New York, J.J. Augustin Publisher, 1952.
Comentadores
ALVES PINTO, Felipe Neri. Antropologia entre três mundos: Emilio Willems e a institucionalização da antropologia brasileira. Dissertação. Universidade Estadual de Campinas. 2020.
BÔAS, Glaucia Villas. De Berlim a Brusque, de São Paulo a Nashville: a sociologia de Emílio Willems entre fronteiras. Tempo social, v. 12, n. 2, p. 171-188, 2000.