Por Márcio Costa (UFRJ)
Elisa Maria da Conceição Pereira Reis, nasceu em Araxá, MG, em 1946, crescendo em Ibiá, uma pequena cidade da região do Triângulo Mineiro. Sua família, composta por fazendeiros, tinha pouca escolaridade, mas seus pais valorizavam a educação, tendo ela frequentado uma escola católica, feminina, como suas três irmãs. No ensino médio, em Uberaba e Belo Horizonte, começou a se interessar por política. Ingressou na UFMG, em 1964, para cursar Sociologia e Política, graduando-se em 1967, aos 20 anos. Era tempo de grande efervescência política e também de florescimento de uma geração importante de cientistas sociais em Belo Horizonte. Flertando inicialmente com a militância política, ela, de fato, não se envolveu muito diretamente, dedicando-se, porém, com enorme afinco ao estudo da ciência política. Posteriormente, juntamente com vários destes cientistas sociais mineiros, Elisa veio para o Rio na fase “heroica” do IUPERJ, um marco nas ciências sociais brasileiras.
Seguindo na cronologia de sua formação, logo após a graduação, passou o ano de 1968 no Chile, estudando no ILADES – Instituto Latino Americano de Doctrina y Estudios Sociales, e em contato próximo com a FLACSO – Facultad Latino-Americana de Ciencias Sociales e com a Escuela Latina, que era a faculdade de economia. Diversos cientistas sociais e economistas brasileiros amargavam um exílio no Chile naquele contexto, participando de um ambiente rico em debates e ideias, especialmente sobre a América Latina, que veio a influenciar posteriormente o desenvolvimento destas áreas no Brasil. A interação com a economia reforçava uma vertente avessa à tradição que relegava a plano bem secundário o tratamento e análise de dados em grande escala. Assim, uma ciência social mais sólida no uso de recursos de investigação empírica foi sendo forjada, já com ecos em Minas Gerais, e Elisa iniciava sua trajetória neste ambiente.
O retorno ao Brasil foi seguido do ingresso, em 1970, no mestrado em Ciência Política no recém criado IUPERJ – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, defendendo dissertação intitulada “Política Cafeeira e Interesses de Classe”. Imediatamente após a rápida conclusão do mestrado, em 1972, o caminho foi o doutoramento, também em Ciência Política, no MIT – Massachussets Institute of Technology, defendendo, em 1980, tese sobre The Agrarian Roots of Conservative Modernization Brasil: 1880-1930. No mestrado e no doutorado, conforme os títulos de seus trabalhos de conclusão indicam, a sociologia política e a mais clássica das áreas de investigação sociológica – o enigma da formação e desenvolvimento da modernidade – estão presentes. No caso brasileiro – e em outros países – a caracterização de uma modernização pelo alto, fruto de uma articulação pouco conflitiva entre classes agrárias e industriais, está na base da explicação de traços autoritários do estado.
Conclui-se, assim, a formação inicial de Elisa Reis e tem início sua carreira como professora e pesquisadora, já no IUPERJ, contando com um corpo docente de grande destaque no panorama das ciências sociais brasileiras. Começa uma carreira que não é fácil resumir, dada a variedade e a riqueza dos temas abordados, mas, sobretudo, devido a muitas experiências institucionais vividas. De maneira geral, pode-se dizer que uma linha condutora desta trajetória seria a sofisticação conceitual, sempre sintonizada com as linhas de frente das ciências sociais internacionais.
Suas primeiras publicações registradas na forma de artigos datam ainda dos anos 70, mas é em meados dos anos 1980 que a produção escrita ganha impulso, guardando inicialmente relação direta com sua temática desenvolvida no doutorado. De 1985 a 1994, em dez anos, portanto, são publicados 15 artigos em periódicos de destaque e 11 capítulos de livros. Duas características podem ser sublinhadas nesta periodização um tanto arbitrária. A primeira é a emergência de uma nova temática, que mergulha na grande reflexão sobre a chamada “crise dos paradigmas” nas ciências sociais. Assim, em paralelo à manutenção do interesse na formação e desenvolvimento do estado brasileiro, sob a ótica dos constrangimentos, interesses e percepções de atores, conforme a tradição weberiana, a questão do fazer sociologia, reflexão conceitual sobre as correntes sociológicas, vai ganhando destaque. Provavelmente, este movimento, expresso pelo então famoso “Novo Movimento Teórico”, de Jeffrey Alexander, guarda afinidade também com a segunda tendência observada: a definitiva internacionalização da carreira de Elisa, que irá resultar em forte destaque adquirido por ela no cenário internacional das ciências sociais. A preocupação em conectar seu trabalho de pesquisa e a reflexão conceitual, metateórica, porém, está permanentemente orientada a levantar questões relevantes para o tempo presente.
É provável que a formação nos EUA, tanto de Elisa quanto de seu entorno acadêmico mais próximo tenha contribuído para uma perspectiva mais cosmopolita, que não aferra seu trabalho a particularidades do Brasil. A reflexão sistemática sobre as teorias sociais, em geral, pode também ter sido fruto desta influência inicial. No decênio iniciado em 1995, são publicados 18 artigos, cinco livros e 16 capítulos de livros. Formada em uma tradição universitária norte-americana, a ênfase da produção escrita está direcionada para papers, artigos de dimensão mais curta, ao invés de livros. Contudo, um marco muito relevante de sua trajetória está na publicação de seu primeiro livro “puro sangue”: Processos e Escolhas, Estudos de Sociologia Política. Trata-se de uma obra composta apenas por artigos da própria autora, ao invés dos demais em que participa como organizadora. Não deixa, porém, de ser uma coletânea, ao invés de um compêndio longo que é geralmente criado com intenções mais pedagógicas, formativas. A trajetória segue contemplando as duas vertentes anteriormente assinaladas, a saber, a reflexão metateórica sobre os dilemas e desafios da sociologia contemporânea à luz de seus clássicos, além de questões da configuração do estado brasileiro ou do estado no mundo ocidental. Entretanto, um novo filão emerge e irá se mostrar muito fecundo: o estudo sobre a desigualdade com o recurso analítico de perscrutar sua percepção entre elites. A partir de um survey em alguns países, incluindo o Brasil, Elisa conecta a forma como diferentes elites encaram o fenômeno da desigualdade social com a mais clássica teoria social caracterizada na sociologia política. Afinal, estas percepções são bastante elucidativas dos rumos que a política e as policies percorrem ou podem percorrer. Não se trata exatamente de uma temática nova, pois a maneira como grupos sociais representam, concebem, criam expectativas é componente chave na tradição esposada pela socióloga. Não coincidentemente, é dela, em 1996, a introdução à edição nacional de Nation Building and Citizenship, de Reinhard Bendix, segundo suas próprias palavras, o autor que mais a influenciou diretamente.
O ano de 1995 marca também outra transição na carreira de Elisa, com sua saída do IUPERJ e do instituto de Medicina Social da UERJ – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, onde também atuou como docente em seu programa de pós-graduação desde 1990. Em 1995, ocorre seu ingresso por concurso na UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro. Coincide com seu momento de inserção nesta universidade uma forte ascensão em posições representativas no campo científico nacional e internacional. Torna-se coordenadora da área de ciências humanas na FAPERJ – Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do RJ, Presidente da ANPOCS – Associação Nacional de de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais, membro do Program Committee e, posteriormente, presidente do Committee on Sociological Theory da ISA – International Sociological Association, integrante da Comissão Permanente de Estudos Avançados da UFRJ, integrante do Comitê Executivo da IPSA – International Political Science Association, vice-presidente para a América Latina do CROP – Comparative Research on Poverty e membro do Program Committee da SASE – Society for the Advancement of Social Economics. Colabora ainda com o CPDOC – Centro de Pesquisa e Documentação Histórica da Fundação Getúlio Vargas, com o MCTI – Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações – na organização da Conferência Nacional sobre Ciência e Tecnologia e com o IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – nas atividades do Censo Demográfico 2000. Experimenta curtos períodos como professora visitante da University of California at San Diego (UCSD), de Columbia (EUA), Ludwig Maximilim, MIT (EUA), além de integrar o conselho acadêmico do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade de Salamanca (Espanha). Portanto, no período de aproximadamente dez anos demarcado a partir de 1995, há forte reconhecimento nacional e internacional de suas contribuições às ciências sociais, seja no âmbito da investigação sobre suas temáticas de escolha, seja no campo da reflexão sobre a própria ciência.
O que vem a seguir dá continuidade a esta trajetória continuamente ascendente. Na ISA, é eleita membro do Executive Board e dirige o Committee on Futures Research. No ERC – European Research Council, integra o comitê de avaliação. No ISSC – International Social Science Council, torna-se membro de seu Conselho Executivo e ocupa mesmo sua vice-presidência entre 2013 e 2015, além da vice-presidência para atividades científicas de 2013 a 2018. O constante destaque nas organizações dedicadas às ciências sociais acaba por conduzi-la ao ISC International Science Council, um conselho que agrega todas as ciências, na condição de vice-presidente geral, a partir de 2018. Destaca-se, ainda, sua participação em 2018 no comitê gestor e na elaboração do International Panel on Social Progress – IPSP, que reuniu mais de 300 cientistas sociais de todos os continentes, gerando publicação em três volumes de Rethinking Society for the 21st Century, pela Cambridge University Press. No mesmo ano, juntamente com cinco outros membros deste comitê, saiu o livro Manifesto for Social Progress – Ideas for a Better Society. A partir de 2005, até 2021, o ritmo das publicações sofre pequena redução. São 13 artigos, 15 capítulos e a participação como organizadora em 6 livros. Uma provável explicação para esta desaceleração está no volume de atividades e atribuições decorrente de sua participação nas entidades científicas internacionais. Por outro lado, a densidade e alcance internacional das publicações, expressando aprofundamento nas linhas de trabalho já apresentadas, é algo que se destaca. Com as posições ocupadas em organismos internacionais dedicados à ciência, não somente às ciências sociais, ganham enorme volume as palestras e falas em congressos e eventos científicos dos mais diversas matizes, consagrando uma pesquisadora que obteve grande reconhecimento nos âmbitos nacional e internacional. Tais palestras geraram um volume considerável de trabalhos inéditos que se encontram, em 2021, em vias de preparação para publicação.
Por fim, mas não menos importante, destaco o aspecto humano, sempre afável, delicado, mas firme e rigoroso. A fala baixinha, o mineirismo doce, o respeito no trato com cada um, que certamente seus alunos e felizardos orientandos podem atestar.
Sugestões de obras da autora:
REIS, Elisa; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de; FRY, Peter. Pluralismo, Espaço Social e Pesquisa, São Paulo: Hucitec, 1995.