Por José Luiz Soares (UFRJ)
Elina Gonçalves da Fonte Pessanha (Niterói, 1945) é Professora Titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Notabilizou-se por contribuições sociológicas e antropológicas em diferentes campos de estudos sobre o trabalho: processos de trabalho, modelos de relações de trabalho, memória dos trabalhadores, sindicalismo e resistência operária, direito do trabalho e instituições trabalhistas.
Graduou-se em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), onde se formou em 1967. No início de sua formação acadêmica, obteve bolsa de iniciação científica no Museu Nacional, sob orientação de Luiz de Castro Faria. Foi também nesse período, em meio à atuação no movimento estudantil, que conheceu aquele com quem veio a se casar e ter três filhos, o então líder estudantil e, posteriormente, cientista político, Charles Pessanha.
Elina Pessanha ingressou no Mestrado em Antropologia Social do Museu Nacional/UFRJ em 1970. Sua dissertação, defendida em 1977, mais uma vez sob orientação de Luiz de Castro Faria, já apresentava temas que lhe seriam caros por toda a vida acadêmica. Com o título “Os companheiros: trabalho na pesca de Itaipu”, a dissertação consistia numa etnografia sobre as relações e os processos de trabalho, a sociabilidade e a racionalidade econômica comum aos pescadores de um distrito do município de Niterói/RJ. Também já se verificava naquela altura uma convivência “bem temperada” de conceitos herdados de uma formação marxista com conceitos oriundos de outros campos da Sociologia e da Antropologia, traço comum em diversos trabalhos posteriores de Elina Pessanha. Fato este que agradou a Francisca Keller, discípula de Florestan Fernandes, que participou da banca de avaliação da dissertação.
Fez doutorado em ciências sociais na Universidade de São Paulo (USP) entre 1980 e 1986, sob orientação de Eunice Ribeiro Durham. Sua tese de doutoramento, com o título “Vida operária e política: os trabalhadores da construção naval de Niterói”, questionou os processos de trabalho, a autoimagem, as ações e as culturas políticas encontrados entre os metalúrgicos da indústria naval. Sua abordagem valorizava a possibilidade dos trabalhadores – organizados no Sindicato dos Metalúrgicos local ou atuando “por fora” da institucionalidade – desenvolverem um senso crítico e atuarem politicamente de forma autônoma e potente em favor de seus interesses. A abordagem valorizava igualmente o quanto as perspectivas e práticas encontradas em diferentes gerações de metalúrgicos navais possuíam aspectos de continuidade e de ruptura, recusando qualquer dicotomia entre um “novo” e um “velho” sindicalismo. Uma edição revista e atualizada da tese foi publicada em 2012, com o título “Operários Navais – Trabalho, Sindicalismo e Política na Indústria Naval do Rio de Janeiro”.
Elina Pessanha nunca deixou de considerar o “trabalho” como uma variável fundamental para pensar as relações sociais, a despeito de ventos teóricos que sopraram em outras direções. Além dos estudos que discorreram em primeiro plano sobre processos de trabalho e sobre as ações políticas dos trabalhadores, desenvolveu análises com temas variados, como a história e a memória dos trabalhadores; o pensamento social no âmbito da Sociologia do Trabalho; a importância da Justiça do Trabalho para o modelo de relações de trabalho predominante no Brasil; o perfil dos magistrados da justiça trabalhista; a relação da OIT (Organização Internacional do Trabalho) com o funcionamento de sistemas nacionais de trabalho; e as mudanças promovidas pela reforma trabalhista de 2017.
Suas contribuições para os estudos do trabalho se inserem em uma linhagem do pensamento social e político brasileiro que, ao menos desde Evaristo de Moraes Filho, reflete sobre a capacidade da classe trabalhadora externar suas demandas autonomamente, formular projetos e influenciar as ações governamentais. A ênfase na autonomia e na capacidade de resistência dos “subalternos” desponta tanto em suas vertentes político-institucionais, como o sindicalismo, quanto em suas vertentes mais movimentistas. Nesse ínterim, a Justiça do Trabalho é apresentada como tendo, desde sempre, um papel estratégico enquanto espaço normativo, sendo apropriada pelos trabalhadores para reivindicar a aplicação da lei ou mesmo para a “criação” de novos direitos.
Sempre entusiasta do contato entre academia, sindicatos e movimentos sociais, Elina Pessanha investiu duradouramente na interlocução com esses atores sociais, o que se faz notar por diversos trabalhos de assessoria, interlocução e colaboração com trabalhadores, entidades sindicais e centros de documentação e memória, no Brasil, na América Latina e na Europa.
A trajetória acadêmica de Elina Pessanha se confunde com o processo de renovação do curso de ciências sociais na UFRJ, a partir de meados da década de 1970, após anos de reveses impostos pelo regime militar brasileiro. Suas atividades de docência e pesquisa no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ iniciaram-se em 1978. Nos anos que se seguiram, exerceu, ao lado de outros colegas de trabalho, um papel ativo na reconstrução de uma infraestrutura voltada para o desenvolvimento de pesquisas em ciências sociais no instituto, com destaque para a fundação do Laboratório de Pesquisas Sociais (LPS) que, desde o início, congregou o Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ/UFRJ), que ela ajudou a criar em 1987.
Participou igualmente das iniciativas para constituir um Mestrado em Ciências Sociais, que mais tarde veio a se consolidar como Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da UFRJ (PPGSA/UFRJ), atuando em nível de mestrado e de doutorado. Vinculada ao Programa de Pós-Graduação, Elina Pessanha realizou pós-doutorado junto à Universidade de Londres (entre 2001 e 2002); desenvolveu missões científicas nas Universidades de Lisboa (entre 1993 e 1997), Manchester (em 1996) e Paris-Sorbonne (1999 e 2012); e foi uma das fundadoras e editora da Revista Sociologia & Antropologia, publicação periódica do PPGSA/UFRJ.
Além dos trabalhos de docência e pesquisa, Elina Pessanha também realizou diversas atividades de coordenação em instituições acadêmicas ou de representação em associações científicas, dentre as quais vale destacar: Coordenadora do AMORJ/UFRJ, desde sua fundação; membra do Comitê Coordenador da Asociación Iberoamericana para la Recuperación y Protección de los Archivos de los Trabajadores y sus Organizaciones (1992); Coordenadora do Laboratório de Pesquisas Sociais do IFCS/UFRJ (1993-1994); Secretária-geral (1994-1996) e membra do Conselho Científico (1996-1999) da Associação Brasileira de História Oral (ABHO); Vice-coordenadora do Mestrado em Ciências Sociais do IFCS/UFRJ (1995-1997); membra do Conselho Cientifico da Associação Brasileira de Antropologia – ABA (2003); Coordenadora do PPGSA/UFRJ por duas vezes (1999-2000 e 2010-2011); membra da Comissão de Altos Estudos do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985) – Projeto Memórias Reveladas, do Arquivo Nacional / Ministério da Justiça (2009); e membra titular do Conselho Nacional de Arquivos – CONARQ / Ministério da Justiça, representando a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS (a partir de 2016).
Sugestões de obras da autora:
PESSANHA, E. G. da F.; MOREL, R. L. de M. Gerações Operárias: rupturas e continuidades na experiência de metalúrgicos do Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, out. 1991, nº 17, ano 6, p. 68-83.
PESSANHA, E. G. da F. Operários Navais – Trabalho, Sindicalismo e Política na Indústria Naval do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2012.
MOREL, R. L. de M.; PESSANHA, E. G. da F. Magistrados do Trabalho no Brasil: entre a tradição e a mudança. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, jan.-jun. 2006, vol. 1, nº 37, p. 29-53.
MOREL, R. L. de M.; PESSANHA, E. G. da F. A justiça do trabalho. Tempo Social, São Paulo, nov. 2007, vol. 19, nº 2, p. 87-109.
PESSANHA, E. G. da F.; PEREIRA, L. B.; SOARES, J. L. Trajetos da Negociação Coletiva Trabalhista: Sindicatos dos Metalúrgicos e dos Bancários do Rio de Janeiro. Política & Trabalho, João Pessoa, out. 2014, nº 41, p. 61-88.
ARTUR, K.; PESSANHA, E. G. da F. Construção social dos direitos do trabalho no Brasil: resistências democráticas à reforma trabalhista de 2017. Século XXI, Santa Maria, jul.-dez. 2018, vol. 8, nº 2, p. 563-588.