Por Rejane Gomes Carvalho (UFPB) e Wanderleya dos Santos Farias (UFPB)
Eliana (Nana) nasceu em Recife no dia 26 de setembro de 1942. Sua formação acadêmica e intelectual foi influenciada pelas mudanças políticas, sociais e econômicas que marcaram a consolidação da sociedade urbana industrial no Brasil. Desde cedo, demonstrou inquietação para compreender as contradições e desigualdades sociais que marcavam o país e as terras nordestinas. No seu olhar crítico, o abismo social que se entremeava com a noção de “deixa o bolo crescer, para depois dividir” apartava milhares de pessoas do direito de cidadania e de uma vida digna. Essa inquietação vai percorrer sua trajetória na docência e na pesquisa com fecundas contribuições nos temas da sociologia do trabalho, das políticas públicas e da educação popular.
Por força do trabalho de seu pai, funcionário do Banco do Brasil, Eliana saiu de Recife em 1944, passando toda a infância e parte da adolescência nas cidades mineiras de Carangola e Juiz de Fora. Nesta última, cursou o ensino primário no Instituto Santos Anjos, da ordem das Carmelitas e no Colégio Stella Matutina da ordem alemã das Servas do Espírito Santo. Ambos espaços educativos de reconhecida qualidade. Em 1956, retornou para Recife, onde pode concluir os cursos de ginásio e o curso Pedagógico no Colégio São José, da ordem das Doroteias.
Nesse período, em plena década de 1960, vivia-se um clima de intenso dinamismo político em nível nacional e local. Na zona rural de Pernambuco e Paraíba, as associações dos trabalhadores rurais de cana-de-açúcar, que formavam as ligas camponesas, mobilizavam-se em busca de seus direitos por melhores condições de trabalho e vida, subtraídos pela presença do latifúndio. Em Recife, especificamente, desabrochava um forte movimento de alfabetização de adultos e de educação de base. Havia atividades culturais com a expressiva participação de estudantes universitários, artistas e intelectuais que, conjuntamente com a prefeitura sob a gestão de Miguel Arraes, participavam da criação das Praças de Cultura, levando aos bairros periféricos não somente a alfabetização, mas atividades artísticas e debates, com o objetivo de desenvolver consciência política e social nas massas trabalhadoras e, assim, levá-los a uma participação efetiva na vida política do país. O Movimento de Cultura Popular – MCP – tinha como colaborador direto o educador Paulo Freire, difundindo o conhecido método de alfabetização de adultos que marcou definitivamente o espectro da educação popular no Brasil e no mundo. O MCP foi extinto em 1964 com o golpe militar.
Nesse intenso ambiente de disputas políticas no país, Eliana iniciou a vida universitária na Faculdade de Filosofia do Recife – FAFIRE, onde concluiu o Curso de Bacharelado em Ciências Sociais, em 1965; no ano seguinte, cursou a licenciatura realizada na Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, com prática docente em História, uma vez que a disciplina Sociologia ainda não existia nos currículos escolares. Em seguida, realizou Especialização em Sociologia, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC. Nessa fase, pôde adquirir rica experiência de pesquisa no interior fluminense.
De volta a Recife, em 1969, vivenciou periência de educação popular junto aos camponeses da zona da mata canavieira de Pernambuco, na Cooperativa de Arte e Cultura – Cooperarte. O golpe militar se encarregou de finalizar esta ação.
A formação acadêmica teve continuidade com o mestrado em Sociologia na UFPE, no antigo Instituto de Ciências do Homem, atualmente Centro de Filosofia e Ciências Humanas – CFCH, com o Programa Integrado de Mestrado em Sociologia e Economia -PIMES. Todavia, este curso foi interrompido para realizar mestrado em Sociologia na Universite Catholique de Louvain – UCL, na Bélgica, em 1969, pela Agence de Cooperation aux Pays en développement – AGCD. Realizou o trabalho intitulado “Le mouvement ouvrier dans le cadre du populisme getuliste”, sob orientação do professor Dr. Maurice Chaumont.
Com o retorno da Bélgica, em 1977, recebeu informações do amigo Luiz Francisco de Andrade sobre o movimento de forte expansão do quadro docente da Universidade Federal da Paraíba – UFPB, na gestão do reitor professor Lynaldo Cavalcanti. Assim, foi contratada como professora do Departamento de Ciências Sociais da UFPB, Campus de João Pessoa, desenvolvendo atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão. No Ensino, lecionou disciplinas diretamente ligadas aos interesses e formação na área de Sociologia do Trabalho, Sociologia do Desenvolvimento, Sociologia Urbana, Estratificação e Classes Sociais. Na pesquisa, desenvolveu projetos relacionados à precarização do trabalho, precarização social dos habitantes de área de favelas, com destaque para os problemas de exclusão e desenraizamento social, pobreza urbana, desigualdade social e políticas públicas.
Contribuiu, ainda, para o reconhecimento profissional da carreira de sociologia e também da própria disciplina, com militância na criação da Associação dos Sociólogos de Pernambuco – ASPE, entre 1979 e 1980.
Em 1987, foi cursar Doutorado em Sociologia na Université de Picardie Jules Verne, Amiens, França, sob orientação de Drª Sylvia Ostrowetsky. Realizou pesquisa sobre as pequenas unidades urbanas e informais de produção. Concluiu em 1994, com a tese intitulada Non, je ne veux pas être le serf de personne: le cas de la petite production em João Pessoa.
Teve intensa presença nas atividades de extensão na UFPB, em que se destaca o trabalho desenvolvido nos anos 1990 na área rural de Cruz do Espírito Santo/PB, intitulado “Programa Integrado em áreas rurais”, em que pode contar com a rica colaboração do professor Paulo Freire. Nesta ação, acompanhou a luta dos camponeses ameaçados de expulsão pelos latifundiários locais. Outro importante projeto em que atuou foi o “Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares”, realizado nos anos 2000.
Ao retornar da formação doutoral, destaca-se sua contribuição para criação do Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS/UFPB. Na Pós-Graduação, a presença de Eliana foi fundamental para resgatar e reforçar os estudos na área da Sociologia do Trabalho. Para tanto, participou vivamente na criação do LAEPT – Laboratório de Estudo e Pesquisa em Políticas Públicas e Trabalho.
Eliana Moreira realizou dois pós-dourados: em 2000, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC/SP, com apoio da CAPES; e, em 2005, na Universite Catholique de Louvain – UCL, Bélgica. No período 2008-2009, integrou a diretoria da Sociedade Brasileira de Sociologia.
No LAEPT, Eliana construiu um importante espaço de reflexão e investigação em torno de temáticas do trabalho informal e precário na Paraíba e Nordeste e das políticas públicas de emprego. Sua intensa atividade de orientação doutoral, nessa fase, também produziu análises sobre as negociações coletivas e reestruturação produtiva na indústria calçadista paraibana. O laboratório é referência até a atualidade e agrega diversos profissionais no estudo da sociologia do trabalho.
Seguiu participando ativamente do LAEPT, mesmo após sua aposentadoria, em 2012, e na condição de professora colaboradora no Programa de Pós Graduação em Políticas Públicas, Gestão e Avaliação da Educação Superior – MPPGAV, do Centro de Educação/UFPB.
Seu olhar marcante e refinado sobre as contradições presentes na sociedade brasileira conseguiu produzir espaços fecundos de discussão e reflexões que ainda inspiram muitos estudiosos e pesquisadores. Fomos privilegiadas por encontrá-la nas nossas trajetórias acadêmicas e nos caminhos da vida.
Sugestões de obras da autora:
FARIAS, M. S. B. ; MOREIRA, E. M. . Reflexões sobre condições e gestão do trabalho docente. In: Luiz de Souza Júnior; magna França; Maria da Salete Barboza de Farias. (Org.). Políticas de gestão e práticas educativas – a qualidade do ensino. 1ªed.Brasília: Liber Livro, 2011, v. 1, p. 181-195.
MOREIRA, E. M.; OLIVEIRA, R. V. (Org.) . O fenômeno da globalização em perspectiva local e multidimensional. 1ª. ed. João Pessoa: Editora Universitária da UFPB, 2009. 210p.
MOREIRA, E. M.; CARVALHO, R. G. . Inclusão Precarizada e identidade sequestradas na nova ordem social do trabalho. Política & Trabalho (UFPB. Impresso), v. 27/30, p. 59-72, 2009.
OLIVEIRA, R. V. ; MOREIRA, E. M. . Sentidos da globalização: um desafio ao pensamento sociológico. Raízes. Revista de Ciências Sociais e Econômicas, v. 27, p. 43-55, 2008.
MOREIRA, E. M.. Servos de Ninguém: a pequena produção urbana em João Pessoa. João Pessoa: manufatura-PPGS UFPB, 2005, 2005. v. 300. 204p.