Eduardo Fernando Montagnari

Por Zuleika de Paula Bueno (UEM)

Eduardo Fernando Montagnari nasceu em 1947, em Borborema, pequena cidade do interior de São Paulo. Mudou-se para Araraquara na adolescência para cursar o Clássico no Instituto de Educação Bento de Abreu. Aos 20 anos, ingressou no então recente curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara, posteriormente integrada à Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, a Unesp.

Na graduação, foi aluno de Heleith Iara Bomgiovani Safiotti, professora que anos mais tarde orientaria sua tese de doutorado. Calouro, conheceu os amigos Luís Antônio Martinez Correa e Francisco Celso Martinez Rezende. Juntos, fundaram o grupo de teatro amador TECO – Teatro de Colégio, depois renomeado TUA – Teatro Universitário de Araraquara. Com o grupo, Eduardo entrou em cena pela primeira vez no ano de 1967 como ator da peça Terror e Miséria do Terceiro Reich, do dramaturgo alemão Bertolt Brecht.  A experiência com a direção teatral se deu ainda com o grupo, no final daquela década.  Teatro e sociologia, representação e vida social, distanciamento e consciência, estranhamento e aprendizagem foram os elementos que forjaram e foram forjados na formação inicial e na trajetória de Eduardo Montagnari.

Em 1970, concluiu o curso de Ciências Sociais, mudou-se para São Paulo e mergulhou no universo da contracultura. Tatu, apelido pelo qual ficou conhecido naqueles tempos, assumiu a posição de vocalista e compositor do grupo Vapor Barato, com o qual gravou, em 1982, o álbum Um disco furado, nos estúdios Eldorado. Foram tempos de cabelos compridos, “morbeza romântica” e pouca sociologia. Mas a ciência o chamaria de volta à universidade. Em 1983, Eduardo iniciou um projeto de pós-graduação em sociologia e voltou a lecionar. Por intermédio da professora Vera Botta, ficou sabendo da abertura de um concurso para o cargo de professor na Universidade Estadual de Maringá (UEM). Aprovado, mudou-se para o interior paranaense em 1985, ano em que passou a integrar o Departamento de Ciências Sociais da UEM.

Ao chegar em Maringá, Eduardo imediatamente assumiu, além do cargo de professor, a coordenação do Projeto Memória, vinculado à Secretaria de Cultura do Município de Maringá. Seria o primeiro dos diversos trabalhos que realizou junto à Secretaria. No início dos anos 1990, foi assessor executivo deste órgão e, entre 2003 e 2004, assumiu o cargo de Secretário de Cultura do município. Na universidade, entre 1986 e 1988, exerceu a função de Diretor de Promoção e Difusão Cultural e logo em seguida, entre 1988 e 1990, a de Pró-Reitor de Extensão. À frente destes cargos, teve por objetivo traçar uma política cultural universitária articulada ao ensino e à pesquisa. Idealizou e organizou o Teatro Universitário de Maringá, o TUM, e criou a Oficina de Teatro da UEM. O TUM alterou de forma definitiva a cena já existente do teatro amador e experimental na cidade. Em 1987, a Oficina de Teatro da UEM foi inaugurada com a encenação de A Exceção e a Regra, de Bertolt Brecht, da qual foi diretor cênico e musical.

Em 1995, Montagnari defendeu a tese Terceira Margem – extensão cultural universitária: um conceito da prática no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Unesp de Araraquara. Conforme apontava o estudo, a extensão, terceiro pilar do mundo acadêmico e dimensão menos prestigiada na universidade, se definia em geral mais pela somatória de práticas diversas ou como forma alternativa de captação de recursos para as atividades universitárias do que por ser de fato um espaço de articulação e integração da universidade com a sociedade. Contudo, Eduardo identifica, descreve e discute em seu texto três momentos históricos distintos de institucionalização da extensão cultural universitária  e os modelos que regem o discurso político e cultural desse processo: o revolucionário, que caracteriza o modelo dos Centros Populares de Cultura (CPC) e se faz presente no início dos anos de 1960; o patriótico, que é construído com a Reforma Universitária pós-1964 e a criação do Projeto Rondon, em 1967; e o cidadão, que emerge da articulação do Fórum Nacional dos Pró-Reitores de Extensão Universitária, já no final dos anos 1980. Os três momentos, vale destacar, foram constitutivos da própria ação cultural e política do autor da tese. Como pesquisador, professor, extensionista, músico, diretor e dramaturgo, Eduardo mostrou-se sempre interessado na articulação entre arte, cultura e sociedade.

Já doutor, participou como orientador e coorientador do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM e aprofundou as investigações e experimentações do teatro épico junto a crianças e adolescentes. Em 1997, dirigiu a apresentação pública da peça Aquele que diz sim, aquele que diz não, de Brecht, levada em cena pelas crianças da instituição beneficente católica Lar Escola da Criança de Maringá.  Naquele mesmo ano, apresentou no Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau a peça O Encontro do Palhaço Tam-Tam com o Vaga-Lume Tem-Tem numa Noite de Lua Cheia, de sua autoria. Em 1999, o trabalho como diretor teatral à frente do TUM gerou o livro Teatro Universitário em Cenas: referências e experiências, publicado pela Editora da UEM.

Durante os anos em que a UEM ainda não oferecia a graduação em Ciências Sociais, Eduardo ministrou aulas de sociologia nos cursos de História, Direito, Economia e Pedagogia. Após criado o curso de Ciências Sociais, no ano 2000, ele assumiu as disciplinas de Introdução à Sociologia e de Prática de Ensino para os estudantes da licenciatura. Para a sala de aula, levava a articulação entre o teatro épico e a sociologia. Não era raro Eduardo iniciar seus cursos declamando o Prólogo da peça A exceção e a Regra, de Brecht:

“Estranhem o que não for estranho
Tomem por inexplicável o habitual
Sintam-se perplexos ante o cotidiano
(…)
Façam sempre perguntas
Caso seja necessário
Comecem por aquilo que é mais comum
(…)
Para que nada seja considerado imutável
Nada, absolutamente nada.
Nunca digam: isso é natural”[1]

Ainda nos anos 2000, investigou em pesquisa de pós-doutorado as relações entre rádio e teatro e produziu a partir dessa investigação dois experimentos de peças radiofônicas, sendo um deles a gravação de A Exceção e a Regra. Aposentou-se como professor associado da Universidade Estadual de Maringá (UEM) em dezembro de 2009 com uma breve temporada de shows de lançamento do seu CD Dajabuticaba, composto por músicas autorais, algumas escritas na época do Vapor Barato. Voltou por um breve período à Araraquara e retornou à Maringá em 2012 como professor convidado do Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica (Parfor) do curso de Licenciatura em Artes Cênicas. Em novembro de 2018, estreou  Do teatro brasileiro de protesto (1964-1968) um musical, aprovado na Lei Municipal de Incentivo à Cultura de Maringá – Prêmio Aniceto Matti, com dramaturgia sua construída a partir de excertos e fragmentos de peças e canções do momento histórico que dá nome ao espetáculo. Em 2022, prepara os ensaios de seu mais recente trabalho, De repente me lembro, no qual recupera as obras e a trajetória do compositor Joubert de Carvalho.

Sugestões de obras do autor:

MONTAGNARI, Eduardo. Do teatro brasileiro de protesto (1964-1968) um musical. Maringá, Paraná: iPerfil Editora, 2021.

MONTAGNARI, Eduardo. Terceira Margem – extensão cultura universitária: um conceito da prática. Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia para obtenção do título de Doutor. Araraquara, Unesp, 1995.

MONTAGNARI, Eduardo. Rádio e teatro: memória e possibilidades. Acta Scientiarum (UEM), Maringá, v. 1, n.1, p. 17-34, 2004.

MONTAGNARI, Eduardo. O encontro do palhaço tam-tam com o vaga-lume tem-tem numa noite de lua cheia. Banco de Textos (Dramaturgia) do Centro Brasileiro de Teatro para Infância e Juventude.

 

 

[1] BRECHT, Bertolt. A exceção e a regra. In: Teatro Completo, Vol IV. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990, p. 129-160.