Por Rafael Petry Trapp (UNEB)
O cientista social negro Eduardo de Oliveira e Oliveira (1924-1980) foi músico, ativista, professor, mas se destacou sobretudo no campo da Sociologia, a partir do qual problematizou a experiência negra brasileira nos anos 1970. Nascido no Rio de Janeiro, em meados dos anos 1950 mudou-se para São Paulo, onde, posteriormente, entre 1960 e 1964, realizou o curso noturno de Ciências Sociais na USP da Maria Antonia. Sua atuação intelectual, junto a parceiros de trabalho como a historiadora Beatriz Nascimento e o também sociólogo Clóvis Moura, está na raiz teórica da formação política do Movimento Negro contemporâneo.
O autor ficou mais conhecido na área acadêmica e entre a militância antirracista pelo artigo “O mulato, um obstáculo epistemológico”, publicado na revista Argumento, em 1973, que recusava a categoria “mulato” em nome do significante identitário “negro”. A luta por autonomia teórica e política da negritude brasileira marcou sua obra, realizada através de conferências, eventos, exposições, artigos e de sua pesquisa (nunca finalizada) de mestrado e doutorado em Sociologia na Universidade de São Paulo, entre 1972 e 1978.
O mestrado, iniciado formalmente em 1972, teve como orientadores Ruy Coelho e João Baptista Borges Pereira. A pesquisa, intitulada Ideologia Racial: estudo de relações raciais, dizia respeito à subjetividade negra no Brasil observada da perspectiva de um pesquisador-sujeito identificado existencial e politicamente com seu próprio tema de estudo; queria, ainda, entre outras coisas, demonstrar uma universalidade das experiências histórica e sociológica negra nas Américas. A partir de 1974, na sequência da Qualificação, passou ao nível de doutorado, agora chamado História e Consciência de Raça, que não foi finalizado. Desses trabalhos, restaram apenas projetos, esboços de capítulos e alguns relatórios enviados à FAPESP e à Fundação Ford, apoiadoras da pesquisa.
Além da dedicação à pós-graduação na USP, Oliveira atuou em vários campos diferentes, no transcurso da década de 1970. Organizou exposições sobre negritude no Museu de Arte de São Paulo (MASP, 1973), onde também promoveu o ciclo de eventos O Negro na Vida Americana: da Independência aos nossos dias (1976); em 1977, organizou a Quinzena do Negro da USP, série de palestras, oficinas, exposições e conferências nos quais participaram ativistas e acadêmicos negros do Brasil e dos Estados Unidos; ainda em 1977, com Beatriz Nascimento, Clóvis Moura, Orlanda Campos, entre outros, coordenou o simpósio “Brasil Negro”, na 29ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na PUCSP. Em 1979, a partir de uma demanda do Movimento Negro de São Carlos, foi contratado como professor de Sociologia na Universidade Federal de São Carlos (SP), onde tentou construir um Núcleo Brasileiro-Africano de Estudos e Documentação, que seria um laboratório para seus planos com relação à sociologia brasileira de relações raciais do ponto de vista da experiência negra. Em 20 de dezembro de 1980, faleceu, aos 56 anos, na cidade de Itapira, interior de São Paulo.
Seu pensamento pode ser localizado na intersecção entre a crítica à sociologia de relações raciais da USP, o diálogo com o novo ativismo político negro em São Paulo dos anos 1970 e um intercâmbio com pesquisadores e intelectuais dos Estados Unidos, país de onde trouxe a ideia do Núcleo de Estudos na UFSCAR, projeto (não concretizado) precursor dos NEABs contemporâneos.
Os projetos intelectuais de Oliveira buscaram “Uma ciência Para e não tanto Sobre o negro”, título de sua conferência na Quinzena do Negro da USP. Esse evento, retratado nos documentários O Negro, da Senzala ao Soul (1977) e Orí (1989), reuniu a geração formativa do Movimento Negro Unificado, de 1978. Em jogo, estava a elaboração de uma teoria social negra que levasse em conta, de forma pragmática, as histórias e expectativas de um grupo racial que passa a recusar, a partir de então, a condição de “objeto” (como no Florestan Fernandes de A integração do negro na sociedade de classes – 1964) para um novo lugar de sujeito do conhecimento de si. Articulavam-se, assim, uma contraposição epistemológica ao racismo social e os termos, já na década de 1970, de um debate sobre raça, subjetividade e lugar de fala.
Apesar da prolífica ação acadêmica e intelectual no Movimento Negro e na USP, não deixou – à exceção do artigo “O mulato: um obstáculo epistemológico” – praticamente nenhuma publicação. Em 1982, a família doou os documentos e sua biblioteca para o então Arquivo de História Contemporânea da UFSCAR, onde permanecem para consulta pública, na atual Unidade de Informação e Memória desta universidade.
Sugestões de obras do autor
OLIVEIRA, Eduardo de Oliveira e. Etnia e compromisso intelectual. In: GTAR (Org.). II Semana de Estudos Sobre o Negro na Formação Social Brasileira (Caderno de Estudos). Niterói: UFF, 1977, p. 22-7.
______. O mulato, um obstáculo epistemológico. Revista Argumento, São Paulo, ano I, n. 3, jan. 1974, p. 65-73.
Sobre o autor
CARONE, Iraí. A flama surda de um olhar. In: Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis: Vozes; 2014.
RATTS, Alex. Corpos negros educados: notas acerca do movimento negro de base acadêmica. Nguzu, Londrina, v. 1, n. 1, p. 28-39, 2011.
TRAPP, Rafael P. O Elefante Negro: Eduardo de Oliveira e Oliveira, raça e pensamento social no Brasil. São Paulo, Alameda, 2020.