Edmundo Fernandes Dias

Por Jane Barros Almeida

Edmundo Fernandes Dias (1942-2013) foi um dos mais completos sociólogos brasileiros ao reunir todas as dimensões possíveis da sua práxis: como professor e militante socialista.

Sociólogo formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) nos anos 1960, desenvolveu parte do seu trabalho durante o período da abertura democrática, pós ditadura, tendo a universidade pública como lócus central da sua atuação. Foi professor do Departamento de Sociologia da Unicamp por quase quarenta anos, sendo uma das principais referências nacionais do pensamento do marxista italiano Antônio Gramsci.

Militante socialista e atuante, construiu de modo orgânico o Partido dos Trabalhadores (PT) e a Central Única dos trabalhadores (CUT), até seu rompimento em razão de divergências políticas, quando passou a militar no Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), contribuindo para a fundação da Central Sindical e Popular CSP-Conlutas. Foi um dos fundadores da seção sindical do Andes na Unicamp – Adunicamp, atuando por muitos anos, também na direção nacional da Associação.

Profundamente comprometido com o materialismo histórico dialético, como um método de ação, buscou, a partir dos seus trabalhos sistematizar o pensamento marxista de modo a divulgar reflexões, análises e caracterizações dos trabalhos de Gramsci. Dias, a partir de intensa pesquisa, desenvolveu ferramentas para a análise da realidade brasileira, com rigor científico e coerência analítica. Como bem citou em um dos seus trabalhos, “modo de produção” pode ser um conceito abstrato, e não possibilitar avanços substanciais na compreensão do real quando não historicizado, “outra coisa seria compreender o modo de produção no Brasil”. Este sempre foi o “espírito” materializado em sua produção, “Fazer a revolução exige muito mais do que a disciplina militante. Exige a capacidade de decidir a partir do conhecimento que se tem do real .

No contexto da ditadura militar, havia uma distinção profunda com outras leituras de Gramsci presentes no nosso país. Ao se opor a um Gramsci “reformista” e culturalista, indica que a categoria central para a compreensão da sua obra é o conceito de “revolução” e nenhum outro que fragilize esta perspectiva. Neste caminhar, Dias aponta um Gramsci, leninista, marxista e revolucionário, que maneja e se compromete à compreensão e construção de uma nova hegemonia, compreendendo a cultura como chave do “modo de vida”, possível de ser compreendido e desvelado, na sua intensa integridade histórica. Em seu texto, Projetos hegemônicos: a propósito da crise (2010), apresenta que “é no modo de vida que o jogo se dá”.

Entre livros e artigos publicados, é possível destacar a preocupação central com os debates sobre os processos de luta social e coletiva e, portanto, as rigorosas análises epistemológicas do materialismo histórico, centralmente sobre Antônio Gramsci. Longe de produções dogmáticas e panfletárias, no que se refere às mensagens mais imediatas, o trabalho deste sociólogo objetiva, de modo minucioso, aprender com processos histórica e coletivamente forjados. Trabalhos publicados como “Gramsci em Turim: a construção do conceito de hegemonia ou ainda o Outro Gramsci revelam o cuidado com os processos, a compreensão da classe na sua materialidade, tendo como preocupação central a produção de análises “junto a classe” e não sobre a mesma. Uma distinção que pode parecer sutil, mas que revela a densidade e coerência da sua obra.

Em Política brasileira: embate de projetos hegemônicos (2006); Reformas ou contra-revolução? O governo Lula (2004); Reforma da previdência ou como destruir gerações (2004); Estado, capital, trabalho e organização sindical: a (re)construção das classes trabalhadoras no Brasil (coautoria de Antônio de Pádua Bosi) (2005) – apresenta análises a partir das disputas, embates e luta dos contrários, sobre a realidade brasileira.

Em uma de suas últimas produções – Revolução passiva e modo de vida: ensaios sobre as classes subalternas, o capitalismo e a hegemonia, Dias entende o modo de vida como a “história vivida”, história não como sinônimo de passado, mas como estratégia e reflexão atenta sobre o real, “não é uma reiteração do já realizado, mas um abrir-se para os grandes desafios que nosso tempo nos coloca” (2012:11). Constata o silenciamento dos subalternos como um dos mais potentes padrões de dominação”. Retoma o debate de que a violência é a parteira da história (Engels) mas também “a pedagogia dos dominantes”. O livro aponta caminhos temáticos a serem desenvolvidos e problematizados, dentre os temas a relação entre classe, gênero e etnia, apontando um caminho de pesquisa e debate no interior do marxismo, sobre a relação entre a tríade, a partir da perspectiva da mulher negra, compreendo a necessidade de “decifrar esta esfinge”.

Em parte de sua obra, revela um profundo incômodo em imputar a Marx, Engels e Gramsci debates e reflexões que não estavam postas a seu tempo, diferenciando inspirações de elaborações acabadas. O que leva à falsa ideia de incompletude dos clássicos, ao descontextualizar as reflexões. Em seu trabalho Revolução e história: das Teses ao Manifesto (2011), contextualiza os debates, com forte preocupação em remetê-los às condições em que foram produzidos e, principalmente, articulando-os com fatos de nossa história recente. Apresenta Engels não como um “segundo violino”, mas como um interlocutor à altura de Marx.

Em boa parte dos seus artigos, apresenta a educação como um tema importante da análise sociológica, sobretudo dos fenômenos mais recentes que provocavam respostas e ações no campo da atuação política e sindical. Artigos como Intelectuais: para que e para quem? (2013.; Educação, luta de classes e revolução (2011); Modo de produção e educação (2009); Ensino superior em SP: expansão privatista e consequências na Educação básica (2010), dentre outros evidenciam a importância da educação para pensar os processos de construção, consolidação e oposição aos projetos de poder. Este esforço amplia o debate no campo da teoria sociológica, prestigiando as análises sobre Educação, como projeto, por vezes marginalizada sociologicamente.

Em síntese, um dos mais completos e coerentes sociólogos brasileiros, ao manejar a partir da sua práxis, a não separação entre teoria e prática, entre a docência e a atuação política. Elemento impulsionador da sua robusta produção teórica.

Sugestões de obras do autor:

DIAS, Edmundo Fernandes. (et al). O outro Gramsci. São Paulo, Xamã, 1996.

DIAS, Edmundo Fernandes. Gramsci em Turim: a construção do conceito de hegemonia. São Paulo, Xamã, 2000.

DIAS, Edmundo Fernandes. Revolução passiva e modo de vida: ensaios sobre as classes subalternas, o capitalismo e a hegemonia. São Paulo: editora José Luís e Rosa Sundermann, 2012

DIAS, Edmundo Fernandes. (2011). Educação, luta de classes e revolução. Germinal: Marxismo E educação Em Debate, 3(1), 43–49. https://doi.org/10.9771/gmed.v3i1.9491

DIAS, Edmundo Fernandes. (2014). Modo de Produção e Educação. Germinal: Marxismo E educação Em Debate, 1(1), 34–42. https://doi.org/10.9771/gmed.v1i1.9836