Por Daniela Ribeiro de Oliveira (UFPA)
Falar sobre a trajetória profissional de Edila Arnaud Ferreira Moura é, também, tratar um pouco sobre a história do curso de ciências sociais na Universidade Federal do Pará – UFPA – e da Universidade Federal do Amazonas – UFAM.
Nasceu em Rio Branco, Acre, em 17 de julho de 1952, para onde seu pai fora transferido como funcionário do Banco da Borracha (hoje, Banco da Amazônia BASA). A família retornou à Belém do Pará, após um ano, onde fixaram residência com os demais três filhos.
Seguir a carreira de socióloga, cujo curso existia apenas na opção de licenciatura, foi resultado de um enfrentamento familiar. Sua mãe – primeira mulher, no Brasil, a ocupar o cargo de juíza – presidente do Tribunal Regional do Trabalho –, projetava para a filha uma carreira como diplomata, dada a forte inclinação da adolescente para a área das humanidades e facilidade no aprendizado de línguas estrangeiras. O interesse pela sociologia foi se definindo pelas experiências vividas ao longo de sua formação escolar. Nos anos do ensino primário, constatou que as crianças, trazidas do interior para trabalhar e estudar na cidade como “crias” das freiras, que frequentavam a sua escola, não recebiam a mesma atenção que as demais crianças durante as aulas e não tinham o direito de participar do recreio no mesmo pátio, entre outras situações denunciadoras da desigualdade social. Na sequência dos estudos, uma experiência de trabalho de campo em um bairro periférico de extrema pobreza na cidade de Belém, organizada por um professor de geografia humana, foi decisiva na escolha de sua profissão. Tais experiências associadas à sua curiosidade e apreço pela literatura, história e filosofia a levaram optar pela Licenciatura em Ciências Sociais.
No contexto dos anos de chumbo da Ditadura Militar, em 1970, Edila inicia a graduação em ciências sociais, na UFPA. O curso, criado em 1957, e que nos anos anteriores era o centro da efervescência do pensamento crítico nas áreas de economia, sociologia, política e antropologia a decepciona bastante pela ausência de debates e de profundidade no conteúdo das aulas. Os seus mais brilhantes professores haviam sido afastados das atividades acadêmicas pelo regime militar ou se exilaram. O curso estava desestruturado e decadente, sem atividades de pesquisa nem extensão e mesmo quase sem aulas. Nessas condições, Edila se dedicou com maior afinco ao aprendizado do inglês e do francês alcançando os mais elevados níveis de formação. Nos dois últimos anos de graduação, foi bolsista de pesquisa no Instituto de Desenvolvimento Social do Pará (IDESP) onde reconhece que teve sua principal base de conhecimento sobre a pesquisa social. Nessa instituição foi iniciada nas atividades de pesquisa documental e pesquisa de dados secundários sobre a produção socioeconômica dos municípios do estado, desenvolvendo habilidades na construção de estudos diagnósticos. Três meses após a conclusão do curso foi contratada como socióloga para trabalhar na Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor – FUNABEM, passando a residir na cidade de Santarém, pelo período de dois anos, acompanhando famílias rurais que migravam para essa cidade em busca de trabalho.
Casou-se em 1977 e, logo em seguida, o casal seguiu para fazer mestrado na University of Toledo (Ohio, EUA) ele em Administração de Empresas, e ela, em Sociologia. Lá, Edila conseguiu uma bolsa que custeou todo o seu curso como também lhe possibilitou recursos para sua estadia por dois anos. Nessa condição trabalhou com dois pesquisadores em temas distintos, mas correlacionados: Estatística Social e metodologias de pesquisas sobre gênero e trabalho feminino. Dessa experiência desenvolveu um estudo em que articulou as teorias sociológicas e as diversas composições demográficas, destacando as variações nas taxas de fecundidade ao longo de décadas e entre as diversas regiões brasileiras, defendendo a dissertação “Theorethical and metodological considerations on the studies of fertility in Brasil”.
Essa experiência lhe rendeu um convite, em 1979, para atuar como professora colaboradora do Núcleo de Altos Estudos da Amazônia – NAEA/UFPA – e abriu caminho para a construção de uma longa trajetória profissional na qual passou pelas mais importantes instituições de ensino e pesquisa do norte do Brasil. No NAEA, lecionou Demografia Regional e Pesquisa Social, coordenou o Setor de Pesquisas, foi vice coordenadora do programa de mestrado e desenvolveu pesquisas sobre trabalho feminino e sobre remoção de famílias rurais em decorrência da criação dos Grandes Projetos de desenvolvimento. Interrompeu as atividades no NAEA no período de 1983-1986 quando se mudou para Manaus, no Amazonas, para acompanhar o marido que fora transferido, um ano antes, para trabalhar como gerente em uma multinacional do Distrito Industrial.
Durante sua breve estadia em Manaus, foi contratada inicialmente como professora colaboradora, e posteriormente, como concursada, na Fundação Universidade do Amazonas (FUA), atual Universidade Federal do Amazonas (UFAM). Lecionou Sociologia para os diversos cursos do Instituto de Ciências Humanas e Letras-ICHL. O curso de Ciências Sociais só viria a ser criado em 1987, com marcas de sua relevante contribuição. Em 1983, era a única docente com mestrado lecionando Sociologia e, nessa condição, assumiu a coordenação do Programa de Pós-graduação (lato sensu) de Demografia Amazônica.
Sua estadia na FUA possibilitou o estreitamento de laços profissionais e afetivos que perduram até hoje, em atividades conjuntas entre os docentes dos programas de pós-graduação PPGSA/UFPA e PPGSC/UFAM. Destaca-se nesse período a pesquisa sobre a “Mobilidade do Trabalho Feminino nas Indústrias de Belém e Manaus”, financiada pela ABEP, CNPq e ANPOCS, pesquisa inédita que resultou em várias produções acadêmicas sobre as condições de trabalho feminino em diversos setores da economia nas duas cidades.
Ao regressar às suas atividades profissionais na UFPA, coordena em conjunto com a Profa. Maria Lúcia Sá Maia a pesquisa “Reorganização do espaço de trabalho e do espaço doméstico das famílias de Barcarena-Pará: os efeitos do Projeto Albrás – Alunorte”, nos anos de 1984-1993, que resultou em um importante dossiê sobre as condições de vida das famílias removidas de seus territórios rurais para a instalação do empreendimento. Por meio da análise do discurso dos atores do processo decisório, agentes empresariais e governamentais, a pesquisa desvendou os sentidos da ideia de progresso e desenvolvimento impostos a essas populações.
A partir de 1993, suas atividades se direcionam às pesquisas sociais e ações de extensão relacionadas à conservação ambiental da primeira reserva de desenvolvimento sustentável criada no Brasil, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá- RDSM, localizada na região do médio Solimões, estado do Amazonas. Integrando uma equipe multidisciplinar, Edila ficou responsável pelas pesquisas sociodemográficas e socioeconômicas e participou intensamente de todas as etapas que se seguem desde a fase do Projeto Mamirauá (1993) à criação do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (2000), na cidade de Tefé, hoje um dos institutos do Ministério da Ciência e Tecnologia na Amazônia. Teve destacada contribuição na formação de uma equipe de sociólogos responsáveis pela continuidade das pesquisas nesse instituto. Sua tese de doutorado, defendida em 2003 no PDTU/NAEA/UFPA, analisou “As práticas socioambientais na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá”. Na sequência de suas produções acadêmicas, acompanha os comportamentos demográficos e socioambientais de cerca de 300 comunidades rurais e as formas de uso social da ciência, tecnologia e inovação na adoção de estratégias e políticas públicas de conservação da biodiversidade nessa parte da Amazônia.
Sugestões de obras da autora:
MOURA, Edila A. F.; CASTRO, J. R.; SOUZA, M.; NASCIMENTO, A. C. S. do. Mulheres de Mamirauá: relatos orais sobre trabalho, maternidade e sobrevivência na várzea amazônica. In: Ernesto Renan de Freitas Pinto; Lúcia Puga; Tatiana Pedrosa. (Org.). Amazônia: apontamentos de história oral. Manaus: Editora Valer, 2020, v. 1, p. 29-68.
GOMES, Maria Cecilia R.L.; NASCIMENTO, A. C. S. do; MOURA, Edila A. F.; CORREA, D. S. S.; Brito, O.S. Surrounded by sun and water: development of a water supply system for riverine peoples in Amazonia. Revista Tecnologia e Sociedade (Online), v.15, p. 92-112, 2019.
PENTEADO, I. M.; NASCIMENTO, A. C. S. do; CORREA, D.S.S; MOURA, Edila A. F.; Zilles, R.; GOMES, Maria Cecilia R.L.; PIRES, F. J.; Brito, O.S; SILVA, J. F.; REIS, A. V.; SOUZA, A.; PACIFICO, A. C. N. Among people and artifacts: Actor-Network Theory and the adoption of solar ice machines in the Brazilian Amazon. Energy Research & Social Science, v. 53, p. 1-9, 2019.
GOMES, Maria Cecilia R.L.; MOURA, Edila; PEDRO, J. P. B.; Bezerra, M. M.; Brito, O.S. Sustainability of a sanitation program in flooded areas of the Brazilian Amazon. Journal of Water Sanitation and Hygiene for Development, v. 5, p. 261-270, 2015.
VALER, L. R.; MOCELIN, A.; ZILLES, R.; MOURA, Edila; NASCIMENTO, A. CLAUDEISE S.. Assessment of socioeconomic impacts of access to electricity in Brazilian Amazon: case study in two communities in Mamirauá Reserve. Energy Sustainable Development, v. 20, p. 58-65, 2014.
MOURA, Edila; NASCIMENTO, A. C. S. DO; CORREA, D. S. S.; SOUSA, Isabel S.; ALENCAR, Edna. Sociodemografia da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá. Belém: IDSM/NAEA/UFPA, 2016. v.1. 310 p.
MOURA, Edila; CASTRO, Edna; MAIA, Sá M. L. (Orgs.). Industrialização e Grandes Projetos: Desorganização e Reorganização do Espaço. Belém: Gráfica e Editora da UFPA, 1995. v.1. 410 p.
MOURA, Edila; SA, M. M. L.; P., F. E.. Zona Franca de Manaus: os filhos da era eletroeletrônica. Belém: UNAMAZ, 1993. v. 2. 141 p.