Por Marcus Vinicius Spolle (UFPel)
A trajetória de Eder Sader pode ser definida como a de um intelectual militante, resiliente e inovador, cuja trajetória de vida, apesar de breve, foi inspiradora para uma geração de alunos e colaboradores. Sua rigorosa formação acadêmica em sociologia, somada à percepção da importância das novas lógicas dos movimentos sociais na década de 80 do século XX, e seu humanismo, foram fontes deste intelectual ativo durante a ditadura militar. Infelizmente, sua trajetória foi interrompida aos 46 anos, em 1988, no auge de sua produção e ativismo político-social, em que ele pretendia ampliar seu trabalho como sociólogo na atuação parlamentar.
O início de sua vida acadêmica na USP, em 1961, foi caraterizado pela militância política e no seu engajamento na formação do POLOP, Organização Marxista Revolucionária, crítica à visão reformista do PCB. Em 1964, em plena ditadura militar, participou do POC (Partido operário Comunista) em uma perspectiva revolucionária centrada no operariado. Com a perseguição do governo militar, em 1970, se tornou exilado político e foi para o Chile trabalhar como professor e pesquisador na Universidade Católica de Santiago e, posteriormente, na Universidade de Concepción, até 1973. Com o golpe militar chileno, foi considerado, novamente exilado, conseguindo asilo político na França, onde vai lecionar como professor dos Departamentos de Sociologia e Economia da Universidade de Paris VIII-Vincennes.
Com a anistia, em 1979, volta do exílio, torna-se professor do Departamento de Sociologia da USP e conjuntamente com outros intelectuais, como Marilena Chauí, Maria Celia Paoli e Vera Telles, focou seus estudos nos “novos” movimentos sociais, que apontavam para emergência de novos atores sociais, perspectiva diferente e daqueles comumente analisados pelas teorias mais estruturalistas dentro do marxismo. Criou a revista Desvios, espaço de debate para a chamada nova esquerda e de uma visão autonomista de esquerda.
Neste período, desenvolveu a sua pesquisa com os movimentos sindicalistas, que mais tarde formará o Partido dos Trabalhadores, com os movimentos sociais ligados as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e aos clubes de mães da periferia de São Paulo. Influenciado pela lógica de Gramsci, e trabalhos de Thompsom e Guatari, com base na discussão das experiências vividas e compartilhadas pela práxis operária, Eder viu nesses atores um protagonismo coletivo que, a partir das suas vivências cotidianas, irão dar novos contornos nas reinvindicações da luta política e, principalmente, na relação com o Estado. Assim, ele trouxe novas explicações, numa virada epistemológica na tradição marxista e nos estudos sobre o movimento operário, rompendo com a tentativa de grandes sistematizações, para trabalhar com as práticas de indivíduos na vivência cotidiana das lutas concretas.
Nesta pesquisa, que resultou na sua tese de doutorado, os sujeitos, apesar de atados às determinações estruturais externas, são fontes de novas leituras, interpretações e reivindicações, a partir da realidade das suas vivências cotidianas. Ele vai descrever os processos subjetivos de luta, não aqueles organizados de forma institucional, mas em pequenos movimentos, como nos boicotes organizados dentro do ambiente de trabalho pela melhoria das condições trabalho, na vivência em espaços fora do ambiente sindical, nos bares, na sinuca, nos salões de cabelereira da periferia, trazendo a ideia de Marilena Chaui de conformismo e resistência.
A vida cotidiana e suas diversas leituras e narrativas foram a argamassa deste intelectual sempre atento aos seus interlocutores de pesquisa, e capaz de romper com os cânones teóricos dados. Quem conheceu e vivenciou Eder, como professor e pesquisador, viu as suas inquietações e sua capacidade de ouvir o outro. Assim, ele foi capaz de transitar e questionar diversas matrizes teóricas, abrindo espaço, naquele período, para uma sociologia mais relacional, pós-colonial e menos estruturante, onde o agenciamento ganha espaço de análise. Na contemporaneidade, em que as mídias sociais moldam discursos e atitudes, Eder Sader seria inspirador e um critico sagaz. Com sua ausência, perdemos todos, sociedade e admiradores a perspectiva de vê-lo atuar neste mundo social complexo.
Sugestões de obras do autor:
SADER, E. Poder constituinte e a democracia hoje. In: FORTES, Luiz Roberto Salinas; NASCIMENTO, Milton Meira do. (Orgs.) A constituinte em debate: colóquio realizado de 12 a 16 de maio de 1986. São Paulo: Sofia, 1987.
SADER, E. Marxismo e teoria da revolução operária. 2a edição. São Paulo: Ática, 1991.
SADER, E. Quando novos personagens entraram em cena. Experiências e lutas dos trabalhadores da Grande São Paulo 1970-1980. 4a edição. São Paulo: Paz e Terra, 2010.
SADER, E; SANDRONI, P. Luchas obreras y táctica burguesa en Brasil. In: Cuadernos Políticos, n. 26, México D.F.: Era, outubro-dezembro, 1980.
SADER, E; PAOLI, M.C.; Pensando a classe operária: os trabalhadores sujeitos ao imaginário acadêmico. In: Revista brasileira de história, 1983.