Por Robert Verhine (UFBA)
Dora Leal Rosa nasceu em 25 de dezembro de 1947, em Santo Amaro da Purificação, cidade do Recôncavo Baiano. Sua educação secundária teve por base o curso normal, no Instituto Central Isaías Alves (ICEIA), concluído em 1965. Seu interesse pela Sociologia surgiu no decorrer do referido curso, quando fez disciplina curricular sobre o assunto. Através dessa disciplina reconheceu a importância de compreender como a sociedade se organiza, as relações entre classes sociais e as questões relativas à mobilidade social. Ao longo desse processo de formação, Dora percebeu a relação entre educação e a transformação social e os problemas sérios enfrentados pela educação básica no Brasil. Neste contexto, Dora fez sua escolha para ingresso na universidade, optando, em 1966, pelo curso de Ciências Sociais oferecido pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Não se pode deixar de mencionar que o período da graduação de Dora (1966 a 1969) foi marcado pelo clima de repressão instalado pelo então governo militar, o que limitou o acesso desses estudantes às várias perspectivas do pensamento sociológico e à literatura correspondente. Na época, o curso de Ciências Sociais era estruturado em três grandes áreas de conhecimento: Sociologia, Antropologia e Ciência Política. O interesse maior de Dora na graduação foi a Sociologia Política e particularmente o pensamento de Max Weber referente à sua compreensão da sociedade, às possibilidades da transformação a partir da ação dos grupos sociais e às formas de liderança e de legitimação do poder político.
Ao concluir a graduação, ingressou no Mestrado em Ciências Humanas em 1970, que neste ano tinha como tema central o poder na Primeira República (1889 a 1930). Tomou como seu tema de dissertação a questão do poder político na Chapada Diamantina nesse período, focalizando a figura do Coronel Horácio de Mattos. A escolha desse tema foi motivada, em parte, pelas origens da sua família paterna, natural de Brotas de Macaúbas, e especialmente pelo fato de seu pai ter trabalhado como secretário desse chefe político. A pesquisa foi baseada no arquivo deixado pelo Coronel. Seus resultados ratificaram o papel dos laços familiares na legitimação do poder local, a hipertrofia do poder familiar e a incursão desse poder particular na ordem pública.[1]
Após a conclusão do mestrado, Dora se dedicou ao desenvolvimento de sua carreira, ingressando como Técnica na Superintendência Acadêmica da UFBA, trabalhando com planejamento acadêmico e avaliação dos currículos dos cursos de graduação. Em 1978, ela foi convidada para trabalhar como socióloga no Centro de Educação Tecnológica da Bahia (CENTEC) na coordenação de planejamento, realizando estudos para a criação e implantação dos cursos de tecnólogo, onde também atuou como professora de problemas brasileiros. Em 1979, além de manter seu vínculo com o CENTEC, Dora retornou para a UFBA/Assessoria de Planejamento como socióloga, trabalhando com pesquisa institucional investigando o fluxo de alunos e o destino dos egressos.
Em 1983, ela fez concurso para professora de metodologia de pesquisa, da Faculdade de Educação, deixando o CENTEC para desenvolver suas atividades de ensino na UFBA. Como professora de pesquisa em educação, ela buscou sempre estimular o aluno a compreender a contribuição da pesquisa para seu exercício profissional como professor da educação infantil e do ensino fundamental. Suas aulas focalizavam a pesquisa qualitativa como forma de perceber a realidade de forma holística. Subsequentemente, Dora assumiu a disciplina de Sociologia de Educação, buscando apresentar esse campo de conhecimento nas suas diferentes vertentes. Foi nesta época que ela descobriu a contribuição de Pierre Bourdieu para a compreensão da educação na sociedade de classes e para suas preocupações anteriores sobre a possibilidade da transformação social a partir da educação escolar.
Em 1988, Dora resolveu aprofundar seus conhecimentos sobre a metodologia de pesquisa, iniciando seu doutorado na Universidade de Ciências Humanas de Strasbourg, onde obteve, em 1989, o Diploma de Estudos Aprofundados (DEA) com um projeto sobre pesquisa participante no Brasil. Ao retornar ao Brasil, ela resolveu mudar seu foco de investigação, buscando tema relacionado com a Sociologia da educação. O tema escolhido foi a análise da relação entre socialização e trabalho pedagógico, realizando um estudo comparativo entre uma escola comunitária e uma escola pública de ensino fundamental. Para tal, utilizou conceitos e construtos elaborados por Pierre Bourdieu, Lawrence Kohlberg e Jurgen Habermas. Sua tese de doutorado “Trabalho pedagógico e socialização: um estudo sobre a contribuição da escola para a formação do sujeito moral” foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Educação, na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em 1999. Nela, discutiu, com base no conceito de habitus definido por Bourdieu, na experiência da “escola de comunidade justa” desenvolvida por Kohlberg e na noção de eu competente discutida por Habermas, as possibilidades de a escola ser bem sucedida no processo de socialização, assim como, as condições necessárias para que ela obtivesse êxito no desenvolvimento de um projeto de educação moral de seus alunos. As contribuições do estudo doutoral foram significativas, pois seus resultados evidenciaram que a escola não tem força simbólica suficiente para inculcar valores que se contraponham aos valores hegemônicos de uma sociedade. Por outro lado, percebeu a partir dos dados coletados a importância da participação de membros internos e externos à comunidade escolar na formulação e implementação de um projeto pedagógico que possibilitasse a efetivação da educação moral. Na sua conclusão, Dora argumentou que é fundamental que a escola seja verdadeiramente um espaço democrático onde possam ser desenvolvidas as competências interativa, moral e discursiva prática, pois a construção da cidadania é uma das principais responsabilidades da escola. Por fim, ela defendeu na tese que o habitus na sua dimensão moral não é um destino que não possa ser modificado, mas para tal mudança, dependerá da capacidade de transformação da escola pública brasileira.
Com base no seu trabalho de campo, Dora retomou seu interesse pela metodologia de pesquisa, escrevendo um capítulo de livro sobre a elaboração da tese e a questão do método na pesquisa educacional, no qual discute o percurso da investigação, seus instrumentos e técnicas, bem como a definição operacional dos seus conceitos (ROSA, 2002). Neste texto chamou atenção para a necessidade que tem o pesquisador de aliar ao domínio teórico do seu tema e das técnicas de investigação a criatividade e a imaginação para resolver os múltiplos desafios que surgem no decorrer da pesquisa. Enfatizou que o projeto inicialmente formulado nunca chega incólume no final do processo investigativo, pois a experiência indica que, à medida que se avança no trabalho de campo, o projeto vai sendo aprimorado, clareado e, principalmente, reduzido nas suas pretensões.
Após a conclusão do seu doutorado, Dora atuou como Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação até 2017, finalizando sua contribuição acadêmica com a produção em coautoria de um livro sobre a história da pós-graduação da UFBA, baseada na análise aprofundada de documentos arquivados na Instituição (ROSA, VERHINE e OLIVEIRA, 2018). Deve-se destacar que, em paralelo, desenvolveu atividades na alta gestão universitária, servindo como Coordenadora da Pós-Graduação, Pró-Reitora de Planejamento e, finalmente, como Reitora da UFBA (2010-2014). Suas atividades administrativas foram norteadas por sua experiência como socióloga e por sua crença na relevância de educação para a construção de uma sociedade democrática, inclusiva, justa e ética.
Sugestões de obras da autora:
ROSA, D. L. A escola e a formação do sujeito moral: possibilidades e limites da instituição escolar. Revista da FACED (Impressa), p.13-26, 2001.
ROSA, D.L. A construção da tese de doutorado e as questões do método. In: LOPES DE MATOS, K.S. e VASCONCELOS, J.G. (orgs.) Registros de pesquisas na Educação. Fortaleza, CE: LCR-UFC, 2002. p. 64-70.
ROSA, D. L.; LORDELO, J. A. . Famílias educógenas – como as famílias pobres criam ambientes favoráveis ao sucesso escolar? In: LORDELO, J.A., TENÓRIO, R. (orgs.) Educação Básica – contribuições da pós-graduação e da pesquisa. Salvador: EDUFBA, 2009.
ROSA, D. L. MIRANDA, T. G.; BORDAS, M. G. A escola inclusiva para o estudante com deficiência: depoimentos e lembranças. In: CUPICH, Zardel et al. Sujeito, educación especial e integración. Mexico: Universidade Autônoma do Mexico, 2010.
ROSA, D. L.; VERHINE, R.E; OLIVEIRA, R. L. A pós-graduação stricto sensu na UFBA: anos iniciais e tendências contemporâneas. Salvador: UFBA, 2018.
[1] ROSA, Dora Leal. O mandonismo local na Chapada Diamantina. Dissertação de Mestrado em Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, 1973.