Por Tiago Magaldi (UFSCar)
Trajetória pessoal
Donald Pierson nasceu no ano de 1900, na zona rural do estado do Kansas, Estados Unidos. Filho de trabalhadores rurais brancos de precária condição financeira, Pierson termina o equivalente ao ensino médio aos 22 anos. Em 1927 entra para a Universidade de Chicago, obtendo o título de mestre em Sociologia seis anos depois. Em 1933 aproxima-se de Robert Ezra Park, então no auge de sua carreira, que o instiga a tomar as relações raciais no Brasil para objeto de seu doutorado. Assim, viaja para Salvador, Bahia, em 1935, ficando ali durante dois anos. O resultado da estadia foi um de seus livros mais famosos (e criticados): Negroes in Brazil: a study of race contact in Bahia, de 1942, defendido como tese de doutorado na Universidade de Chicago.
Missionário da Sociologia
Em 1939 Donald Pierson é convidado para atuar como professor na Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo (ELSP, atual Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, FESPSP) e como pesquisador do Departamento de Cultura do município, então chefiado por Mário de Andrade.
Desde a chegada na cidade sua atividade será febril: professor, pesquisador, orientador, editor da revista Sociologia – periódico central na consolidação das Ciências Sociais no país – e de coletâneas bibliográficas, tradutor e representante científico da Fundação Rockefeller e da Smithsonian Institution, cujos financiamentos estiveram na base de seus projetos de pesquisa. Em 1942 será protagonista na criação do primeiro curso de pós-graduação em Ciências Sociais do país, na ELSP, cuja primeira turma de mestres se formou em 1945 (dentre os titulados estava Oracy Nogueira; dois anos depois seria a vez de Florestan Fernandes).
Durante a década de 40 chefiará dois grandes “estudos de comunidade”. Seus resultados mais visíveis serão os livros Cruz das Almas: a Brazilian Village e O Homem no Vale do São Francisco.
Obra sociológica
A obra de Donald Pierson foi, durante toda a sua atividade científica, diretamente ligada à sociologia produzida na Universidade de Chicago do início do século XX. O sociólogo integrou um esforço intelectual coletivo coordenado por Robert E. Park, para quem o Brasil representava uma formação social de particular interesse. Primeiramente, em função da dinâmica das relações raciais aqui existentes, que contrastavam com o que aqueles pesquisadores viam nos Estados Unidos. Em consonância com as elaborações teóricas de Park, em sua tese de doutorado Pierson buscou demonstrar que o preconceito racial não era determinante para a dinâmica das desigualdades sociais no país, mas sim o preconceito de classe.
Segundo objeto da produção de Pierson foi o efeito da vida urbana nas relações sociais. Utilizando um variado cardápio de métodos e técnicas de pesquisa, mas sempre fiel ao cânone de seus conterrâneos (a “ecologia humana” como “base” da análise sociológica, a dinâmica dos “círculos concêntricos” na organização espacial, o impacto da “modernização”, etc.), Pierson produziu pesquisas pioneiras sobre a cidade de São Paulo, abordando temas como habitação e hábitos alimentares.
Por fim, temos os “estudos de comunidade”, a pesquisa aprofundada do modo de vida tradicional de pequenas comunidades rurais, do qual os trabalhos sobre “Cruz das Almas” (Araçariguama) e o Vale de São Francisco oferecem os melhores exemplos. Aqui, tratou-se de abordar a vida social nessas comunidades na perspectiva do contínuo tradição-modernidade, fortemente informado pela sociologia da modernização de Robert Redfield.
Paralelamente à pesquisa empírica, a produção de Pierson focou fortemente em temas metodológicos, ressaltando a necessidade do trabalho empírico nas ciências sociais. Pierson foi ardente defensor de uma concepção “etapista” da Sociologia, segundo a qual os sociólogos de seu tempo deveriam abandonar as tendências “filosofantes” dos pioneiros da disciplina. Discordava frontalmente da afirmação de existência de diferentes “escolas sociológicas”: se a natureza humana é uma só em todo o lugar, argumentava, então o mesmo sistema conceitual deve servir para explicar a ação humana em todos os lugares. A tarefa do sociólogo moderno, portanto, não era perder-se em querelas doutrinárias, mas confrontar as teorias existentes com a realidade, em permanente refinamento de seu aparato conceitual. Esta agenda teórico-metodológica está bem representada nos estudos que publicou sistematicamente na seção “Notas Sociológicas” da revista Sociologia.
Pierson retorna aos Estados Unidos em 1950, encerrando o ciclo que havia começado com sua chegada à Bahia em 1935. Nos praticamente 15 anos em que aqui esteve, o sociólogo foi parte ativa, e muitas vezes protagonista, da institucionalização das Ciências Sociais no país. É possível dizer que influenciou toda uma geração de cientistas sociais que tocaram as pesquisas a partir de seu retorno, quanto mais porque vários tiveram grande destaque na área. Tal efeito não foi casual, mas consciente e ativamente buscado pelo estadunidense, que tratou seus projetos de pesquisa tanto como oportunidades de conhecimento da realidade quanto de formação profissional para seus alunos.
Sugestões de obras do autor
PIERSON, Donald. O estudo da cidade. In: Sociologia, São Paulo, V(4): 305-15, Out, 1943.
PIERSON, Donald. Brancos e Pretos na Bahia. São Paulo: Cia Editora Nacional, Coleção Brasiliana – Biblioteca Pedagógica Brasileira, vol. 241, 1945.
PIERSON, Donald. Cruz das Almas. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, Coleção “Documentos Brasileiros”, vol. 124., 1966.
Sobre o autor
SILVA, Isabela Oliveira Pereira da. De Chicago a São Paulo: Donald Pierson no mapa das ciências sociais (1930-1950). Tese de Doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.
MAIO, Marcos Chor; OLIVEIRA, Nemuel da Silva; LOPES, Thiago da Costa. Donald Pierson e o projeto do Vale do Rio São Francisco: cientistas sociais em ação na era do desenvolvimento. In: DADOS – Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, vol. 56, nº 2, 2013, p. 245-284.
LIMONGI, F. A Escola Livre de Sociologia e Política em São Paulo. In: MICELI, S. (org.). História das Ciências Sociais no Brasil 1, São Paulo: IDESP/Editora Vértice, [1989] 2001
LIPPI, Lúcia. Donald Pierson e a Sociologia no Brasil. In: Boletim informativo e bibliográfico de ciências sociais (BIB), Rio de Janeiro, nº 23, pp 35-48, 1987.