Por Christian M. De Britto (FATEV-Curitiba)
Dimas Floriani nasceu em 1950 na região do Vale do Itajaí, Santa Catarina, na então recém-criada localidade de Rio dos Cedros. É filho de descendentes italianos trentinos que lá chegaram no final do século XIX. Filho de mãe camponesa, de origem ítalo-austríaca, que diligentemente geria a casa e atendia as demandas de seus 10 filhos. Seu pai foi autodidata e exercia a função de “guarda livros”, providenciando a contabilidade de pequenas indústrias da região. Admirador de Leonel Brizola, envolveu-se no campo político chegando a ser prefeito da localidade no início da década de 1960.
Enquanto descobria, pelo contexto paterno, as práticas presentes no campo político, marcado por estratégias antagônicas que influenciavam o ethos local e definiam até mesmo os ânimos das torcidas dos clubes de futebol da região, aprendia com a mãe as responsabilidades inerentes à economia de subsistência, comumente praticadas pelos demais colonos. Iniciou seus estudos em meio ao rígido processo disciplinar, normatizador de hábitos, praticado pelas freiras catequistas segundo a tradição da Igreja Católica Romana. Em observação a um conselho paterno, escolheu cedo o caminho que deveria seguir, entre “a enxada e o livro”, optou por este – uma vez que naquele contexto a enxada poderia não lhe garantir um futuro. Estudou dois anos em um seminário da Ordem dos Salesianos, onde teve contato tanto com ideias modernizadoras propostas por Dom Bosco, quanto com o pensamento Gramsciano da escola do trabalho. Cursou o ginásio no Colégio Rui Barbosa, tendo acesso a professores excelentes, muitos deles ex-seminaristas, educados na França sob a influência de ideias de Marcelino Champagnat. Foi neste contexto que descobriu o amor pelos livros, desenvolvendo o autodidatismo – que daí em diante o levaria a buscar conhecer sempre mais do que recebia pela educação formal. Nos estudos realizados no Colégio Dom Pedro II, definiu-se pelos estudos clássicos afirmando sua preferência pelas humanidades. Ali, enquanto trabalhava durante o dia como topógrafo para se manter, já com 14 anos de idade e morador da cidade de Blumenau, vivenciou o clima político do Golpe de 1964.
Em 1969, com a ajuda de familiares, mudou-se para Curitiba, no Paraná. Foi quando ingressou no curso de Direito na UFPR, enquanto trabalhava em um escritório no período da tarde de modo a garantir seu sustento. Graças à destreza adquirida desde tenra idade na máquina de datilografia do pai, conseguia concluir suas responsabilidades rapidamente e com excelência, o que lhe permitia investir o tempo restante em meio aos livros da Biblioteca Pública do Paraná. Em um período de dois anos, seu apetite o levou a registrar a leitura de aproximadamente 300 livros. Nutrido por ideais de defesa aos mais pobres, motivo que o levou ao estudo do Direito, juntamente com sentimentos anti-ditadura militar e uma desconfiança acerca de instituições totalizantes, se envolveu na militância política e municiou-se de conhecimento participando de grupos de estudos de filosofia existencialista e marxiana, acessando também ideias de Trotsky e Mao Tsé-Tung, com colegas do Centro Acadêmico Hugo Simas – cuja fundação remonta à década de 1930. Por causa dos mecanismos de repressão e controle vigentes, se viu obrigado a trancar o curso de Direito.
Em 1970, matriculou-se como estudante de Filosofia, mas no ano seguinte se viu mais uma vez obrigado a abandonar os estudos. Foi quando encontrou refúgio no ano seguinte, aos pés da magnífica cordilheira dos Andes, na bela cidade de Santiago de Chile, onde foi acolhido por organizações de apoio, a chamada “caixinha”. A partir dali, teve acesso a grupos de estudo, viveu em acampamentos com construção e comida coletiva, e colegas empenhados em servir moradores que viviam na realidade das favelas chilenas, experiência compreendida por seu olhar como um laboratório de luta de classes. Ainda no clima político-cultural do governo de Salvador Allende, iniciou estudos na Faculdade de Economia Política, onde teve acesso a membros da elite intelectual latino-americana. Nesse período, também teve a oportunidade de iniciar estudos da língua alemã. Mas seus estudos foram interrompidos novamente, desta vez pelo Golpe de 1973 no Chile, com a subida do General Augusto Pinochet ao poder.
Ainda com a memória do ruído das bombas lançadas, pela força aérea chilena, no Palácio de La Moneda, se viu mais uma vez diante de fortes mecanismos de repressão e controle, que acabaram levando-o, juntamente com outros colegas, para o Panamá. Usufruindo das portas abertas pela embaixada daquele país, encontrou abrigo em um pequeno apartamento, que chegou a contar com uma população de 400 pessoas. Foi neste contexto que conheceu aquela que seria a sua companheira de vida, a uruguaia e futura médica obstetra Gladys de Souza.
Por meio de um comitê de apoio a refugiados, ambos encontraram asilo na Bélgica, onde construíram seu lar. Ali nasceram seus dois filhos, Nicolas e Nadia. Entre os anos de 1974 e 1976 concluiu sua graduação na Faculté des Sciences Politiques et Sociales, da Université Catholique de Louvain. Nos dois anos subsequentes, concluiu na mesma universidade o programa de mestrado com a apresentação da dissertação “Les relations entre l’État et les classes sociales dans un procès de dépendance: le cas du Brésil (1930-64)”.
Na década de 80 atendeu ao desejo que ardia em seu coração, o de voltar ao Brasil. Entre 1981 e 1988, novamente em Curitiba, trabalhou como pesquisador do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social, o IPARDES. Em 1988, tornou-se professor do curso de Ciência Política da UFPR. Em 1990, retorna à Louvain para desenvolver e defender a sua tese “Les agriculteurs modernisés au Paraná-Brésil – Trajectoires sociales et visions de classe”, sob orientação do professor Fréderic Debuyst, com quem já havia trabalhado no mestrado. Mesmo com grandes conquistas na vida acadêmica, não deixou de lado o comprometimento com o bem-estar dos povos latino-americanos, e em 1985 fez parte da fundação da Casa Latino Americana, a CASLA, por meio da qual desenvolveu projetos de democratização da educação na América Latina em parceria com a UFPR. Pela mesma parceria, é apresentador do programa semanal América Latina Viva, veiculado pela UFPR TV, e parte do comitê de organização do Congresso Internacional de Cultura e Educação para a Integração da América Latina (CEPIAL) – que além de evento constitui uma rede internacional de atores envolvidos com a pesquisa acadêmica, poder público e comunidades latino-americanas. Pela mesma rede, é editor da coleção bilíngue Semeando Novos Rumos – Sembrando Nuevos Senderos, com seis títulos publicados pela Editora da UFPR.
Em meio ao fervor das relevantes discussões levantadas internacionalmente através da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, a ECO-92, foi convidado para compor a equipe responsável pela fundação, no ano seguinte, do Curso de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR, o MADE – um programa pioneiro em nível nacional e internacional, com ênfase na abordagem interdisciplinar da questão ambiental e temas correlatos. Desde então se consolidou como um pesquisador de referência em abordagens epistemológicas e práticas que envolvem as relações natureza-sociedade, sempre a partir de uma visão crítica do capitalismo, com foco em paradigmas da diversidade com forte vinculação à produção intelectual latino-americana, e aproximação com autores decoloniais. Neste contexto, a abordagem socioambiental é tratada sem desconsiderar o que há de mais avançado em termos tecnológicos, mas com total comprometimento com uma base atual – que é recurso de sustentabilidade para o futuro. Tal desafio, que se inscreve no paradigma da complexidade e nos etnosaberes, se dá desde uma dimensão política da epistemologia, que reconhece as tecnociências ao mesmo tempo em que identifica os seus destinatários. Uma carreira marcada pelo projeto ético utópico de perseguir uma sociedade melhor, mais democrática, reconhecedora da diversidade e do acolhimento ao próximo. Tal perspectiva se traduz em um projeto epistêmico com vistas ao reconhecimento de pistas, e da construção de novas relações entre universidade e sociedade por meio de uma ciência pública, voltada às demandas de setores sociais mais vulneráveis. Para tanto, está envolvido com o projeto da Universidade Itinerante pelos Direitos Humanos, da Natureza, pela Paz e o Bem Viver (Unitinerante), através de mais uma parceria com a rede CASLA-CEPIAL, por meio da qual incentiva-se o diálogo de saberes e práticas entre diversos atores comprometidos com o desenvolvimento local sustentável.
Com uma trajetória sempre marcada pela ação – pautada em um olhar constantemente atento ao contexto latino americano, com sua rica diversidade, conquistas e lutas – e vigor traduzido em excelência acadêmica realizou seu pós-doutorado no Colégio de México, o COLMEX, em 2002. É também coordenador da linha e do grupo de pesquisa em Epistemologia e Sociologia Ambiental. É coeditor da Revista Desenvolvimento e Meio Ambiente, participa do GT em Teoria e Ambiente da ANPPAS, é professor visitante do CEDER-ULagos do Chile.
Sugestões de obras do autor:
FLORIANI, D. Conhecimento, meio ambiente e globalização. Curitiba-México: Editora Juruá-PNUMA, 2004.
FLORIANI, D. Crítica da razão ambiental: pensamento e ação para a sustentabilidade. São Paulo: Annablume, 2013.
FLORIANI, D.; HEVIA, ANTONIO. E. (Org.). América Latina – sociedade e meio ambiente: teorias, retóricas e conflitos em desenvolvimento. Curitiba: Editora UFPR, 2016.
FLORIANI, D.; KNECHTEL, M. R. Educação ambiental: epistemologia e metodologias. Curitiba: Vicentina Gráfica Editora, 2003.
FLORIANI, D. Interdisciplinaridade e Ambiente na América Latina. In: Leila da Costa Ferreira. (Org.). A questão ambiental na América Latina. Campinas: UNICAMP, 2011.
Sobre o autor:
Dimas Floriani. CPDOC-FGV, Memória das Ciências Sociais no Brasil. https://cpdoc.fgv.br/cientistassociais/entrevistas