Por Rodrigo Estramanho de Almeida (FESPSP)
A história da Sociologia no Brasil não pode ser reconstruída apenas pela abordagem das realizações de sociólogos stricto sensu. A emergência do ensino universitário no Brasil é fenômeno moderno com seus inícios delineados a partir dos anos 1930 e houve aqueles que se dedicaram à formação institucional do campo das ciências sociais mesmo que não fossem personalidades formadas de forma específica na área.
Assim, são muitos os nomes que devem figurar nessa história não porque tiveram formação institucional no campo do conhecimento sociológico, mas sim porque dedicaram parte importante de suas carreiras profissionais à formação de instituições voltadas ao ensino e à pesquisa em Sociologia.
Este é o caso de Cyro Berlinck, paulistano nascido em 6 de janeiro de 1900, filho de Horácio Berlinck (1868-1948), percursor da técnica contábil no setor industrial paulistano e principal incentivador da criação da Escola de Comércio Álvares Penteado; instituição batizada com o nome deste membro da elite industrial paulistana, chefe do pai de Cyro na Companhia Votorantim.
Cyro Berlinck, realizou os estudos primários e o ginasial no conceituado colégio São Bento e ingressou, aos 19 anos, na Escola Politécnica de São Paulo – atual Escola Politécnica da Universidade de São Paulo – formando-se em Engenharia Química em 1923.
Desde muito jovem e, provavelmente por influência do pai e da ambiência progressista que vivia a cidade em que nasceu e viveu, Cyro nutriu e cultivou interesses diversos por ciências e humanidades. Fluente nas línguas inglesa e francesa pôde ler com afinco muitos dos escritos de ciências sociais publicados nestes idiomas entre fins do século XIX e inícios do XX, antes mesmo de serem traduzidos para a língua portuguesa.*
Em idos das décadas de 1920 e 30, o circuito intelectual paulistano entrelaçava-se ao circuito social da elite comercial e industrial. Essas relações cruzadas levaram Cyro ao corpo administrativo da Companhia Têxtil Santa Basilissa, indústria bragantina da qual se tornaria presidente desde o falecimento do dirigente anterior, Dr. Geraldo Tosta, permanecendo no cargo até seu falecimento, em 20 de novembro de 1974.
Na década de 1940, devido à sua ligação com Roberto Simonsen (1889-1948) – engenheiro, economista e senador da república no primeiro período democrático após a era de Vargas – Cyro Berlinck, foi convidado a integrar comissões do Serviço Social da Indústria (SESI), onde promoveu diversas atividades de formação, estudos e pesquisas voltadas à produtividade e desenvolvimento industriais.
A relação de Berlinck com Simonsen, entretanto, vinha desde os tempos de sua passagem pela Escola Politécnica e justamente nos diálogos dessa amizade é que surgiu a ideia de criação de uma instituição que pudesse reunir intelectuais preocupados com os rumos do Brasil e que esses rumos pudessem ser pensados pela nova ciência que ganhava força nas principais universidades estrangeiras: a sociologia.
A ideia foi levada aos saraus e debates promovidos por José de Freitas Valle (1870-1958) em sua residência na Vila Mariana, espécie de salão intelectual à moda francesa, onde membros da elite intelectual, industrial e financeira da capital paulista reuniam-se para debater artes, literatura, política e sociedade.
Em fins de 1932, após a derrocada paulista na guerra e, preocupados com os rumos da modernização do país, a ideia foi fomentada nos debates da Villa Kyrial e levada à frente por Roberto Simonsen, Tácito de Almeida (1889-1940), Rubem Borba de Moraes (1899-1986) e, com a liderança de Cyro Berlinck, será criado o núcleo original da Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo – ELSP.
A Escola Livre de Sociologia e Política terá lugar nas instalações da Escola de Comércio Álvares Penteado – instituição dirigida por Horácio Berlinck. Muitas das figuras participantes dos debates na Villa Kyrial serão os signatários do manifesto de fundação da escola, tais como José de Alcântara Machado (1875-1941), Alexandre de Albuquerque (1880-1940), Antonio Piccarolo (1863-1947), Mário de Andrade (1893-1945), Sergio Milliet (1898-1966), Tacito de Almeida, Rubem Borba Moraes, entre outros.
Dentre esses nomes, destacaram-se aqueles que compuseram o corpo diretivo da Escola de Sociologia e Política de São Paulo: Tácito de Almeida tornou-se presidente do Conselho Superior e, junto com Simonsen, cuidava da viabilidade financeira da instituição. Cyro Berlinck e Sérgio Milliet ficaram encarregados de montar o programa pedagógico. Assim, em 27 de abril de 1933 teria início o primeiro curso de Sociologia do país, bem como a direção de Berlinck à frente da Escola Livre de Sociologia e Política e, posteriormente, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde permaneceu como diretor geral até o ano de 1966.
Sob a gestão de Cyro Berlinck, a escola tomou corpo, pois, atento ao que havia na produção internacional na Sociologia de matriz mais empírica e aplicada, vai convidar e buscar financiamento para que intelectuais estadunidenses, destacadamente Samuel Lowrie (1894-1975) e Horace Davis (1898-1999), viessem compor o quadro docente da instituição. Do mesmo modo, em 1939, buscando desenvolver mais a produção teórica, assim como o escorço metodológico do curso, será responsável pela contratação do sociólogo estadunidense Donald Pierson (1900-1995). Não resta dúvida que o caráter cosmopolita e inovador dos primeiros anos do curso de Sociologia e Política da Escola de Sociologia e Política de São Paulo deveu-se muito à atuação política e administrativa de Berlinck.
Ainda, entre o exercício do cargo de presidente da Companhia Têxtil Santa Basilissa e a direção geral da Escola de Sociologia e Política, Berlinck esforçou-se cotidianamente na busca de parcerias, projetos e estudos que a ESP pudesse realizar junto a órgãos governamentais de modo que a instituição conseguisse, simultaneamente, recursos financeiros e campo objetivo para aplicação de seus conhecimentos. Não era raro, pois, que os estudantes realizassem atividades de campo muitas vezes relacionadas a projetos e pesquisas focados em alguma política em implantação pelo setor público.
Além de sua contribuição direta na condução da Escola de Sociologia e Política, Berlinck também criou espaço para que a instituição passasse a abrigar e financiar, a partir de 1939, a Revista Sociologia e Política – um dos principais veículos da produção científica de ciências sociais no país até a década de 1960 – bem como foi responsável pelo acolhimento do curso de Biblioteconomia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, quando esse foi retirado, na gestão de Prestes Maia, do Departamento Municipal de Cultura de São Paulo. Ainda, em 1954 – durante o quarto centenário da cidade de São Paulo – conseguiu ensejar e realizar a compra pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – do casarão da Rua General Jardim onde até os dias atuais situa-se a sede da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.
Sinal claro de seu destaque na formação e consolidação do campo da sociologia brasileira, Berlinck ocupou, entre 1937 e 1950, sob a presidência de Fernando Azevedo (1894-1974), o cargo de segundo secretário no corpo diretivo da Sociedade Brasileira de Sociologia – SBS.
Como homem de administração e política, Cyro Berlinck (1900-1974) destacou-se muito, mas nenhuma de suas atuações legou mais do que os resultados de seu esforço incansável à frente da Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Entrementes, ainda produziu bons artigos sobre o lugar e os rumos da sociologia e dos sociólogos no Brasil, em escritos tais como Liderança e liberdade de 1934 e; Rumos da pesquisa social no Brasil de 1961.
Sugestões de obras do autor
BERLINCK, Cyro. A Escola de Sociologia e Política no XXV aniversário (1933-1958). Sociologia: revista dedicada à teoria e pesquisa nas Ciências Sociais, v. 20, n. 2 , p. 127-135, 1958. Disponível em: http://biblioteca.fespsp.org.br:8080/pergamumweb/vinculos/000011/000011d3.pdf. Acesso em: 11 nov. 2021.
BERLINCK, Cyro. A Fundação como instituição social no Brasil. Sociologia: revista dedicada à teoria e pesquisa nas Ciências Sociais, v. 22, n. 3 , p. 298-301, 1960. Disponível em: http://biblioteca.fespsp.org.br:8080/pergamumweb/vinculos/000011/000011d4.pdf. Acesso em: 11 nov. 2021.
BERLINCK, Cyro. Rumos da pesquisa social no Brasil. Sociologia: revista dedicada à teoria e pesquisa nas Ciências Sociais, v. 23, n. 4 , p. 371-374, 1961. Disponível em: http://biblioteca.fespsp.org.br:8080/pergamumweb/vinculos/000011/000011d5.pdf. Acesso em: 11 nov. 2021
BERLINCK, Cyro. Liderança e liberdade. Sociologia: revista dedicada à teoria e pesquisa nas Ciências Sociais, v. 26, n. 3 , p. 281-305, 1964. Disponível em: http://biblioteca.fespsp.org.br:8080/pergamumweb/vinculos/000011/00001102.pdf. Acesso em: 11 nov. 2021.
Sobre o autor:
KANTOR, I.; MACIEL, D.; SIMÕES, J. A Escola Livre de Sociologia e Política: anos de formação – 1933-1953 / depoimentos. São Paulo: Editora Sociologia e Política, 2009.
* Agradeço à sra. Maria Helena Berlinck, filha de Cyro, pelo depoimento sobre seu pai, concedido em novembro de 2021.