Por Fábio Nogueira (UNEB)
Clóvis Steiger de Assis Moura foi dos mais importantes e profícuos sociólogos brasileiros. Nascido em 10 de junho de 1925, em Amarante (Piauí) foi no interior da Bahia, na cidade de Juazeiro, nos anos 1940, que deu início à escrita de seu mais conhecido e pioneiro livro, Rebeliões da Senzala, publicado pela Editora Zumbi, em São Paulo, em 1959. A sua produção intelectual iniciada nos anos 1940 atravessou diferentes períodos da história nacional e teve como eixo o estudo da práxis negra a partir do materialismo histórico e dialético. Vinculou-se nos anos 1940 ao Partido Comunista do Brasil (PCB) na Bahia e foi diretamente influenciado pelo círculo de intelectuais formado por Jorge Amado, Edson Carneiro e Vivaldo da Costa Lima. Na interpretação mouriana, o quilombo não se trataria de um quisto ou sobrevivência cultural, mas uma resposta coletiva do escravizado a uma ordem social baseada no trabalho forçado em que este criou espaços alternativos de contrapoder e sociabilidade. O Quilombo dos Palmares, neste sentido, foi a mais emblemática e longeva experiência deste contrapoder que resistiu por mais de 100 anos e pôs em questão os fundamentos do trabalho escravizado e do colonialismo no Brasil do século XVIII. No processo de preparação de sua obra de estreia, Rebeliões da Senzala, Clóvis Moura correspondeu-se com intelectuais acadêmicos paulistas ou radicados fora da Bahia a exemplo de Arthur Ramos, Emílio Willems, Donald Pierson, Caio Prado Junior e Edson Carneiro.
Radicou-se em São Paulo a partir dos anos 1950. Vinculou-se ao círculo de intelectuais comunistas que orbitavam em torno de Caio Prado Júnior e colaborou com as Revistas Brasiliense e Fundamentos. Clóvis Moura divergiu da linha política e teórica hegemônica no PCB o que o fez ingressar, em 1962, no Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Moura atuou na imprensa paulista como redator e crítico literário em jornais como Diário da Noite, Diário de São Paulo, Última Hora e Folha de São Carlos e, ao mesmo tempo, produziu obras sobre a contra-violência do escravizado como elemento ativo na desagregação do modo de produção escravista. Em 1975 funda o IBEA – Instituto Brasileiro de Estudos Africanistas (IBEA) e estende a sua interlocução a intelectuais norte-americanos e africanos. Integrou, em 1974, a delegação brasileira que participou da Conferência de Cultura Negra em Dakar, no Senegal, organizada sob os auspícios de Leopold Senghor (1906-2001), presidente daquele país e uma das principais referências do movimento da Negritude francófona. Participou de encontros acadêmicos nos anos 1970 no Panamá, Porto Rico e Estados Unidos. Em 1977 publicou Negro: Bom escravo, mau cidadão? obra que condensa os reflexos do escravismo à sociedade capitalista competitiva e a ideologia do negro como “mau cidadão” que tinha por finalidade justificar barragem social deste, assim como, a negação de direitos sociais como saúde, educação, acesso à terra e aos direitos trabalhistas. Nesta obra relaciona os processos de resistência ao escravismo de uma perspectiva comparada dialogando com suas expressões em outros países da América Latina e do Caribe. Clóvis Moura contribuiu particularmente ao campo da sociologia histórica e da sociologia do conhecimento sendo autor de dois livros emblemáticos a este respeito, A Sociologia posta em questão (1978) e as injustiças de Clio: o negro na historiografia brasileira (1990).
Clóvis Moura fez Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras no período em que morou em Salvador nos anos 40. Apenas nos anos 80, Clóvis recebeu o título de Doutor Honório Saber, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, da Universidade de São Paulo. Este título permitiu que atuasse como examinador em bancas de mestrado e doutorado na USP e na UNICAMP. Durante a década de 80 também constitui um círculo de intelectuais mais amplo – formado por intelectuais brasileiros e estrangeiros – entre os quais os sociólogos Florestan Fernandes (1920-1995), Octávio Ianni (1926-2004), Jacob Gorender (1923-2013), e os antropólogos João Batista Borges Pereira (USP), Kabengele Munanga (USP), Vivaldo Costa Lima (1925-2010), Miriam Nicolau Ferrara, Yeda Pessoa de Castro, Thomas Skidmore, Manuel Correia de Andrade, Jean Ziegler, Stuart Schwartz, entre outros.
A retomada do ativismo negro pós ditadura civil e militar (1964-1988) teve na obra e no trabalho de Clóvis Moura uma de suas principais influências ao denunciar o mito da democracia racial, o racismo e a exclusão social do negro e da negra dos espaços de poder, a precarização e superexploração do trabalho negro e a negação de direitos. Nos anos 1980 e 1990 publica, entre outros livros, Quilombos e a Rebelião Negra (1981), Sociologia do Negro Brasileiro (1988) e A Dialética Radical do Brasil Negro (1994), obras que amplificam e redefinem aspectos ligados a dinâmica sócio-histórica do associativismo negro e sua resistência ao escravismo e a marginalização na sociedade capitalista competitiva. Sua interpretação sobre a luta negra vinculou-a aos movimentos camponeses como em A Sociologia Política da Guerra Camponesa de Canudos – Do desparecimento de Belo Monte ao MST (2000) que dialoga diretamente com trabalhos mais voltados ao pensamento social brasileiro como é o caso do seu Introdução ao Pensamento de Euclides da Cunha, publicado em 1964. Em 2003, ano de seu falecimento, publicou A encruzilhada dos Orixás: problemas e dilemas do negro brasileiro e em 2004, postumamente, foi publicado seu último trabalho, Dicionário da Escravidão Negra no Brasil. Esta trajetória intelectual ímpar, assim como suas obras e trabalhos, permanece pouco conhecida nos círculos intelectuais e acadêmicos, algo injustificável dado a qualidade de sua abordagem teórica inovadora, assim como, do rico manancial de temas que estudou ao longo de suas pesquisas (religiões de matriz africana, associativismo negro, imprensa negra, literatura de cordel, quilombos, escolas de samba, grupos culturais negros, pensamento social brasileiro etc).
Clóvis Moura faleceu em São Paulo no dia 23 de dezembro de 2003.
Sugestões de obras do autor:
MOURA, Clóvis. Rebeliões da Senzala: quilombos, insurreições, guerrilhas. São Paulo: Edições Zumbi, 1959.
MOURA, Clóvis. O negro: de bom escravo a mau cidadão? São Paulo: Conquista, 1977.
MOURA, Clóvis. Os quilombos e a rebelião negra. São Paulo: Editora Brasiliense, 1981b.
MOURA, Clóvis. Sociologia do negro brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1988b.
MOURA, Clovis. A encruzilhada dos Orixás: problemas e dilemas do negro brasileiro. Maceió: EDUFAL, 2003
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