Por Amurabi de Oliveira (UFSC)
Clarissa Eckert Baeta Neves nasceu em Tuparendi, Rio Grande do Sul, de ascendência alemã (aprendeu português apenas aos seis anos de idade na escola), era filha de um pastor luterano e a mais velha dentre três irmãs, sendo Córdula a do meio, e Cornélia, a mais nova, também é professora na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), atuando na Antropologia.
Sua trajetória escolar iniciou-se em uma escola unidocente em Vila Doutor Augusto Pestana. Quando seu pai foi convidado para ir para Cachoeira do Sul assumir a comunidade luterana nesta cidade, ele se mudou com sua família e Clarissa continuou seus estudos lá, onde concluiu a Escola Normal e o Clássico. Surgiu daí seu interesse pelo campo das ciências humanas e sociais, tendo tido seu primeiro contato com a Sociologia através do livro do Amaral Fontoura (1912-1987) Introdução à Sociologia. Em Cachoeira do Sul, começou sua trajetória de o envolvimento com as ações sociais promovidas pela Igreja Luterana, tendo pensado em fazer a faculdade de teologia, mas que na época não aceitava mulheres. Buscou, então, outro curso que convergisse com seus interesses pelas dimensões da vida social. No emblemático ano de 1968, mudou-se para Porto Alegre para realização do curso pré-vestibular, tendo ingressado em 1969 no curso de Ciências Sociais da UFRGS. Foi aluna de alguns docentes que posteriormente se tornariam seus colegas de trabalho como Helgio Trindade e Ruben Oliven. Também foi no curso de Ciências Sociais que conheceu seu futuro marido Abílio A. Baeta Neves. Os dois seguiram juntos a carreira nas Ciências Sociais, porém ele optou pelo caminho da Ciência Política.
A realização de seus estudos de graduação ocorreu, portanto, durante os chamados “anos de chumbo” da ditadura civil militar brasileira, com presença de agentes do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) em sala de aula muitas vezes. Durante esse tempo cumpriu uma dupla jornada como estudante e como professora da educação infantil. A Reforma Universitária de 1968 teve impactos significativos no sistema universitário brasileiro, inclusive sobre a pós-graduação. No momento em que Clarissa estava se formando criou-se o mestrado de Sociologia e Ciência Política da UFRGS. Ao final de sua graduação realizou pesquisas no SENAC, e a convite do professor Darcy Closs participou de uma pesquisa encomendada pela CAPES que buscava realizar um diagnóstico da pós-graduação brasileira.
Com o apoio de um programa da Igreja Luterana da Alemanha, Clarissa e seu marido realizaram um curso de doutorado na Alemanha. Ainda que o programa financiasse também a realização de estudos pós-graduados em outros países, sua opção foi pela Alemanha, considerando que ela já dominava o idioma, seguindo para Münster, onde foi orientada pelo professor Achim Schrader. Entre 1976 e 1979 produziu a tese Die Post-Graduierung im brasilianischen Hochschulwesen. Entwicklung und Ergebnisse.1965-1975 (A Pós-graduação no ensino superior brasileiro. Desenvolvimento e resultados. 1965-1975), tendo assumido uma posição de professor assistente na mesma universidade, período no qual ajudou a fundar o Centro de Estudos Latino-americanos (Cela) e a organizar uma revista intitulada Anuário de Estudos Latino-americanos. O período de sua formação acadêmica na Alemanha foi decisivo no processo de construção de suas principais referências teóricas. Foi nesse momento que entra em contato com a obra de Niklas Luhmann (1927-1998).
De volta ao Brasil, ingressou na UFRGS com uma bolsa de recém-doutor do CNPq em 1981, tornando-se professora adjunta desta instituição no ano seguinte. Ao longo de quase quatro décadas, como professora e pesquisadora, Clarissa Neves, realizou um intenso trabalho na graduação e pós-graduação, tendo supervisionado 28 dissertações de mestrado e 20 teses de doutorado e foi coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Sociologia por três vezes. Foi ainda uma das fundadoras do Grupo de Estudos sobre Universidade (GEU) da UFRGS.
É considerada como uma das principais referências no campo da Sociologia da Educação no Brasil, especialmente no que tange ao debate e a pesquisa sobre Ensino Superior.
Em termos institucionais coordenou inúmeros grupos de trabalho em congressos nacionais e internacionais, com destaque para sua atuação na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) e na Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), nas quais fundou e tem coordenado grupos de trabalho sobre Ensino Superior. Além de ser atualmente bolsista nível 1A do CNPq, também foi agraciada com o Prêmio Florestan Fernandes no XIX Congresso da Sociedade Brasileira de Sociologia, em 2019.
No plano internacional destaca-se sua atuação como professora visitante em diversas instituições tais como a Universidade do Arizona, Universidade do Sul da Califórnia, Universidade de Lisboa e Universidade de Münster. Foi selecionada em 2007 pelo Fulbright New Century Scholar Program, um projeto que envolveu mais de 30 pesquisadores de diversas partes do mundo, sendo a representante do Brasil.
A sua vasta produção de alta relevância para o campo de pesquisa atestam a seriedade com que Clarissa encara o trabalho intelectual. Clarissa mostra grande generosidade para com seus estudantes e seus pares, sempre disposta a abrir portas e criar novas parcerias e colaborações.