Por Glauciria Mota Brasil (LABVIDA-UECE),
Geovani Jacó de Freitas (COVIO-UECE) e
Luiz Fábio S. Paiva (LEV-UFC)
César Barreira, nasceu no ano de 1947, em Fortaleza (CE). O quinto de nove filhos (quatro mulheres e cinco homens) de família católica, tradicional de classe média, cujos pais eram filhos de proprietários rurais, naturais do município de Quixadá, no sertão central do Ceará. Estudou no colégio dos Jesuítas, em regime de semi-internato e concluiu o Científico no Colégio Castelo Branco, em Fortaleza. Participou dos movimentos estudantis secundarista e universitário, e da política de esquerda, tornando-se próximo do Partido Comunista do Brasil (PC do B). Se graduou em Ciências Sociais pela UFC (1972), fez mestrado em Sociologia na UnB (1977), doutorado em Sociologia na USP (1987) e pós-doutoramento na École des Hautes Études en Sciences Sociales – Paris (1990) e no Instituto de Ciências Sociais – Lisboa (2008).
Seu percurso como sociólogo pode ser descrito antes e depois do seu ingresso como professor assistente do Departamento de Ciências Sociais da UFC (1980). Primeiro, após graduado, foi convidado para ser professor horista no Curso de Ciências Sociais da UFC, mas foi barrado pelo SNI por ter ‘posições esquerdistas’. Foi trabalhar no Piauí no setor de pesquisa da Fundação Projeto Piauí (1973). Em 1975, iniciou seu mestrado em Sociologia na UnB, pesquisando as relações de trabalho na cultura do algodão. Tornou-se professor visitante na UFPB, no então campus de Campina Grande (1978-1980), onde ministrou as disciplinas Movimentos Sociais Rurais e Mudanças Sociais no Brasil. Essas experiências serviram-lhe de laboratório aos estudos sobre conflitos sociais no campo. Segundo, já como professor da UFC, ingressou no doutorado na USP (1982), com pesquisa sobre estruturas de poder e movimentos sociais no campo. Foi no doutorado que as influências trazidas da docência em Campina Grande se fizeram sentir: a violência no campo. No seu pós-doutoramento na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris (1990), César não só delimitou seu objeto de pesquisa relacionado à violência rural no Brasil, como identificou a temática do “crime por encomenda” no seu interior, operando um recorte a partir das relações entre o pistoleiro (autor material do crime), o mandante (autor intelectual do crime) e as relações socioculturais, políticas e morais que estruturam o ‘crime por encomenda’ nas tessituras da questão agrária no país.
A pessoa César Barreira funde-se ao sociólogo numa rica trajetória acadêmica, intelectual e afetiva, construída nas ‘trilhas e atalhos’ do poder. Tais trilhas não o levam a um lugar de poder, mas às redes de poderes por meio de seu exercício coletivo. É nesta conjugação que ele contribuiu para consolidação da Sociologia brasileira, especialmente no campo da Sociologia do conflito, da violência e da segurança pública no país. Barreira tem como característica principal a construção de espaços coletivos em estreita relação com a sociedade civil. Como costuma dizer, seu trabalho se caracteriza pela capacidade de envolver pessoas e conduzir equipes em diversas atividades de pesquisa que marcam sua história como professor-pesquisador. Não à toa foi presidente da SBS (2001 a 2003), o que lhe permitiu ampliar o debate sobre “a história, os embates, as dúvidas, os aspectos relevantes e as perplexidades da sociologia no Brasil, e nos oferece um panorama de seu desenvolvimento como ciência, e como um conjunto de instituições e de trabalhos coletivos múltiplos”, como bem assinalou Lúcio Oliver Costilla (2003).
No Ceará, contribuiu na construção do PPGS/UFC e foi um dos responsáveis pela sua consolidação e internacionalização por meio de redes de diálogos que conectaram o Ceará a outros centros de estudos, sobretudo com a França, onde foi Titular da Cátedra em Ciências Sociais Sérgio Buarque de Holanda – Maison des Sciences de l’Homme/ Université Lumière Lyon 2 (2000/2002). A sua dedicação ao PPGS contribuiu para que este se tornasse referência e se consolidasse como espaço de conhecimento de excelência e interdisciplinar. Isto possibilitou que sua trajetória fosse marcada por parcerias como a do Núcleo de Antropologia da Política (NUAP) do Museu Nacional/UFRJ. Sua rara competência interdisciplinar pode ser mensurada pela qualidade de trabalhos, como seu livro Crimes por encomenda. César nos faz passear para além das fronteiras disciplinares, em uma verdadeira aula sobre como fazer pesquisa com diferentes recursos teórico-metodológicos.
A importância de César Barreira tem se dado não apenas nacional e internacionalmente. O seu modus operandi contribuiu para a criação da Sociologia da violência no Ceará e responsável pela formação de gerações de pesquisadores(as) sobre violência e conflito social nos diversos espectros multidisciplinares. A criação do LEV – Laboratório de Estudos da Violência, vinculado ao Departamento de Sociologia da UFC, em 1994, é emblemático desse modus operandi.
Barreira conseguiu, com sensibilidade e liderança, fomentar boas práticas e exemplos de como a vida acadêmica, apesar de competitiva, pode ser feita com respeito e fraternidade. Assim, o LEV inspirou a criação de outros laboratórios de estudos e pesquisas como o LABVIDA – Laboratório de Direitos Humanos, Cidadania e Ética; o COVIO – Laboratório de Estudos sobre conflitualidade e Violência, ambos na UECE; o LEVIS – Laboratório de Estudos em Violência e Segurança Pública da Universidade Estadual do Cariri; e o Grupo de Pesquisa em Segurança Pública, Justiça e Direitos Humanos (SEJUDH) da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira.
César idealizou e foi o primeiro diretor do Colégio de Estudos Avançados da UFC (criado em 2016), um ambiente interdisciplinar de produção e promoção do conhecimento acadêmico. Também vivenciou a experiência de gestor público como diretor geral da Academia Estadual de Segurança Pública do Ceará -AESP/CE, (2011-2012). Sua passagem pela AESP trouxe mudanças significativas ao processo de educação das polícias do Estado.
Sugestões de obras do autor:
BARREIRA, C. Le pistolet et la politique: la mort sur ordonnance. CAHIERS DU BRESIL CONTEMPORAIN, Paris, v. 17, p. 35-52, 1992.
BARREIRA, C. Trilhas e Atalhos do poder: conflitos sociais no Sertão. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1992.
BARREIRA, C. Crimes por encomenda: a pistolagem no cenário brasileiro. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1998.
BARREIRA, C. (Org.) Questão de segurança: políticas de segurança e práticas governamentais. de Janeiro: Relume Dumará, 2004.
BARREIRA, C. Cotidiano despedaçado: cenas de uma violência difusa. Campinas(SP): Pontes Editora, 2008.
COSTILLA, L. F. O. Resenha. A Sociologia no tempo: memória, imaginação e utopia BARREIRA, C. (Org.). São Paulo: Cortez, 2003. Revista das Ciências Sociais – Volume 34 – número 2 – 2003. Disponível em: http://www.repositorio.ufc.br/bitstream/riufc/9811/1/2003_art1_lfocostilla.pdf