Carmem Regina Ribeiro

Por Louise Ronconi de Nazareno (IPARDES)

Curitibana, filha de operário, Carmem nasceu em 23 de junho de 1950 e passou sua primeira infância na zona rural, já que os pais foram empregados para cuidar de um haras nos arredores de Curitiba. Para iniciar os estudos precisou vir para casa da avó, pois não havia escolas na zona rural aonde morava. Fez escola normal e, em 1968, no auge das movimentações estudantis começou o curso de Serviço Social na PUC-PR. O campus era pequeno e a escola de serviço social funcionava junto a um seminário de freiras. Um dos seus primeiros engajamentos tratava do direito de usar “calça comprida” na faculdade. Mesmo num contexto religioso, o corpo docente do curso era progressista e houve muitas discussões e as decisões de participação eram sempre debatidas e negociadas entre professores e alunos, até que em 1969, quase todos os professores foram despedidos restando apenas aqueles mais conservadores e apoiadores do regime militar. Essa foi uma das razões que a fez desistir do curso. Mas, o principal motivo é que, vindo de família de classe média baixa, não podia pagar a faculdade, tendo bolsa completa do Ministério da Educação – MEC, que no meio de 1970 foi interrompida. Abandonou serviço Social para iniciar em seguida o curso de ciências sociais na Universidade Federal do Paraná.

Quando voltou a estudar, em 1971, estava trabalhando como auxiliar técnica na prefeitura de Curitiba no Departamento de Bem-Estar Social e casou no mesmo ano com o líder sindical e advogado Cláudio Ribeiro. Seu marido teve que sumir e foi preso e torturado no começo do ano, fruto dos comuns inquéritos policiais militares da época. Nesse período, a repressão estava violenta, tanto que, quando seu marido voltou, e começaram a persegui-la, resolveram fugir e ficaram afastados por dois meses. O que a levou a abandonar a faculdade mais uma vez, perder o emprego por abandono e a sua sogra a contratar um advogado para descobrir as fases do processo instaurado contra ela. A fase mais perigosa era a de inquérito, quando se faziam as prisões e torturas para “arrancar” depoimentos. Mas, quando o processo chegou já ao tribunal militar, voltaram para Curitiba, e ela se apresentou na auditoria militar. Todo o processo após esse momento durou um ano e foi absolvida, o que não significava nada muito além de não ser presa, pois não conseguia nenhuma certidão de ausência de ficha no Departamento de Ordem Política e Social – DOPS.

Voltou para ao curso. Na faculdade, para burlar as falhas da formação – não tiveram nenhum conteúdo de Marx – os alunos faziam grupos de estudos e procuravam importar livros em espanhol. Também assumiu um trabalho de professora normalista, adiando entregar o atestado definitivo do DOPS até quando pode. Em seguida, já em 1973, teve sua primeira filha, Ana Maria. Depois de não continuar como professora pelos impedimentos legais, conseguiu estágio no IPARDES e mesmo sendo apenas estagiária o instituto inscreveu-a no curso de planejamento em parceria da Superintendência do Desenvolvimento da Região Sul – SUDESUL e Universidade Federal do Paraná – UFPR.

Após formada, sobreviveu de atividades pontuais até que pode ser contratada pelo IPARDES em 1975. Pouco depois, em 1977, alguns colegas do IPARDES foram comunicados que seriam demitidos, por pressão do governo. Ela foi demitida pouco mais tarde que os demais pois estava em licença maternidade, teve seu segundo filho, Paulo. Mais tarde, lendo reportagem soube que as brigas entre generais, Geisel contra o mais linha dura Silvio Frota, havia produzido uma lista de 97 “comunistas” que eram servidores públicos e deviam ser demitidos. O seu nome estava lá. O grupo demitido fez várias denúncias aos jornais e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC. “Amargou” o desemprego por uns tempos, enquanto fazia o mestrado em história na UFPR, com bolsa, até que foi convidada, por Zélia Passos, para trabalhar na área social do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC. Não defendeu a dissertação, por isso, manteve apenas o título de especialista.

Outro episódio repressivo importante na sua trajetória envolveu a perseguição à Escola Oficina, uma experiência cooperativa de educação de crianças, montada pelos pais amigos, que acolhiam principalmente os militantes que voltavam da clandestinidade e estavam tendo seus filhos e ainda não tinham uma sociabilidade na cidade. Seus dois filhos, Ana Maria e Paulo, participaram da escola oficina. Todas as decisões pedagógicas eram decididas e feitas no coletivo dos pais, incluindo as atividades financeiras e burocráticas. Ser um militante que enfrentava a ditadura comprometia as pessoas com quem conviviam, por isso, muitas vezes colegas pediam que o militante não frequentasse a sua casa, já que qualquer envolvimento com alguém perseguido podia derivar para perseguições indiretas. A ditadura privava as pessoas de uma sociabilidade mais aberta. Para a polícia, a escola seria uma atividade para encobrir uma suposta organização clandestina de organização comunista da luta armada. A escola sofreu uma série de roubos estranhos em que cada vez algum material e aparelho era roubado, em seguida, a polícia fez a denúncias e vários pais integrantes foram presos. Aos poucos foram liberados, na época, a Anistia Internacional chegou a visitar Curitiba.

Nesse período, a prefeitura ansiava por melhorar a área de planejamento social e o trabalho no IPPUC se diferenciava daquele do IPARDES, porque era mais voltado a resolver problemas como definir aonde implantar equipamentos sociais ou como reestruturar a política de habitação urbana visto o aumento de ocupações irregulares na cidade. Muitos trabalhos sobre perfil da população e do mercado da cidade, estruturação de infraestrutura, implantação de creches e outras estruturas de construção das políticas públicas municipalizadas foram realizados na equipe do IPPUC.

Carmem Ribeiro, afetuosamente chamada de Carminha, por colegas e amigos sempre adotou uma postura engajamento político público e não se furtou a se posicionar. Aos fins de semana, no início dos anos 1980, junto com outros voluntários, ela discutia com a população residente em ocupações periféricas ainda não regularizadas em Curitiba e auxiliava na organização de associações de moradores e estruturas para que os próprios moradores criassem alternativas de melhoria da vida urbana e pudessem reivindicar junto ao poder público seus direitos. Foi uma experiência rica para compreender o que a população pensava sobre o seu espaço urbano e domiciliar e como se organizavam coletivamente. Nesse momento, movimento sindical e movimento de bairros se apoiavam no pleito aos direitos.

No final dos anos de 1980 e início da década de 1990, sua atuação profissional no IPPUC possibilitou uma maior especialização na área da saúde, tanto na sua formação, pela realização do Curso de Organização de Sistema de Saúde da Fundação Osvaldo Cruz/ENSP, como participando diretamente da implantação do SUS em Curitiba e Região Metropolitana. Atuou na capacitação dos profissionais da Rede Pública para a nova visão da atenção à saúde, universal, integral, atuando em territórios com sua complexidade socioeconômica, cultural, ambiental. Temas novos para a saúde como as questões relativas à violência urbana e violência doméstica mereceram estudos e propostas como a implantação do SAMU, a construção de Rede de proteção às Crianças e Adolescentes vítimas de violência, a atenção às mulheres em situação de violência. Protocolos foram construídos exigindo um forte trabalho de articulação interinstitucional.

A aposentadoria do IPPUC, em 2004, não a fez parar com projetos profissionais. Trabalhou oito meses no Ministério da Saúde com a proposta de implementação do SAMU, em 2003. Elaborou em equipe vários Planos Diretores de prefeituras, majoritariamente paranaenses, por consultoria e por breve tempo, participou da gestão de Lígia Mendonça (PT) na secretaria de Saúde do município de Piraquara. No Conselho Regional de Psicologia, coordenou pesquisas sobre os perfis profissionais no psicólogo nas áreas sociais, por quatro anos e por fim, seu último compromisso profissional foi na gestão municipal do prefeito de Curitiba, Gustavo Fruet, na gestão de Adriano Massuda na Secretaria Municipal de Saúde.

Ainda ativa, participa como representante da Rede Nacional Feminista de Saúde Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos, no Conselho Estadual dos Direitos da Mulher – CEDM e Conselho Estadual de Proteção às Vítimas de Abuso Sexual – COPEAS. Carmem desenvolve projetos de estudos e análise de dados voluntariamente para a rede, que é formada por organizações não-governamentais, grupos feministas, pesquisadoras e grupos acadêmicos de pesquisa, conselhos e fóruns de direitos das mulheres, além de ativistas do movimento de mulheres e feministas, profissionais da saúde e outras que atuam no campo da saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos.

Sugestões de obras da autora:

PMC; IPPUC. Violência contra a mulher: vítimas e agressores levantamento realizado na Delegacia da Mulher -Curitiba out/99 a maio/00. Curitiba: IPPUC, 2001.

MURARO, HEDI Martha (org.) Protocolo da Rede de Proteção à Criança e ao Adolescente em Situação de Risco para a Violência / organização Hedi Martha Soeder Muraro ; equipe técnica Bruna Trovão… [et al.] ; co-autores Andrea da Silva Sant’Ana …[et al.]. – 3. ed. rev. e atual. Curitiba: Secretaria Municipal da Saúde, 2008. 160 p. Disponível em: https://www.google.com/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&source=web&cd=&ved=2ahUKEwiLt6zFjIP7AhWVvJUCHdqPBEAQFnoECA4QAQ&url=https%3A%2F%2Ffas.curitiba.pr.gov.br%2FbaixarMultimidia.aspx%3Fidf%3D391&usg=AOvVaw3PIeXo9R3dLBG30UNpiXNM Acesso em: 28 out. 2022.

MELCOP, Ana Glória; OLIVEIRA, Evaldo (orgs.). O Impacto do uso de álcool e outras drogas em vítimas de acidentes de trânsito. Associação Brasileira dos Departamentos de Trânsito. Brasília: 1997.

RIBEIRO, Carmen [et al.]. Cuidados às Mulheres em Situação de Violência Doméstica e Sexual na Rede de Atenção Primária à Saúde. Programa de Atualização em Enfermagem – PROENF. Ciclo 8, vol 2. Porto Alegre: Ed. Artmed Panamericana, 2020. Disponível em: https://portal.secad.artmed.com.br/artigo/cuidados-as-mulheres-em-situacao-de-violencia-domestica-e-sexual-na-rede-de-atencao-primaria-a-saude Acesso em 28 out. 2022

DALTOÉ, Camila; RIBEIRO, Carmen. Violências contra as mulheres: perspectivas para avançarmos sobre o legado de lutas. In Emilia Senapeschi, Leina Peres (orgS.) Dossiê de 30 anos da Rede Feminista de Saúde: democracia, saúde das mulheres, direitos sexuais e direitos reprodutivos. Curitiba: CRV. 2021. 156p. Acesso: https://redesaude.org.br/wp-content/uploads/2021/12/Dossie%CC%82-de-30-anos-da-Rede-Feminista-de-Sau%CC%81de_Livro-Digital.pdf Acesso em 28 out. 2022