Por Carlos Eduardo Pinto Procópio (IFSP; CEBRAP)
Candido Procópio (1922-1987) nasceu em São Carlos, mas viveu quase toda a vida na cidade de São Paulo. Filho de uma família abastada, estudou no Colégio São Luís, de inspiração jesuíta e, posteriormente, formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (1945) e depois em Filosofia, pela PUC-SP (1949). Sua formação intelectual ainda contou com uma especialização na Sorbonne Université (1947) e um doutorado na Columbia University (1954), ambos na área de filosofia.
Mesmo se aprofundando em temas de cunho filosófico ao longo de sua formação inicial, e ter cogitado seguir uma carreira religiosa, passando seis meses como noviciado na ordem dos dominicanos na capital paulista, foi na sociologia onde encontrou sua vocação. Atuou como professor na Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1951-1966), na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro (1963-1969) e na Faculdade de Saúde Pública da USP (1968-1975). Mas seu papel não se resumiu a aulas e pesquisas, onde foi pioneiro nas frentes que encampou, tendo sido ainda diretor do Centro de Estudos de Dinâmica Populacional (CEDIP/USP), além de fundador e presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). Por tudo isso, Procópio não deixa e nem poderia deixar de ocupar um lugar de destaque no rol dos profissionais que contribuíram para a consolidação da sociologia brasileira.
Procópio dedicou parte de sua carreira aos estudos demográficos, onde contribuiu na elaboração de reflexões sobre a dinâmica populacional brasileira, quando estava à frente do CEDIP. Também enfrentou o tema da pobreza, quando, já no CEBRAP, reuniu pesquisadores para dar conta de uma demanda oriunda da Arquidiocese de São Paulo, que se interessava pelo tema, sendo um dos resultados o impactante livro São Paulo 1975: crescimento e pobreza. Mas foi na sociologia da religião que vamos encontrar seu maior legado intelectual. Dedicou toda uma vida para ver a sociedade como mudança, onde transformações oriundas dos processos de industrialização faziam com que novas formas de sociabilidade se modelassem. Frente a isso, nada melhor que olhar para a religião para ver as marcas desta mutação. Antes que uma compreensão da religião a partir de seus elementos rituais ou étnicos, é seu papel no processo de transformação da sociedade que chama a atenção de Procópio. Para ele, como bom weberiano que era, se existe algo de forte na religião para mover o mundo, esta força está na direção que ela imprime para a vida e não naquilo que dela permanece ou quer permanecer.
Para Procópio, religiões como o kardecismo e a umbanda, mas também algumas formas de catolicismo popular e nas vertentes protestantes, quando desenvolvidas em um contexto de mudança social intensa (urbanização e industrialização), conseguem promover novas formas de conduta que colaboram com o processo de racionalização da vida. Os regimes de internalização que estas religiões trariam consigo funcionariam como mecanismo de individuação, que libertaria os sujeitos do caráter compulsório da solidariedade encontrada nas religiões tradicionais. A conversão a essas novas formas religiosas se daria sempre como um ato volitivo, fomentando uma ruptura com o passado e promovendo um novo estilo de vida, fermento para uma postura moderna, secular e democrática. Esses eram, diga-se de passagem, os objetos de busca comum entre os intérpretes ao longo do período em que Procópio produziu sua reflexão. Portanto, mesmo que as práticas daquelas religiões ainda pudessem ser concebidas como mágicas, seu assento destradicionalizante (secularização) permitia que elas servissem como uma forma transitória, ajustando os comportamentos de uma população que cada vez mais se desenraizava, ao mesmo tempo em que operava como mediadoras diante das situações de anomia e da privação colocada pela vida urbana.
Por mais que muitas das impressões elaboradas por Procópio não pudessem ser sustentadas, por capricho de uma história que ele não pôde acompanhar, seus delineamentos foram paradigmáticos e suas obras Kardecismo e umbanda (1961) e Católicos, protestantes, espíritas (1973) são leitura obrigatória se se quer entender os primórdios da sociologia da religião no Brasil.
Procópio também foi o responsável pela gestão e desenvolvimento de alguns centros de investigação. No CEDIP agregou, organizou e dirigiu pesquisadores que puderam trilhar o caminho das reflexões sobre as questões populacionais. Seu papel neste campo foi reiteradamente lembrado postumamente por personagens como Elza Berquó e Maria Stella Ferreira Levy. Já no CEBRAP, será o responsável pela criação de um setor dedicado ao estudo da religião, que vai jogar papel importante na formação, sobremaneira dos pesquisadores Reginaldo Prandi e Antonio Flávio Pierucci. É também no CEBRAP que vamos encontrar sua face mais combativa. Em meio à perseguição da ditadura militar vai atuar como um mediador entre a universidade e o Estado, proteger colegas de profissão, dialogando com os órgãos de repressão, além de buscar fundos para a realização de projetos de investigação, beneficiando pesquisadores que então eram aposentados compulsoriamente pelo regime e proibidos de acessar recursos públicos. Não é à toa que lhe caiu bem a alcunha de gentil combatente, dada por Paul Singer, que expressava sua face colaborativa e compromissada não só com a sociologia, mas também com a sociedade brasileira.