Por João Gabriel Teixeira (UFMG)
Carioca de nascimento (junho do 1945) e mineira de formação universitária, Berenice Guimarães cursou Sociologia e Política da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG entre os anos de 1966 e 1969. No trato pessoal também era mineira e carioca na presença forte, na fala direta, elegante e irreverente.
Em 1975 teve início a sua carreira de professora de Sociologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG, onde se aposentou, em 1993, como professora adjunta.
Foi também pesquisadora na Fundação João Pinheiro e professora da Escola de Governo da mesma instituição, por mais de uma década a partir de 1976. Entre os trabalhos que realizou se destacam a avaliação e propostas de políticas públicas de habitação para a população de baixa renda.
Entre 1999 e 2001 foi professora visitante na Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF) junto ao Curso de Ciências Sociais e ao Mestrado de Políticas Sociais.
A temática de investigação de Berenice tem consistência e história: sua dissertação de mestrado, junto ao departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Minas Gerais (DCP-UFMG) em 1974, O BNH e a política do governo, se tornou referência para os estudiosos da história da política habitacional governamental.
Já a tese de doutorado em Sociologia, Cafuas, barracos e barracões. Belo Horizonte, cidade planejada, defendida no Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ em 1991, sob a orientação da professora Lícia Valladares, estuda a emergência e a evolução da questão moradia, do trabalhador a partir de um projeto político, econômico, social e urbano mais amplo em Belo Horizonte. Seu período de estudo vai de 1893, início da construção da nova capital do estado de Minas Gerais, a 1945, véspera da criação da Fundação da Casa Popular quando se verifica, pela primeira vez no país, uma política nacional de habitação popular. O objetivo foi analisar como a questão da moradia para o trabalhador foi tratada pelo poder público e a dinâmica das relações que se estabeleceram entre este e os trabalhadores em um cenário singular: a construção de uma nova ordem, a Republica. Tal análise se fez juntamente com a da construção de uma nova cidade capital do estado e a emergência da classe trabalhadora. Berenice afunila a análise averiguando as diferentes funções atribuídas à moradia via intervenção do Estado, especialmente a função disciplinar – a casa como um instrumento para modelar o agir do trabalhador. Para tal, revisita a literatura especializada, sobretudo a sociologia urbana francesa, de um lado, e, de outro, a atuação dos prefeitos – leis, relatórios e imprensa oficial além de entrevistas com políticos e lideranças dos moradores. Sua tese foi importante ainda, por mostrar como as favelas surgem juntamente com a cidade planejada.
Em sua obra, Berenice acompanha a formação por quase meio século de Belo Horizonte e de sua classe trabalhadora na qual se mesclam imposição e negociação, clientelismo e paternalismo. Chama atenção para o crescimento da cidade, as mudanças na atuação do governo e da classe trabalhadora, a ausência de um lugar definido para os trabalhadores que participaram da construção da cidade e a criação de uma política nacional de habitação para a população de baixa renda, instituída nacionalmente com a Fundação da Casa Popular. Berenice mostra uma situação presente em grande parte das proposições contidas na literatura sobre o papel da intervenção do Estado, guardadas, as especificidades de uma cidade planejada. Tanto que a produção de um espaço industrial especializado – a Cidade Industrial – não se deveu às condições necessárias à reprodução do sistema e, muito menos, à função de disciplinar trabalhadores, e sim ao modelo de uma cidade moderna e funcional. A dinâmica das relações entre governo e trabalhadores não se reduziu ao acesso à moradia. Ela foi utilizada para controlar, cooptar, reproduzir e integrar os trabalhadores pois a função educativa se restringia quase ao discurso.
Participou, logo após a conclusão do doutorado, da criação de Centro de Estudos Urbanos CEURB-UFMG, direcionando a investigação da produção do espaço urbano através de processos políticos, econômicos e sociais enfatizados na política pública, particularmente da habitação dos moradores pobres.
Belo Horizonte, história, política e moradia popular foi um dos principais focos da atuação profissional e das pesquisas realizadas por Berenice.
O livro Belo Horizonte em tese, é revelador da sua capacidade de liderança. Junto com o também professor Sergio de Azevedo, Berenice coordenou uma equipe de colegas e de bolsistas de graduação que constituíam o CEURB / UFMG. A feitura do livro consumiu dois anos de leitura, fichamento, entrevistas e análise de 449 trabalhos universitários (monografias, dissertações e de teses) dos quais 87% da própria UFMG e 7% do exterior.
Esses trabalhos receberam tratamentos analíticos diferenciados de acordo com a maior ou menor vinculação com a cidade. Foram objeto de síntese cerca de um quinto dos trabalhos, 20,5%, que tinham por objeto central a cidade ou um tema a ela relacionado; receberam um resumo 17% dos trabalhos, aqueles que apenas parte, um capitulo por exemplo, tratava de temas diretamente ligados à cidade e, finalmente, a grande maioria, 62,5%, constituiu uma referência bibliográfica tocando pontualmente questões relativas à cidade, às vezes como mero complemento de localização.
Faleceu em dezembro de 2008, no Rio de Janeiro.
Sugestões de obras da autora:
GUIMARÃES, Berenice M. As favelas da RMBH: desafios e perspectivas. Cadernos Metrópole, desigualdade e governança. n.5. 61-80, EDUC, São Paulo, out. 2001.
GUIMARÃES, Berenice M. Gestão urbana, o novo formato da política e a situação habitacional na RMBH in FERNANDES JR, Edésio (Org.) Direito Urbanístico e Política Urbana no Brasil. Belo Horizonte: Ed Del Rey, 2001 pp 561-611.
GUIMARÃES, Berenice M. Plano Estratégico de Intervenção nas Zonas de Especial Interesse Social. Belo Horizonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte/URBEL. 1999 com outros autores, 350p.
GUIMARÃES, Berenice M., AZEVEDO, Sérgio e TEIXEIRA, João Gabriel Governança em Belo Horizonte. Belo Horizonte: CEURB-UFMG/ IUPERJ Relatório Técnico de Consultoria dez 1996. 107 p.
GUIMARÃES, Berenice M. Cafuas, barracos e barracões: Belo Horizonte, cidade planejada. Tese (Doutorado em Ciências Humanas: Sociologia) – Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991.