Por Carolina Castellitti (MN/UFRJ) e José Sergio Leite Lopes (MN/UFRJ)
Na entrevista publicada pelo Canal Ciência em maio de 1989, Azis Simão comenta que, da mesma forma que muitos da sua geração – precursora das ciências sociais no Brasil –, ele começou sua vida intelectual pela literatura. Da narrativa oral emergiu seu apego à história do movimento operário no Brasil, quando em 1929, frequentando a União dos Trabalhadores Gráficos de São Paulo, conheceu figuras como Edgard Leuenroth, João da Costa Pimenta e Aristides Lobo, que lhe contavam histórias sobre a greve dos chapeleiros de 1914 e a famosa greve geral de 1917. De certa forma, foi também através da narrativa oral, mais especificamente da leitura em voz alta, que continuou seus estudos em sociologia depois de perder a visão. Ele devolvia aos colegas em interpretação o que estes lhe davam em leitura, disse Antônio Candido na mesa realizada em homenagem ao centenário do seu nascimento, em 3 de maio de 2012, na Universidade de São Paulo. Mais precisamente, a mesa aconteceu dois dias depois do seu centenário, pois Azis Simão nasceu em Bragança Paulista no 1° de maio de 1912, uma data emblemática que pode ser interpretada como um presságio da vida e obra desse intelectual e militante da causa operária.
Azis Simão entendia a militância como “camaradagem”, cultivada no sindicato, nas cantinas e cafés, com muita convivência intelectual, em uma São Paulo “pequena”, difícil de imaginar nos dias atuais, onde Oswald de Andrade, Patrícia Galvão, Mario Pedrosa, Antônio Piccarolo e tantos outros se encontravam assiduamente, sem nada que se assemelhasse a um celular ou um GPS. Apesar de sua paixão pelas letras, o jovem Azis foi desiludido de estudar por seu pai que, com muito pesar, queria evitar que o filho prejudicasse a visão já afetada depois de um acidente. No entanto, depois de tentar uma vida de pequeno comerciante à que não se adaptou muito bem, se formou em farmácia, um curso de curta duração que, segundo lhe disseram, lhe daria fundamentos para filosofia. Em 1933 ingressou no recentemente criado Partido Socialista e dois anos depois, numa viagem ao interior do estado acompanhando as atividades partidárias, sofreu um novo deslocamento de rotina. A partir de 1938, tendo desenvolvido uma impressionante memória auditiva, começou a frequentar os cursos da Faculdade de Filosofia como ouvinte e logo depois como aluno regular. Em 1940 participou do movimento universitário de resistência ao Estado Novo, fundado na Faculdade de Direito e começou a estudar a consciência de classe do proletariado de São Paulo por meio de entrevistas, junto a Fernando de Azevedo. Depois das eleições de 1945 se interessou por estudar o comportamento eleitoral dos operários, entrevistando principalmente gráficos e tecelões.
Sua obra maior, Sindicato e Estado; suas relações na formação do proletariado de São Paulo, que se tornou um clássico da sociologia do trabalho, foi sua tese de livre-docência, defendida em 1964 e publicada em 1966. Nela figura a análise das transformações das associações de auxílios mútuos, confessionais e sindicais dos 30 anos iniciais do século XX para o sistema sindical reconhecido e organizado por leis e por setores especializados do Estado preocupados com a regulação dos conflitos entre trabalhadores e empregadores. Os seus capítulos tratam sucessivamente da formação da indústria e do proletariado em São Paulo, das condições de trabalho, dos conflitos coletivos do trabalho e finalmente da organização sindical. Neste livro Azis Simão se utiliza de sua observação direta e de entrevistas com seus contemporâneos que, como ele, militaram nos sindicatos nas décadas de 30 e 40, e de uma extensa pesquisa documental em jornais e documentos oficiais para estabelecer as listas de associações e as leis pertinentes.
A transformação na direção da burocratização dos sindicatos e suas relações com o Estado, estabelecendo a relação entre representantes sindicais eleitos e quadros profissionais especializados necessários diante do novo campo da justiça do trabalho e das instituições previdenciárias é analisada de forma compreensiva numa linguagem sintética que, no entanto, considera a complexidade dos processos sociais envolvidos. Estas características mantêm a atualidade do livro entre diferentes gerações de estudiosos das relações de trabalho e sindicais. No levantamento dos dados para a extensa pesquisa contou com a colaboração da colega Paula Beigelman e de orientados como Heloísa Martins, Mariana Batich e Eder Sader, que posteriormente tiveram importantes atuações na área, seja no interior da área técnica sindical (as duas primeiras), seja na pesquisa e em publicações sobre o mundo do trabalho (Martins e Sader). Contou também com o auxílio cotidiano inestimável de sua esposa Cecília Mathias Simão, que propiciava a mediação da leitura oral e da escrita nas condições de necessidades especiais visuais de seu companheiro.
A 3ª edição do livro, coordenada por Heloísa Martins, lançada por ocasião do centenário de nascimento de Simão, traz em anexo cinco artigos do autor tematicamente complementares à sua obra principal (voto operário, sindicato e política, funções sociais do sindicato, industrialização e sindicato): três deles em revistas acadêmicas, dois em instituições sindicais – o sindicato dos trabalhadores têxteis e o Departamento Intersindical de Estudos Estatísticos e Socioeconômicos, o DIEESE, entidade com a qual tinha especial relação, tanto com seu primeiro diretor técnico, o sociólogo José Albertino Rodrigues, quanto pela indicação de Heloísa Martins que virá a ser a diretora seguinte.
Apesar dos impedimentos iniciais que retardaram sua contratação em função de sua deficiência visual, Azis Simão foi professor durante quase 30 anos, tendo alcançado a titularidade em 1973. Faleceu em 1990, oito anos depois de ter se aposentado. Seus alunos destacam o modo como explorava os sentidos para além da visão: sua potente oralidade e a agudeza de sua audição. Especialista do movimento operário com uma vivência incorporada, um olhar de dentro, sabia ensinar a cozinha da investigação. Com um irredutível senso de liberdade, herança do anarquismo, tinha uma postura de respeito mútuo e dignidade. Era um formador de cidadania, declaram emocionados em sua homenagem.
Sugestões de obras do autor:
SIMÃO, Azis. Sindicato e Estado. Suas Relações na Formação do Proletariado em São Paulo. São Paulo, Hucitec, 2012.
SIMÃO, Azis. “Na Faculdade”, in Maria Cecília Loschiavo dos Santos (org.). Maria Antonia: Uma Rua na Contramão. São Paulo, Nobel, 1988.
Sobre o autor:
SIMÃO, Azis. “Entrevista”, in Ciência Hoje, vol. 9, n. 53, maio de 1989. [Entrevista concedida a José Albertino Rodrigues (Departamento de Ciências Sociais, UFSCar) e Vera Rita da Costa (Ciência Hoje)].