Por Jacques Mick (UFSC)
Se conhecemos hoje um pouco melhor a ação política dos banqueiros no Brasil e na América Latina, isso certamente tem relação com o trabalho de Ary Cesar Minella. Professor da Universidade Federal de Santa Catarina desde 1986, Minella deu contribuições fundamentais tanto ao desenvolvimento de uma sociologia do sistema financeiro no Brasil, quanto à aplicação da metodologia de análise das redes sociais que conectam o empresariado entre si e a organizações nacionais e internacionais, demonstrando faces pouco conhecidas do poder da elite econômica brasileira.
O marco inicial dessa trajetória é um livro hoje clássico: “Banqueiros: organização e poder político no Brasil” foi publicado em 1988 pela Espaço e Tempo e pela Anpocs, depois de consagrado pela Associação com o prêmio de melhor tese em ciências sociais. Minella concluíra dois anos antes o Doutorado em Estudios Latinoamericanos pela Universidad Nacional Autónoma de México (UNAM), financiado pela Capes. O título consagrou uma trajetória de deslocamento entre áreas das humanidades. Natural de Vacaria (RS), onde nasceu em 1 de junho de 1951, Minella é filósofo de formação: concluiu a graduação em 1973 pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, em Viamão (RS), hoje incorporada à PUC gaúcha, e obteve o mestrado em Sociologia na UFRGS em 1979. Entre 1976 e 1986 – ou seja, durante o período de estudos pós-graduados –, foi professor da Unisinos, em São Leopoldo (RS).
No Departamento de Sociologia e Ciência Política da UFSC – onde ingressou como bolsista recém-doutor do CNPq, tornou-se professor adjunto em 1988 e progrediu a titular – Minella desenvolveu carreira notável por 30 anos, aposentou-se permanecendo como docente voluntário. Na graduação, especializou-se em disciplinas de sociologia clássica e sociologia econômica para o curso de Ciências Sociais e várias turmas o elegeram patrono ou paraninfo. No Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, contribuiu na formação das primeiras turmas de mestrado e doutorado, no desenvolvimento da linha de pesquisa “Estado, empresariado e sistema financeiro” e como co-editor da revista Política & Sociedade. Até o final de 2021, havia orientado 11 bolsistas de iniciação científica, 25 trabalhos de conclusão de cursos de graduação, 34 dissertações de mestrado e 16 teses de doutorado.
Na pesquisa, Minella formou uma geração de investigadores ligados ao Núcleo de Estudos Sociopolíticos do Sistema Financeiro (Nesfi), grupo de pesquisa credenciado no CNPq, do qual foi bolsista de produtividade. Marxista e estudioso de Gramsci, disseminou no Brasil o conceito de “hegemonia financeira”, de Beth Mintz e Michael Schwartz, central para compreender relações sociopolíticas e econômicas no contexto da financeirização do capital.
Os objetos de pesquisa de Minella se deslocaram sutilmente ao longo das décadas. Os primeiros estudos focaram a caracterização da burguesia financeira no Brasil como fração de classe – e, dentro dela, a ação de players estratégicos, como os maiores bancos. Essas pesquisas deram visibilidade à rede de organizações de classe dos banqueiros, formada por federações e associações empresariais entrelaçadas. Em seguida, Minella dirigiu seu olhar para os interesses políticos, também mediados por entidades de classe, dos grupos financeiros – conglomerados de empresas lideradas por bancos. Posteriormente, alargou o olhar para compreender a atuação da elite financeira na América Latina detalhando as conexões de banqueiros brasileiros com outras empresas do setor no subcontinente e com as organizações que operam como fóruns estratégicos para as ações de classe, como as entidades representativas e os think tanks. Minella identificou a rede transassociativa das associações de bancos na América Latina, formada pela participação simultânea de uma mesma instituição ou grupo financeiro nas associações de classe em dois ou mais países.
A análise de redes sociais (ARS) sob perspectiva marxista é o método mais recorrente adotado por Minella e equipe. Permitiu mapear as conexões empresariais no Brasil e na América Latina em vários ramos da economia, corroborando a hegemonia financeira. Nos estudos mais recentes, a ARS foi aplicada para entender as conexões de think tanks norte-americanos de alcance transnacional, fundamentais para operacionalizar estratégias de dominação imperialista. Organizações como a National Endowment for Democracy, por exemplo, há décadas formam diretamente quadros liberais (de direita e extrema-direita) para atuar na política, nas empresas ou na mídia, e apoiam sua articulação em think tanks neoliberais locais (no Brasil, os institutos Mises e Millenium).
Esse trabalho pioneiro e relevante conectou Minella com redes de pesquisa nacionais e internacionais. Desde 1998, no Brasil, o workshop bienal “Empresa, empresários e sociedade” reúne um grupo multidisciplinar de investigadores das ciências humanas, sociais e sociais aplicadas para compartilhar e disseminar pesquisas sobre o universo empresarial. Dois estágios de pós-doutorado, um na Unicamp (1998) e outro na USP (2007), fortaleceram esses vínculos. No plano internacional, Minella integra o grupo de trabalho “Estudios sobre Estados Unidos”, criado em 2004 no âmbito do Clacso, e que conta com 35 pesquisadores de 12 países.
Sugestões de obras do autor:
MINELLA, A. C.. Banqueiros: Organização e Poder Político no Brasil. Rio de Janeiro: ANPOCS e Espaço e Tempo, 1988.
MINELLA, A. C. . Análise de redes sociais, classes sociais e marxismo. Revista Brasileira de Ciências Sociais (Impresso), v. 28, p. 184-195, 2013.
MINELLA, A. C.. Representação de classe do empresariado financeiro na América Latina: a rede transassociativa no ano 2006. Revista de Sociologia e Política (UFPR. Impresso), p. 31-56, 2007.
MINELLA, A. C.. Construindo a hegemonia na América Latina: Democracia e livre mercado, associações empresariais e sistema financeiro. In: OLIVEIRA, Francisco de; BRAGA, Ruy; RIZEK, Cibele. (Org.). Hegemonia às avessas: Economia, política e cultura na era da servidão financeira. 1aed.São Paulo: Boitempo Editorial, 2010, v., p. 255-286.
MINELLA, A. C. Intervención en el exterior en la era Trump: acciones del Center for International Private Enterprise (CIPE) en América Latina. In: Leandro Morgenfeld; Mariana Aparicio Ramírez. (Org.). El legado de Trump en un mundo en crisis. 1ªed.Ciudad de México; Buenos Aires: Siglo