Por Camila Ferreira da Silva (UFAM)
Aparecida Joly Gouveia nasceu em 15 de julho de 1919, na cidade de Itatiba, interior de São Paulo, e era a filha primogênita dos seis filhos de Leopoldina Joly Gouveia e Luiz Furtado Gouveia Sobrinho. Seu pai era comerciante e a trajetória de escolarização de Aparecida Joly Gouveia expressa bem as estratégias que as famílias do interior desenvolviam para qualificar seus filhos. Foi morar com seus tios no município de Casa Branca (SP) para frequentar a Escola Normal Dr. Francisco Tomaz de Carvalho – que mais tarde viria a ser transformada em Instituto de Educação –, levando sua família a se mudar para esta cidade dois anos mais tarde.
Ao formar-se professora primária nesta Escola Normal no ano de 1937, sua entrada na carreira docente foi imediata, o que, segundo Ludke (2010), decorrente de posição de primeira aluna da turma. Nos primeiros anos de atuação trabalhou em uma escola da zona rural de Ribeirão Preto como substituta e, na sequência, foi convidada a lecionar português na Escola Normal onde havia se formado, em Casa Branca. Com vistas a aumentar sua remuneração, Aparecida Joly Gouveia prestou concurso para a Secretaria da Fazenda na capital paulista e ali atuou por dois anos. Nesse ínterim, prestou novo concurso, desta vez como oficial administrativo do Ministério da Agricultura, cargo que a levou a se mudar para o Rio de Janeiro, onde residiu até o ano de 1946. Seu regresso a São Paulo marcou também sua entrada no curso superior. A trajetória da Escola Normal à Universidade somada à experiência docente e administrativa no setor público, se revelou crucial na sua atuação na academia e na escolha de seus temas de pesquisa.
Entre 1946 e 1950, Aparecida Joly Gouveia graduou-se em Ciências Sociais e Políticas pela Escola Livre de Sociologia e Política de São Paulo e realizou seu PhD em Sociologia na University of Chicago, obtendo o título no ano de 1963. Nesse percurso entre graduação e doutoramento, destacamos experiências decisivas na sua formação, a saber: assistente de pesquisa do professor Donald Pierson em estudos de comunidades na Comissão do Vale do São Francisco (1952); docente de um curso intensivo de teoria e pesquisa em sociologia na Escola de Sociologia e Política de São Paulo (1956); mais uma vez assistente de pesquisa em estudos de comunidades, desta vez ao lado do professor Oracy Nogueira na Campanha de Erradicação do Analfabetismo (1957); pesquisadora no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), entre 1955 e 1962.
Em 1961, a partir das investigações realizadas no CBPE, Aparecida Joly Gouveia publicou Milhares de normalistas milhões de analfabetos e, em 1965, sua tese foi publicada pelo Inep com o título Professoras de amanhã: um estudo de escolha ocupacional – que ganhou reedição em 1970. Atuou ainda como professora assistente no Centro Regional de Pesquisas Educacionais Antonio de Queiroz Filho, em São Paulo, iniciativa que visava à formação de pesquisadores em educação a nível de pós-graduação e contava com apoio da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) e do Inep.
Passou a lecionar no Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) em 1966, instituição na qual alcançou os títulos de livre docente no ano de 1968, e de professora titular em 1983. Aposentou-se da USP em 1989 e nos mais de vinte anos em que atuou nesta universidade destacam-se o pioneirismo na formação de pesquisadores em Sociologia da Educação (QUEIRÓZ JÚNIOR, 1998; LUDKE, 2010) – tendo orientado 18 dissertações de mestrado e oito teses de doutorado –; sua atuação nos comitês e conselhos de pesquisa dos órgãos responsáveis pela política científica no país e no estado de São Paulo, nomeadamente: Inep, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Coordenação de Aperfeiçoamento de Professores do Ensino Superior (CAPES), Centro de Estudos Rurais e Urbanos (CERU) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).
Na pesquisa, destaca-se ainda sua participação na Fundação Ford, mais precisamente no programa de apoio a projetos educacionais; na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS), onde coordenou o Grupo de Trabalho “Educação e Sociedade” entre 1983 e 1986; e na Fundação Carlos Chagas (FCC), em São Paulo. Na FCC, além de atuar na assessoria a pesquisas na área da Sociologia da Educação, trabalhou como membro do conselho editorial de sua principal publicação periódica, os Cadernos de Pesquisa, tendo sido responsável pela elaboração de seu primeiro número, em 1971, no qual assina o artigo A pesquisa educacional no Brasil, fruto de investigação apoiada pela Fundação Ford. Neste mesmo período em que trabalhava na USP, Aparecida July Gouveia foi convidada a atuar como “[…] Visiting Scholar nas universidades de Cornell (1971), Wisconsin (1977), no Instituto de Educação da Universidade de Londres (1979) e na State University of New York at Albany (1985)” (LUDKE, 2010, p. 18).
Segundo Ludke (2010), a própria Aparecida reconhecia que sua obra tomava à análise problemas básicos da sempre conturbada situação da educação no país. Seu legado para a Sociologia da Educação brasileira reside não apenas na envergadura de sua obra, mas também na capacidade de autorreflexão do campo educacional, nas contribuições para o fortalecimento da ciência e da formação dos/as pesquisadores/as e, conforme Sá Barreto asseverou em homenagem póstuma no ano de seu falecimento (1998), na sua grande sabedoria, modéstia, disponibilidade e atenção com todos/as.
Sugestões de obras da autora:
GOUVEIA, Aparecida Joly. A pesquisa educacional no Brasil. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 1, n. 1, p. 1-48, 1971.
GOUVEIA, Aparecida Joly. Democratização do ensino e oportunidades de emprego. São Paulo: Edições Loyola, 1981.
GOUVEIA, Aparecida Joly. Preference for different types of secondary schools among various ethnic groups in São Paulo, Brazil. Sociology of Education, n. 2, Spring, 1966.
GOUVEIA, Aparecida Joly. Professoras de amanhã: um estudo de escolha ocupacional. Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 1965.
GOUVEIA, Aparecida Joly; HAVIGHURST, Robert J. Ensino médio e desenvolvimento. São Paulo: Companhia Editora Melhoramentos; Editora Universidade de São Paulo, 1969.
Sobre a autora:
LUDKE, Menga. Aparecida Joly Gouveia. Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Editora Massangana, 2010. (Coleção Educadores).
QUEIRÓZ JÚNIOR, Teófilo de. À professora Aparecida Joly Gouveia. Homenagem. Rev. Fac. Educ., São Paulo, v. 24, n. 2, s.p., jul. 1998 Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-25551998000200013. Acesso em: 20 fev. 2022.
SÁ BARRETO, Elba Siqueira de. Em memória da professora Aparecida Joly Gouveia. Homenagem. Rev. Fac. Educ., São Paulo, v. 24, n. 2, s.p., jul. 1998 Disponível em: https://doi.org/10.1590/S0102-25551998000200013. Acesso em: 20 fev. 2022.