Anita Brumer

Por Gabriele dos Anjos (Observatório Estadual da Segurança Pública – SSP/RS)

Terceira de cinco filhos, Anita Brumer nasceu em Ijuí, Rio Grande do Sul, em 1943, filha de judeus oriundos da Galícia, na Polônia. O pai de Anita, filho mais jovem de pequenos agricultores, emigra para o Brasil em 1928, com 17 anos, onde, ajudado por uma tia e primos comerciantes em Porto Alegre, trabalha como caixeiro-viajante. Em 1938 visita sua família na Polônia e reencontra a mãe de Anita, que consegue trazer ao Brasil em 1939, a partir de um casamento por procuração, em pleno fechamento das fronteiras brasileiras aos judeus antes da Segunda Guerra. Para este casal é uma emigração sem possibilidades de retorno, marcada pelo extermínio físico dos familiares que não emigraram. A família logo muda-se para Ijuí, município formado por pequenos e médios agricultores.

Em Ijuí os pais de Anita estabilizam-se como comerciantes e investem fortemente na escolarização dos filhos. Anita estuda em uma escola católica em Ijuí e posteriormente a família muda-se para Porto Alegre para o prosseguimento dos estudos dos filhos. Em Porto Alegre, frequenta a escola normal e torna-se professora primária do Estado e diretora de escola durante a graduação em Ciências Sociais, a partir de uma orientação para “o social”. A entrada no mestrado em Sociologia Rural apresenta-se como uma forma de dar seguimento à formação em pleno período da ditadura militar.

O caráter aplicado da sociologia rural que se desenvolve no Rio Grande do Sul no período (voltada aos problemas dos atores sociais atuantes no meio rural em um contexto de modernização econômica e exclusão social) marca a formação como pesquisadora de Anita, que obtém seu mestrado entre 1969 e 1971 no Mestrado em Sociologia Rural da UFRGS, com o trabalho “Sindicalismo e participação dos agricultores em sindicatos, em Candelária, Rio Grande do Sul, Brasil”, e o doutorado em Sociologia na Hebrew University of Jerusalem, Israel, entre 1973 e 1980, com a tese “Resource Mobilization and Rural Development – Patterns of Social Organization in Different Village Settings in South Brazil”. Ainda que estes trabalhos estejam situados na problemática desta sociologia rural, para Anita esta sociologia tem como limitação uma busca de indução da modernização que não levaria em conta outras dimensões sociais. Nestes trabalhos ela situa o papel dos agentes sociais do espaço rural (sindicatos, igrejas e outras formas “comunitárias”) nos processos de modernização e inserção no mercado.

A partir dos anos 1980, e mesmo após sua aposentadoria como Professora Titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Anita tem intensa participação na vida institucional das Ciências Sociais no Brasil, como membro de comissões, como assessora e consultora de instituições de fomento à pesquisa e membro de comitês editoriais de revistas científicas. Tem, principalmente, uma produção intelectual imensa, cujas linhas-mestras se mantiveram ao longo do tempo em três áreas temáticas: agricultura familiar, gênero e identidade judaica.

Anita busca fazer uma sociologia de como a reprodução da agricultura familiar enquanto identidade social e profissional é transmitida entre as gerações e afetada pelas transformações sociais, culturais e econômicas do espaço rural. Seus trabalhos têm forte caráter diagnóstico, resultantes de pesquisas de campo que são verdadeiros “mergulhos” nos universos empíricos, fundados em uma cuidadosa construção metodológica.

Esses trabalhos apontam perspectivas aos atores emergentes do meio rural – mulheres e jovens – que lhes permitam manter ou reinventar sua identidade social. São estudos dos “processos sociais agrários”, das correspondentes formas de mobilização do meio rural e das estratégias de manutenção na condição de agricultor familiar, entre elas o acesso a políticas públicas. O que ganha ênfase para Anita não é tanto a crise da condição de agricultor, mas a identificação das possibilidades econômicas e identitárias em uma agricultura capitalista, em uma abordagem que se reenlaça criticamente com a sociologia do desenvolvimento em voga no período de sua formação.

A condição feminina no meio rural é abordada pelas possibilidades abertas às mulheres com a intensificação da inserção da agricultura familiar na economia capitalista. Anita identifica como a modernização implica uma ruptura simbólica com posição subalterna das mulheres no trabalho e lhes permite constituir uma identidade como “agricultoras” e a participação na manutenção das famílias na agricultura, em contextos para os quais políticas públicas podem ser decisivas.

É de alguma forma surpreendente a coragem de Anita em abordar sua própria pertença identitária a partir de uma problematização da situação dos judeus no Rio Grande do Sul, o que tem semelhanças com sua abordagem da agricultura familiar. Anita estuda como a identidade judaica se reproduz entre as diferentes gerações de imigrantes judeus e se manifesta em uma intensa vida comunitária da qual fazem parte cisões políticas e culturais. Ela considera essa vida como ligada a condições socioeconômicas resultantes de alianças, de mobilização de redes sociais, de investimentos educacionais e profissionais, em estudos preciosos para o entendimento mais amplo das estratégias de reprodução social. Ela mesma participa da vertente mais reflexiva dessa vida comunitária como principal editora da revista de estudos judaicos WebMosaica, publicada pelo Instituto Cultural Judaico Marc Chagall e pela UFRGS entre 2009 e 2017 e na direção deste Instituto entre 2004 e 2018.

Anita Brumer propôs às Ciências Sociais brasileiras uma sociologia da herança social, ao mesmo tempo que transmitiu aos pesquisadores que formou um rigoroso olhar sociológico e um infatigável amor ao ofício.

Sugestões de obras da autora:

BRUMER, A. As escolhas (im)possíveis, valores e a luta pela sobrevivência no contexto do genocídio nazista durante a II Guerra Mundial. WebMosaica. Revista do Instituto Cultural Judaico Marc Chagall, v.8 n.1 (jan-jun), p. 57-82, 2016. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/webmosaica/article/view/71158/40390. Acesso em 25 agosto 2021.

BRUMER, A. Gender relations in family-farm agriculture and rural-urban migration in Brazil. Latin American Perspectives, v. 35, p. 11-28, 2008.

BRUMER, A. Os jovens e a reprodução geracional na agricultura familiar. In: Marilda Aparecida de Menezes; Valmir Luiz Stropasolas; Sergio Botton Barcellos. (Org.). Juventude rural e políticas públicas no Brasil. 1ed.Brasilia: :Presidência da República-Ministério do Desenvolvimento Agrário-IICA, 2014, v. 1, p. 215-233.

BRUMER, A. Os rumos do mundo rural na América Latina no início do século XXI, num cenário de grandes transformações sociais, econômicas e políticas. Sociologias (UFRGS), Porto Alegre, v. 10, p. 14-25, 2003.

BRUMER, A.; SILVA, M. L. O papel das redes de relacionamento na primeira geração de imigrantes judeus no Rio Grande do Sul. In: Helena Lewin. (Org.). Judaísmo e globalização: espaços e temporalidades. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010, p. 51-63.