Por Carlos Freire
Angelina Teixeira Peralva das Chagas e Silva, professora emérita da Université de Toulouse, desenvolveu sólida carreira de pesquisa e ensino entre Brasil e França. Sua obra representa importante contribuição para a análise dos tensionamentos entre violência e democracia. Contribuiu para a constituição de um espaço de cooperação franco-brasileira na sociologia que se tornou referência para intercâmbios de pesquisadoras e pesquisadores entre os dois países. As parcerias também foram outra característica marcante de sua trajetória, desde a perspectiva teórica em diálogo com Alain Touraine, as produções conjuntas com Marília Sposito, Michel Wieviorka, Sérgio Adorno, Vera Telles, entre muitas outras.
Nascida em 1950, Angelina é carioca, filha de Nadia de Abreu Teixeira e Osvaldo Peralva. Seus pais foram militantes do Partido Comunista, sendo que posteriormente romperam com o Partido. Na década de 1960, Osvaldo foi diretor do jornal Correio da Manhã, tendo apoiado o golpe militar de 1964. Mudou de posição, fez oposição à ditadura e acabou preso com a decretação do AI-5, exilando-se na Alemanha. Nesse momento, de bastante turbulência e instabilidade, Angelina ingressa no curso de Ciências Sociais do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, na UFRJ. Entre o final de 1971 e o começo de 1972, então com 21 anos, foi presa e torturada por sua militância política. Refugiou-se no Chile. Com o golpe militar que derrubou o governo Allende, acabou detida no Estádio Nacional por 45 dias. Exilou-se então na Alemanha, mas seria na França onde decidiu se estabelecer e retomar os estudos, terminando sua graduação (1976-1979) desenvolvendo seu mestrado (1979-1980) e doutorado (1981-1985), junto ao Institut d’études du développement économique et social – Université Paris 1 – Pantheon-Sorbonne, sob orientação de Yves Goussault.
Nas pesquisas de pós-graduação trabalhou com a articulação entre as lutas pela educação e a dinâmica de desenvolvimento no Brasil. Já durante o doutorado teve contato com a obra de Alain Touraine, cuja perspectiva teórica representou uma inflexão em sua trajetória. No Brasil, a luta contra a ditadura e o processo de redemocratização colocavam os movimentos sociais em evidência, na França a temática refluiu a partir da discussão sobre a crise do movimento operário. Angelina retorna ao Brasil pouco depois da anistia, em 1982. No ano seguinte, ainda antes de terminar o doutorado, ingressou como professora associada na Faculdade de Educação da USP. Realizou pesquisas sobre juventude, estudantes e a luta dos professores por melhores condições de trabalho em São Paulo, com destaque para a organização, em parceria com Marilia Sposito, de um número da Revista Brasileira de Educação com o tema Juventude e Contemporaneidade (1997).
No começo dos anos 1990, desenvolveu um pós-doutorado junto ao Centre d’Analyse et d’Intervention Sociologiques (CADIS) da École des Hautes Études em Sciences Sociales (EHESS) sob a direção de Touraine. Paralelamente, integrou um projeto comparativo sobre racismo e xenofobia na Europa, coordenado por Michel Wieviorka, com quem publicou “Racisme et xenophobie em Europe” e “La France Raciste”. A interlocução e parceria com Wieviorka levou-a a se aproximar da questão da violência. Durante boa parte dos anos 1990, dividiu sua vida profissional entre dois países, desenvolvendo pesquisas sobre violência nas escolas e os levantes urbanos na França, e sobre a violência crescente com a redemocratização no Brasil. A perspectiva comparativa sobre o problema da violência se expressa na parceria com Sérgio Adorno e o Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP), que posteriormente resultou na organização de uma edição temática da revista Cultures et Conflits. Durante 14 anos lecionou na USP, onde chegou ao posto de professora livre-docente. Ao final de 1997 se desvinculou da Faculdade de Educação e, no ano seguinte, obteve o diploma de Habilitation à Dirigir des Recherches (HDR) pela EHESS (pré-requisito para concurso de professor titular na França). No mesmo ano, se classifica em concurso junto à Université de Toulouse, onde permaneceu por mais 14 anos.
O seu livro “Democracia e Violência: o paradoxo brasileiro”, de 2001, sintetiza parte das pesquisas desenvolvidas no Rio de Janeiro e São Paulo. Partindo da abordagem da metodologia da “intervenção sociológica”, os movimentos sociais passam a ser um modo de problematizar a violência através dos atores, no campo das práticas, no significado do protesto potencialmente existente na violência. Angelina analisa a espiral da criminalidade legada do regime militar e exacerbada no contexto urbano, a continuidade autoritária refletida nas instituições e na ordem pública, também em termos de cultura política, no enraizamento de práticas violentas no seio da população.
A violência assume outros contornos na França. Apesar de números bem menos expressivos, gera intenso debate público; e, por vezes, levantes urbanos agitam as periferias. Em artigo publicado na revista Tempo Social, Angelina analisa os levantes de 2005 nas banlieues, em protesto contra a violência policial dirigida aos jovens filhos e netos de migrantes. Em Toulouse, Angelina estabelece interlocuções com Alain Tarrius e Olivier Pliez. A temática das migrações e da circulação transnacional se impôs na agenda.
Orientou diversas teses de doutorado com pesquisas no Brasil, Argentina, Cuba, Marrocos, entre outras. Acolheu junto à universidade pesquisadores brasileiros em estágio doutoral, como Jaqueline Sinhoretto, Luciano Rodrigues Costa, Daniel Hirata, também professores visitantes como Jacob Lima e Vera Telles. Entre 2010 e 2011, foi diretora do Institut Pluridisciplinaire pour les Etudes sur l’Amérique latine à Toulouse (IPEALT).
Em parceria com Vera Telles desenvolveu o projeto de cooperação CAPES-COFECUB, Trajetórias, circuitos e redes urbanas, nacionais e transnacionais (2007-2011). Ponto culminante do projeto foi a realização do Colóquio no Centre Culturel International de Cerisy-la-Salle, prestigiosa instituição na qual ao longo de uma semana se desenvolvem seminários, discussões e convívio entre diversos pesquisadores. Do colóquio resultou o livro organizado com Vera Telles, Ilegalismos na Globalização (2015).
Angelina aposentou-se em 2012, mas segue ativa na problematizando dos rumos incertos da arquitetura institucional democrática brasileira.
Sugestões de obras da autora:
Peralva, Angelina. Conflito e movimentos sociais no acionalismo de Alain Touraine. Lua Nova. Revista de Cultura e Política, v. 106, p. 160-194, 2019.
Peralva, Angelina Teixeira. Levantes urbanos na França. Tempo Social (USP. Impresso), v. 18, p. 81-104, 2006.
Peralva, Angelina; Adorno, Sérgio. (Org). Dialogues sur la violence et la démocratie en France et au Brésil. Cultures et Conflits (Revue), v. 2, p. 5-9, 2005.
Peralva, Angelina; Telles, Vera. (Org.). Ilegalismos na Globalização. Migração, Trabalho, Mercados. 1. ed. Rio de Janeiro: UFRJ, 2015. v. 1. 580p.
Peralva, Angelina Teixeira. Violência e democracia: o paradoxo brasileiro. 1. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2001. v. 1. 220p.
Peralva, Angelina Teixeira; Sposito, Marília. (Org.) . Juventude e Contemporaneidade. 5-6. ed. São Paulo: Revista Brasileira de Educação, 1997. v. 1. 272p .
Wieviorka, M. ; Couper, K.; Martuccelli, D.; Peralva, Angelina (Org.) . Racisme et xénophobie en Europe. 1. ed. Paris: La Découverte, 1994. v. 1. 312p .