Por Regina de Moraes Morel(UFRJ)
Amélia Cohn nasceu em 16 de janeiro de 1946, em São Paulo. Filha de Deusdá Magalhães Mota e Amélia Santos Mota. Estudou sempre em escolas públicas, seguindo os preceitos de seu avô materno e de seu pai, fervorosos militantes a favor da institucionalização da escola pública. No segundo semestre de 1967, antes mesmo da finalização do curso de ciências sociais na Universidade de São Paulo, fez um curso intensivo de especialização que marcaria fortemente suas reflexões posteriores: Curso Básico de Planejamento Econômico, organizado pela CEPAL e à altura, pela recém criada Unicamp, e ministrado por economistas e especialistas em planejamento, brasileiros e latino-americanos. Ali foi aluna, dentre outros, de Antônio Barros de Castro, e dos recém-formados João Manuel Cardoso de Almeida, Luiz Gonzaga Belluzzo, Wilson Cano, convocados para compor os quadros da Unicamp na área de economia.
Em 1969, ingressa no Mestrado em Sociologia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, sob a orientação de Octávio Ianni. Porém, nos anos de chumbo, ele seria incluído no imenso rol de aposentadorias compulsórias de docentes e pesquisadores, determinadas pelo AI-5. Luiz Pereira, assistente na cadeira de Florestan Fernandes, assume então a orientação. Desde seu mestrado, obtido em 1972, delineava-se claramente a linha de pesquisa e estudos que perseguiria no decorrer de sua vida acadêmica: desenvolvimento, políticas públicas e a construção de direitos sociais numa sociedade democrática. Sua tese, intitulada “Crise Regional e Planejamento – o processo de criação da SUDENE”, publicada em livro, obteve o Prêmio Governador do Estado de 1975. Nesse mesmo ano, ingressa no doutorado da mesma universidade. Orientada novamente por Luiz Pereira, defende em 1980 a tese “Previdência Social e Populismo”. Publicada em livro em 1981 sob o título “Previdência Social e Processo Político no Brasil”, foi premiada em 1982 pelo Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário como a melhor obra sobre o tema publicada no Brasil naquele ano.
Em 1971, Amélia é contratada como docente do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, adentrando o universo de uma socióloga no meio de docentes médicos, engajada na formação de estudantes do curso Experimental de Medicina existente entre 1968 e 1974, projeto explícito de formar médicos com perfil para responder às demandas da sociedade, o que marcou sua atuação docente, que manteve sempre esse propósito; e em 1992 fez o concurso para livre docência, não na Faculdade de Medicina, mas na Faculdade de Saúde Pública da USP. Durante todo esse período, aprofunda suas pesquisas na área de políticas de saúde, de previdência social e saúde, orientando alunos (na maioria médicos) da residência médica ao mestrado e doutorado, vários deles posteriormente ocupantes de cargos públicos na saúde, parte do processo político de construção da Reforma Sanitária no país. Bem do seu perfil, formou quadros com o cuidado de nunca formar seguidores, tal como aprendeu com seus mestres.
Uma dimensão importante da trajetória de Amélia foi a de gestora institucional, atividade que exerceu entre 1993 e 2005 enquanto diretora do CEDEC (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), instituição que ajudara a fundar em 1976. Sua atuação aí caracterizou-se pela montagem de grupos de pesquisa multidisciplinares na área das políticas de saúde e de desenvolvimento social, que resultaram na publicação de várias coletâneas e de livros coletivos, além de artigos científicos. Desde meados dos anos 70, e respaldada por suas pesquisas e seu compromisso com a luta para uma ordem política e social democrática no país, Amélia se engaja ativamente do processo de Reforma Sanitária no Brasil, militando junto a instituições como Abrasco e APSP, participando do debate público e político e da formação de gestores públicos.
Por indicação de organizações da sociedade civil, em 1994 Amélia foi convidada pelo Ministério das Relações Exteriores, no governo do Presidente Fernando Henrique Cardoso, para redigir o documento oficial brasileiro para a Cúpula de Copenhague, realizada em 1995, o que lhe valeu a comenda da Ordem do Rio Branco.
A partir de então, aprofundou os estudos e pesquisas sobre pobreza e desigualdade social, e, em outubro de 2003, no primeiro governo do Presidente Lula, passa a integrar a equipe da Secretaria Executiva do Programa Bolsa Família, vinculada à Presidência da República; posteriormente, com a criação do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em 2004, assumiu o cargo de Diretora de Programas, tendo importante papel na negociação de empréstimos para o Programa do Bolsa Família junto a instituições multilaterais. Aí permanece até final daquele ano, depois de fechar com sucesso rodadas de negociações com o BIRD e o BID. Retoma então suas atividades no CEDEC e na universidade. A convite do então Reitor Aloisio Teixeira, Amélia atuou como pesquisadora visitante da UFRJ nos dois anos seguintes, vindo a aposentar-se da USP em 2008. Desde então volta-se para o ensino de pós-graduação na Universidade Católica de Santos (UNISANTOS), onde participou ativamente da montagem dos cursos de Mestrado e Doutorado em Saúde Coletiva. E desde 2016 integra o corpo docente do recém-criado Mestrado em Direito da Saúde – Dimensões Individuais e Coletivas, da Universidade Santa Cecília (UNISANTA), também na cidade de Santos.
Em sua trajetória acadêmica, Amélia orientou mais de meia centena de mestrados e doutorados e participou da formação de inúmeros gestores da saúde que vieram a ocupar cargos fundamentais no Estado (nacional, estaduais e municipais). No quesito das publicações, estas se caracterizam pelo seu impacto na realidade brasileira: durante décadas, seu livro sobre a SUDENE foi utilizado como obra de referência por técnicos da instituição; durante a Constituinte, o da Previdência Social serviu de base para os debates sobre seguridade social. E o de 2012, “Cartas para o Presidente Lula – Bolsa Família e Cidadania” (Editora Azougue) – teve grande repercussão; até o final do governo da Presidenta Dilma, as cartas endereçadas ao Presidente e à Presidenta passaram a ser analisadas como importante instrumento de monitoramento do Programa. Mas, mais que isso, a publicação trouxe à luz a realidade cotidiana dos pobres e vulneráveis e sua relação com o Estado, sem serem intermediadas por instituição de qualquer natureza, revelando que a busca ao presidente da República consistia no último recurso desses sujeitos, após terem percorrido sem êxito todas as instituições competentes. Mas a leitura que ela faz dessas cartas explicitando as trajetórias desses sujeitos pelas instituições, suas demandas e o modo em que são formuladas, demonstra, ao contrário do que repete o senso comum, como essas cidadãs e cidadãos brasileiros são cientes e conscientes de seus direitos.
A trajetória de Amélia tem sido marcada pela coerência absoluta na busca de uma sociedade autônoma e igualitária. Pesquisadora cuidadosa e perspicaz, foi sempre com olhar crítico que analisou o impacto de políticas sociais, os avanços e recuos em suas implementações, apontando para a necessidade de o Estado ouvir e reconhecer as demandas dos vários setores da sociedade.
Amélia é casada com Gabriel Cohn e tem dois filhos, Clarice e Sergio – ela, Clarice, antropóloga e ele, Sergio, poeta e editor –, e um neto, Leonardo.
Sugestões de obras da autora:
COHN, A. Crise Regional de Planejamento: o processo de criação da SUDENE. São Paulo: Perspectiva. 1976.
COHN, A. Previdência Social e Processo Político no Brasil. São Paulo. Moderna. 1981.
COHN, A. Cartas ao Presidente Lula – Bolsa Família e direitos sociais. Rio de Janeiro. Azougue. 2012.
COHN, A. (org.). A Saúde como Direito e como Serviço. 7a ed. São Paulo. Cortez, 1915.
COHN, A. (org.) Wanderley Guilherme dos Santos. Coleção Encontros. Rio de Janeiro. Azougue. 2015.
COHN, A. (org.) Florestan Fernandes. Coleção Encontros. Rio de Janeiro. Azougue. 2008.
COHN, A. As políticas de abate social no Brasil Contemporâneo. Lua Nova. Revista de Cultura e Política. Vol. 109. 2020.