Por Christiane Jalles de Paula (UFJF)
Alzira Alves de Abreu nasceu em 4 de julho de 1936, na cidade do Rio de Janeiro, então capital da República. Bacharel e licenciada em História e Geografia na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) em 1958. Na graduação, cursou várias disciplinas de Ciências Sociais, especialmente as de antropologia tendo sido aluna e estagiária de Darcy Ribeiro, que foi quem a conduziu em seus primeiros passos na pesquisa empírica.
Depois de formada, foi convidada por Darcy Ribeiro para trabalhar como sua auxiliar de pesquisa no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Nessa instituição Alzira aprofundou sua formação em Ciências Sociais e teve contato com importantes nomes das Ciências Sociais do período como Luiz de Aguiar Costa Pinto, Bertram Hutchinson, Oracy Nogueira, Manuel Diégues Júnior, Roberto Cardoso de Oliveira, Josildeth Gomes Consorte, entre outros. Com o golpe militar de 1964, instalou-se no país um clima de insegurança, de perseguição e de repressão a pessoas e a instituições identificadas como sendo de esquerda, como era o caso do CBPE. Em razão disso, Alzira transferiu-se para o Instituto de Ciências Sociais (ICS), centro de pesquisa da então Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e passou a integrar o seu corpo de pesquisadores.
No ICS Alzira fez parte da equipe, liderada por Luciano Martins, que produziu uma radiografia do empresariado brasileiro e buscou compreender o envolvimento desses atores com as políticas de desenvolvimento industrial das décadas de 1930 e 1940. Foi ainda onde Alzira reforçou a opção pela pesquisa empírica, pois atuou em várias frentes, entre as quais a da pesquisa em arquivos privados, em especial com o de Getúlio Vargas. Por fim, no ICS, Alzira esteve inserida em um espaço intelectual que debateu intensamente as teses sobre o nacional-desenvolvimentismo. Enquanto os meios nacionalistas de esquerda – Partido Comunista Brasileiro e o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) – defendiam que a burguesia nacional tinha um papel de protagonista, no ICS se problematizou esse papel da burguesia nacional, ressaltando a sua dependência com o capital estrangeiro, com o Estado e com os grandes proprietários rurais, bem como a sua passividade e descompromisso em atuar como agente das mudanças. Em 1967, em função da Reforma Universitária, o ICS foi incorporado ao Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), da UFRJ, ao qual Alzira passou a integrar. O caráter interdisciplinar, a experiência com a pesquisa empírica, a troca intelectual dos membros do ICS com os cientistas sociais uspianos como Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort, José de Souza Martins e o convívio com nomes que viriam a contribuir para o fortalecimento das Ciências Sociais no Brasil como Alba Zaluar, Gilberto Velho, Maurício Vinhas de Queiroz e outros, imprimiram os rumos da trajetória de Alzira.
A decretação do Ato Institucional n° 5, em 1968, recrudesceu o autoritarismo no país ampliando o clima de insegurança e levando Alzira a deixar o Brasil. Em 1969 ingressou no doutorado na Université Paris-Descartes (Paris V – Sorbonne) e aprofundou sua formação em sociologia, tendo frequentado seminários de teoria sociológica de Raymond Aron, algumas aulas ministradas por Pierre Bourdieu, entre outros. Em 1975, sob a orientação de François Bourricaud, defendeu a tese de doutorado intitulada Nationalisme et action politique au Brésil: une étude sur l’Iseb. Pioneiro, o trabalho examina a experiência do Iseb à luz dos estudos sobre os “grupos de interesse”. Ao retornar ao Brasil, Alzira reassumiu o cargo no IFCS, tendo sido lotada no Departamento de Ciências Sociais e cumprindo com as funções de docente de sociologia uma vez que as atividades de pesquisa do ICS haviam sido descontinuadas. Mas ela não demorou a engajar-se novamente em ambiente acadêmico voltado para a pesquisa e neste ano passou, também, a integrar os quadros do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getulio Vargas. Nessa instituição Alzira exerceu inúmeras funções executivas, tendo sido coordenadora geral, de 1985 a 1989, e diretora, de 1990 a 1994, e coordenou o projeto Brasil em Transição: um balanço do final do século XX, aprovado pelo Pronex. Ali também desenvolveu suas agendas de pesquisa que, num plano mais amplo, buscou produzir dados e informações sobre a política brasileira, seus atores e instituições, e, de outro, específico, deu relevo à mídia em suas articulações com a política, a cidadania e a democracia no Brasil.
Alzira ingressou no CPDOC em 1975 e foi coordenar o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro (DHBB), que dividiu com Israel Beloch. Obra de referência pioneira no país, o DHBB foi publicado pela primeira vez em 1984, e é composto por biografias de membros da elite política brasileira atuantes a partir de 1930, e por verbetes temáticos sobre instituições, partidos, movimentos, imprensa, entre outros. Nessa linha de atuação, Alzira coordenou a segunda edição do DHBB, o Dicionário Histórico-Biográfico da Propaganda no Brasil, o Dicionário da Política Republicana do Rio de Janeiro, o Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro da Primeira República (1889-1930) e Caminhos da Cidadania.
Em 1983, Alzira voltou a viver na França. Lá participou de um grupo de estudo sobre intelectuais com Luciano Martins, Silvia Sigali e Daniel Pécaut, conheceu o Institut d’Histoire du Temps Présent, aproximou-se de Michael Pollack, que trabalhava com memória, e tomou conhecimento dos trabalhos de René Remond sobre história política. Quando retornou ao Brasil, em 1985, essas experiências a fizeram querer trabalhar as mesmas questões no CPDOC. Foi aí que começou a estudar a luta armada, o que resultou no livro Intelectuais e guerreiros: o Colégio de Aplicação da UFRJ de 1948 a 1968.
A partir da década de 1990, a relação entre mídia e democracia no Brasil levou-a a conduzir diversas pesquisas sobre a história e a atuação da imprensa no país, com ênfase no papel que teve a imprensa nas crises políticas que puseram em xeque a democracia brasileira, como em 1954, 1964 e 1992, bem como buscou entender a contribuição dos jornalistas como atores na construção e/ou ampliação da cidadania. Alzira também estudou as mudanças na própria imprensa, assinalando o protagonismo dos jornalistas nesses processos.
Ao longo de sua vida, Alzira participou de vários conselhos de sociedade cientifica, como o da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, da Faperj, da Anpocs e da Finep. Publicou sozinha ou em coautoria mais de 20 artigos acadêmicos, mais de uma dezena de livros, cerca de 30 capítulos de livros e mais uma centena de artigos e entrevistas em jornais e revistas de circulação nacional.
Faleceu em Paris em 05/03/2023.
Sugestões de obras da autora:
ABREU, A. A.; BELOCH, I. (Org.) . Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro 1930-1983. Rio de Janeiro: Forense-Universitária, 1984. v. 4.
ABREU, A. A.. Intelectuais e Guerreiros: o Colégio de Aplicação da UFRJ de 1948 a 1968. Rio de Janeiro: UFRJ, 1992. v. 1. 170p .
ABREU, A. A.. A imprensa em transição: o jornalismo nos anos 50. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. v. 1. 199p .
ABREU, A.A; LATTMAN-WELTMAN, F.; ROCHA, D. Eles mudaram a imprensa – depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
ABREU, A.A.; ROCHA, D. Elas ocuparam as redações – depoimentos ao CPDOC. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.