Por Clarice E. Peixoto (UERJ)
Nasceu sergipana, em 1931, e logo se tornou soteropolitana quando seus pais se mudaram para a Bahia, terra materna. Ingressou na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, em 1971, quatro anos após sua diplomação na Graduação em Ciências Sociais da mesma Universidade. É vinculada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo (NEIM), ambos da Universidade Federal da Bahia. Ao longo desses cinquenta anos ela tem contribuído para constituir e sedimentar áreas até então pouco abordadas como gênero, gerações e envelhecimento. Já em 1977 sua pesquisa para o mestrado em Ciências Sociais (UFBA) analisou o emprego doméstico como uma questão de gênero e de relação de poder – ‘Visão de mundo da empregada doméstica’, orientada por Zahide Maria Machado Neto.
Os anos 1980 foram tempos voltados para a sedimentação destes campos temáticos nos quais se debatiam questões teóricas e políticas sobre mulher & trabalho, mulher & política, mulher & família. As primeiras inspirações teóricas foram influenciadas por Simone de Beauvoir e seu estudo sobre a condição diferenciada da mulher em relação ao homem (Le Deuxième Sexe, 1976, 2ªed.), e por autores como Georges Balandier que analisou as dimensões de gênero e gerações como elementos fundantes da vida social (Anthropologiques, 1974), e Maurice Godelier que, na pesquisa sobre a dominação masculina e a condição da mulher nos Baruya, ponderou que a idade e o sexo eram a base da organização social desta sociedade (La Production des Grands Hommes: Pouvoir et domination masculine chez les Baruyas de Nouvelle-Guinée, 1982). Sexo, idade, desigualdades foram as palavras-chave que a levaram à produção de pesquisas para melhor formular as categorias emergentes de gênero e gerações, e aprofundar teoricamente a articulação entre elas e envelhecimento.
Seu engajamento apaixonado por estas questões a impulsionou. Em maio de 1983, foi uma das fundadoras do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher (NEIM), vinculado às Ciências Sociais da UFBA e voltado para os estudos das relações de gênero na sociedade brasileira. Um centro de pesquisa e de formação que é reconhecido nacional e internacionalmente. Neste mesmo ano, ela ministrou o primeiro curso sobre gênero na Pós-Graduação de Ciências Sociais (UFBA), no qual propôs uma discussão sobre o lugar da mulher na produção teórica das Ciências Sociais, percorrendo autores clássicos como Friedrich Engels, Karl Marx, Émile Durkheim, Claude Lévi-Strauss e finalizando com autoras feministas como Simone de Beauvoir, Betty Friedan e Shulamith Firestone. Com enfoque na dimensão de gênero & classe publicou seus dois primeiros artigos sobre relações de gênero e classe entre patrões e empregadas no trabalho doméstico: ‘Tempo de mulher. Tempo do trabalho de mulheres proletárias em Salvador’ (1985) e ‘A Relação Impossível’ (1986). Segundo ela, “um dos meus primeiros insights analíticos sobre a diversidade social e suas ambiguidades”.
Os anos 1990 foram consagrados a uma outra dimensão do seu interesse, as relações intergeracionais, pois a dinâmica social se realiza, sobremodo, por meio das relações entre as gerações e, certamente, sem perder a conexão com a condição de gênero e a situação de classe dos indivíduos. Em 1997, Alda foi uma das criadoras da Coleção Bahianas, publicação do NEIM voltada para divulgação de reflexões críticas sobre feminismo, mulher e as relações de gênero. Dois anos depois, em 1999, ela defendeu sua tese de doutorado em Educação, na Universidade Federal da Bahia, intitulada ‘Não tá morto quem peleia (a pedagogia inesperada nos grupos de idosos)’, orientada por Rogério Cunha de Campos. Nesta pesquisa, ela analisou as relações entre mulheres e homens envelhecidos que frequentavam os chamados ‘grupos de convivência’ e ‘programas para a terceira idade’. Estes espaços de sociabilidade espelhavam, na época, a condição de gênero e de classe no envelhecimento.
Este foi também um período voltado para a criação de intercâmbios internacionais. Logo no início da década, em 1990, Alda foi recebida como professora visitante na Brown University, Estados Unidos e, em 1995, também como professora visitante no Centre of Latin American Studies, University of Cambridge, Inglaterra. Foi professora colaboradora da Universidad Nacional de La Patagonia San Juan Bosco, Argentina, de 2012 a 2015. Engajou-se, igualmente, nos debates acadêmicos promovidos em congressos internacionais, pois a sua obra chama atenção pela capacidade de transitar entre as abordagens sociológicas e antropológicas, e de mobilizar conceitos clássicos destas duas disciplinas.
Nestes anos de 1990, os fóruns brasileiros abriram espaço para os debates sobre o envelhecimento populacional e teve início uma rica interlocução sobre processos de envelhecimento e relações intergeracionais entre a socióloga Alda Britto da Motta e as antropólogas Myriam Lins de Barros, Guita Debert e Clarice Peixoto. Karl Mannheim e Claudine Attias-Donfut tornaram-se referências teóricas importantes neste diálogo.
Na sua trajetória de formação acadêmica e profissional, a Universidade Federal da Bahia foi o espaço de ancoragem de Alda Britto da Motta, lugar de onde tece suas amarras teóricas e de reflexão sobre as questões sociais emergentes nos seus campos preferidos de pesquisa. Em 2006 foi uma das fundadoras do Programa de Pós-Graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo; o primeiro no Brasil e na América Latina com essa especificidade. Posteriormente, ela participou da criação do curso de Graduação nesta temática, ambos vinculados ao NEIM. Como membro fundadora do NEIM, Alda se integrou à Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos sobre a Mulher e Relações de Gênero logo após sua criação.
Sabemos que de envelhecer ninguém escapa, contudo, as mulheres são mais longevas já que sobrevivem mais do que os homens, ainda que na velhice estejam mais sujeitas a deficiências físicas e mentais do que os homens. Nos anos 2000, suas pesquisas focalizaram, principalmente, as questões de gênero no envelhecimento, com destaque para temas relacionados aos velhos e velhas centenárias brasileiras e à violência contra a mulher de mais idade. Neste ponto específico, Alda apresentou um trabalho no VII Simpósio Baiano de Pesquisadores sobre Mulher e Relações de Gênero, realizado em 2007, em que fez uma crítica contumaz à persistente dificuldade de cientistas sociais, inclusive as feministas, em trabalhar concomitantemente com as categorias gênero e geração, principalmente, na referência ao envelhecimento (publicado em 2010).
O refinamento de suas reflexões favoreceu diálogos profícuos com os seus e as suas interlocutoras no âmbito destes campos temáticos, e inspiraram inúmeras orientações na graduação e na pós-graduação. O modo delicado e respeitoso, a fala lenta no forte sotaque baiano expressam seu modo particular para lidar com as pessoas.
Sugestões de obras da autora:
Britto da Motta, Alda; Zaíde Machado Neto. Tempo de mulher – tempo de trabalho entre mulheres proletárias em Salvador. Ciência e Cultura, v. 37, n. 9, 1985.
Britto da Motta, Alda. A Relação Impossível. In Seminário Relações de Trabalho e Relações de Poder (Anais). Fortaleza: UFCE/Mestrado de Sociologia, 1986.
Britto da Motta, Alda. La dimension du genre dans l’ analyse du vieillissement: le cas du Brésil. Temporalités du social et sexuation. Cahiers du Genre, v. 1, n. 24, p. 115-134, 1999.
Britto da Motta, Alda. As dimensões de gênero e classe social na análise do envelhecimento. Cadernos Pagu, v. 13, n.13, p. 191-221, 2000.
Britto da Motta, Alda; Sardenberg, Cecília; Gomes, Marcia. Um diálogo com Simone de Beauvoir e outras falas. Salvador: NEIM/EDUFBA, Coleção Bahianas, 2000.
Britto da Motta, Alda; Azevedo, Eulália; Gomes, Marcia (Orgs.). Reparando a falta: Dinâmica de Gênero em Perspectiva Geracional. Salvador: NEIM/EDUFBA, Coleção Bahianas, 2005.
Britto da Motta, Alda e Weller, Wivian. A atualidade do conceito de gerações. Sociedade e Estado, v. 25, n. 2, p.175-184, 2010.
Britto da Motta, Alda. Violências específicas aos idosos. Sinais Sociais, v. 8, p. 63-85, 2013.
Britto da Motta, Alda. Families of Centenarians. Vibrant, v. 13, p. 55-70, 2016.