Jacob Carlos Lima

Por Felipe Rangel (UFSCar), Aline Suelen Pires (UFSCar) e
Ângelo Martins Júnior (University of Birmingham)

Jacob Carlos Lima é professor titular do Departamento de Sociologia da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e uma referência na Sociologia do Trabalho brasileira. Nascido em São Paulo, em 1954, filho de um motorista de ônibus e uma operária têxtil, viveu a infância e juventude no bairro da Mooca, antiga região operária na capital paulista. Essa origem de classe terá impactos em sua trajetória acadêmica, tanto em seu percurso institucional quanto nos interesses de pesquisa voltados às relações trabalho, classe e mobilidades.

Desde a educação básica, nutria interesses por história e literatura, mas o primeiro contato com as Ciências Sociais se deu durante a graduação em Psicologia, que cursou por dois anos. Em 1976, já decidido pela mudança de área, ingressou na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde tomou contato com movimentos culturais e políticos da época. Foi aluno de professores como Maria da Glória Gohn, Márcia de Paula Leite e Kabengele Munanga. Este último, inclusive, é considerado seu “padrinho acadêmico”, por tê-lo incentivado a seguir os estudos na pós-graduação.

Em 1980, iniciou o mestrado em Ciências Sociais na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), sob a orientação de Octávio Ianni. Nessa época, a instituição contava em seu quadro com docentes da Universidade de São Paulo (USP) que haviam sido cassados ou aposentados compulsoriamente pelo regime militar, além de outros professores de destaque. Foi aluno, além do Ianni, de Florestan Fernandes, Candido Procópio F. Camargo e Vilmar Faria. As despesas do curso de mestrado foram custeadas com o trabalho como professor do ensino básico, ocupação que desempenhava desde o terceiro ano da graduação e, posteriormente, com uma bolsa do CNPq. A pesquisa foi na área da Sociologia Rural e tratou de investigar o trabalho, as condições de vida e as mobilizações políticas de trabalhadores na produção de bananas para exportação no litoral sul de São Paulo, tendo como referências principais os estudos de Maria Conceição D’Incao e José de Souza Martins.

No segundo ano do mestrado, em 1981, a partir de um edital que viu na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde fazia uma disciplina com a Prof. Maria de Nazareth Baudel Wanderley, decidiu prestar concurso para professor no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João Pessoa. As 52 horas de viagem de ônibus foram aproveitadas como tempo de estudo. Foi aprovado e, em 1982, iniciou suas atividades, lecionando em diversos cursos. A orientação do mestrado passou a funcionar por meio de cartas e eventuais telefonemas para seu orientador. A dissertação foi defendida 1983.

No final dos anos 1970 e início dos anos 1980, a UFPB vivia um momento de grande expansão com a atração de professores de todo o país e forte investimento na qualificação docente no país e no exterior. O contexto favoreceu o fortalecimento de projetos e grupos de pesquisa na universidade. Foi nesse cenário que, em 1983, convidado pelo colega Mauro Koury, passou a integrar o Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional (NDIHR), no projeto “Fontes para a história da industrialização do Nordeste”, financiado pela FINEP, e que articulava uma rede de pesquisa nacional baseada na UNICAMP. A participação nesse projeto foi seguida, a partir de 1985, de sua inserção no Grupo de Pesquisa Trabalho e Tecnologia, coordenado pela Prof. Maria Carmela Bonfiglio, recém-chegada de seu doutorado no México, e que marcou, a partir de então, sua trajetória no campo da Sociologia do Trabalho.

Em 1987, afasta-se das atividades na UFPB para realizar o doutorado na USP, instituição sempre percebida por ele como muito distante, tanto geograficamente quanto socialmente, considerando sua trajetória e origem familiar. Obteve uma bolsa do PICD da Capes, voltada à qualificação dos docentes de universidades federais. Seguindo o caminho dos estudos do Trabalho, a pesquisa do doutorado teve como foco a formação do novo operariado fabril em Pernambuco, dialogando com as pesquisas de José Sérgio Leite Lopes, sobre Paulista em Pernambuco e com o estudo de Antônio Sérgio Guimarães sobre a formação de um novo operariado petroquímico na Bahia. Defendeu a tese sobre a busca constante dos operários fabris em permanecer num mercado de trabalho restrito, desafiando a imensa informalidade circundante e as estratégias utilizadas para isso, o que indicaria a existência de uma identidade de classe, mesmo que difusa, e a existência uma cultura operária construída historicamente no Recife. Essa identidade explicaria, em distintos momentos históricos, a mobilização política da categoria. A tese foi defendida em 1992, orientada por Orlando Pinto de Miranda, e publicada em livro em 1996, com o título “Trabalho, mercado e formação de classe: estudo sobre operários fabris em Pernambuco”.
Retornando a João Pessoa, participou do processo de construção do curso de graduação em Ciências Sociais na UFPB – João Pessoa, e da transformação do mestrado de Ciências Sociais em mestrado em Sociologia e, em seguida, da criação do doutorado, que teve início no ano de 2000. Ao longo dos anos 1990, desenvolveu e orientou um conjunto de pesquisas voltadas à compreensão da condição operária no Nordeste, processos de industrialização regional e mobilidade social. De modo geral, seus projetos sempre buscaram estudar as dinâmicas do trabalho para além dos espaços de trabalho, incorporando os aspectos da família, gênero, redes sociais, cultura e cotidiano. Destaca-se nesse período, pesquisas sobre a instalação de cooperativas de produção industrial, no interior da região, dentro dos processos de terceirização decorrente da reestruturação produtiva, da abertura dos mercados às exportações e a inserção do país à globalização neoliberal. As cooperativas foram utilizadas como estratégia empresarial de redução de custos com o assalariamento, com a relocalização da produção para o interior dos estados da região, integrando-as aos fluxos do capitalismo global. Com essa pesquisa, introduz de forma mais significativa a discussão da mobilidade do capital e do trabalho que estará presente em suas pesquisas posteriores.

Em 2000, foi aos Estados Unidos realizar o pós-doutorado no Department of Urban Studies and Development, do Massachusets Institute of Techonology (MIT), sob supervisão de Judith Tendler, que pesquisava projetos governamentais de desenvolvimento no Nordeste brasileiro. O período de pesquisa foi dedicado a estudar o Nordeste ¨globalizado”, com foco nos “novos territórios da produção e do trabalho” e suas consequências na utilização da força de trabalho.

Nesse período, teve contato com a literatura internacional sobre informalidade e com autores da chamada Nova Sociologia Econômica, que foram fundamentais não apenas para a pesquisa de pós-doutorado, mas para a consolidação de uma perspectiva plural na abordagem do mundo do trabalho. Vale destacar que Jacob Lima sempre buscou questionar os limites tradicionais da Sociologia do Trabalho, tanto em termos teóricos, nas análises desenvolvidas, quanto na empiria privilegiando grupos considerados periféricos, marca que permanece presente em seus projetos e nas pesquisas que orientou e orienta.

Em 2004 retorna ao estado de São Paulo, ingressando como professor no Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Em 2005, cria o Grupo de Estudo Trabalho e Mobilidade Social (GTMS), que mais tarde seria expandido e reformulado como Laboratório de Estudos sobre Trabalho, Profissões e Mobilidades (LEST-M), por onde já passaram algumas gerações de pesquisadores dedicados a explorar o tema do Trabalho sob diferentes aspectos, mas com um enfoque especial naquilo que podemos chamar de “cultura do trabalho”. Cultura esta, entendida como não apenas as condições objetivas presentes nas relações de trabalho, mas nas interpretações dos agentes sobre sua situação, e como isto se espraia pela vida social de forma geral.

Nos anos seguintes em São Carlos, participa ativamente da construção do Programa de Pós-Graduação em Sociologia (2007) e do Departamento de Sociologia (2008) da UFSCar. Deu continuidade, ao longo desse período, a pesquisas relacionadas ao cooperativismo e à autogestão, as reconfigurações espaciais do trabalho e da produção, o trabalho informal e o empreendedorismo e ao chamado trabalho digital. Em cada um deles, destaca-se a preocupação em estabelecer diálogos entre pesquisadores de diferentes regiões do país, trazendo para a cena brasileira debates e atores para além do eixo hegemônico Rio-São Paulo.

Jacob Lima também esteve sempre engajado ativamente na dimensão institucional da Sociologia no país. Foi Coordenador da Área de Sociologia na CAPES no período de 2011 a 2014, e coordenou o Comitê de Assessoramento da área de Ciências Sociais-Sociologia do CNPq de 2016 a 2018. Em 2019, foi eleito presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) e reeleito para o período 2021- 2023.
A atuação acadêmica de Jacob Lima é reconhecida por seu engajamento em fortalecer o campo da Sociologia no país, mesmo em um contexto desfavorável à universidade pública e, especialmente, às Ciências Humanas. E essa dedicação tem sido acompanhada na mesma medida pelo esforço para formar pesquisadores e promover pesquisas dedicadas à compreensão do mundo trabalho em suas múltiplas dimensões, com forte rigor empírico e atentas às transformações sociais contemporâneas.

Sugestões de obras do autor:

LIMA, J. C. Trabalho, mercado e formação de classe. João Pessoa: Editora Universitária UFPB, 1996.
LIMA, J. C. As artimanhas da flexibilização: o trabalho terceirizado em cooperativas de produção. São Paulo: Terceira Margem, 2002.
LIMA, J. C. Ligações perigosas: trabalho flexível e trabalho associado. São Paulo: Annablume, 2007.
LIMA, J. C. Outras Sociologias do Trabalho: Flexibilidades, Emoções e Mobilidades. São Carlos: EdUFSCar, 2013.
LEITE, M. P; ARAÚJO, A.M.C; LIMA, J.C. O trabalho na economia solidária: entre a precariedade e a emancipação. São Paulo: Annablume, 2015.
BRIDI, M. A.; LIMA, J.C. Trabalhadores virtuais e precários? os trabalhadores em tecnologias de informação. Curitiba: Editora da UFPR, 2018
LIMA, J. C. O trabalho em territórios periféricos: estudos em três setores produtivos. São Paulo: Annablume, 2020.

Sobre o autor:

Projeto Memória das Ciências Sociais no Brasil- CPDOC – FGV, 2019 – https://cpdoc.fgv.br/cientistassociais/jacoblima

PERRUSI, Arthur; MATOS, Teresa Cristina Furtado. Entrevista com o Prof. Jacob Carlos Lima por Arthur Perrusi e Teresa Cristina Furtado Matos. Política e Trabalho, 27, 2009, p.11-14
www.periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/politicaetrabalho/article/view/6800