Por Vinícius Madureira Maia (USP) e
Daniel Rocha Chaves (UFSC)
Marcelo da Costa Pinto Neves nasceu em Recife, em 16/08/1957, pertencente a uma família tradicional na política e na advocacia em Pernambuco.
Graduou-se na Faculdade de Direito do Recife (FDR) em 1980, ocupando o cargo de procurador do município do Recife no ano seguinte, após aprovação em concurso. Também mediante concurso, passa a lecionar na FDR a partir de 1983, aos vinte e seis anos de idade, como professor auxiliar da área de Teoria Geral do Estado.
Em 1986, orientado pelo Prof. Lourival Vilanova, conclui o mestrado na mesma instituição, cuja dissertação será publicada dois anos depois, sob o título “Teoria da Inconstitucionalidade das Leis”, com prefácio de Raymundo Faoro.
Inicia o doutorado na Universidade de Frankfurt am Main em 1987, sob orientação de Wolf Paul, mudando-se posteriormente à Universidade de Bremen, aos cuidados de Karl-Heinz Ladeur e do sociólogo Niklas Luhmann (coorientador).
Sua tese veio a ser publicada originalmente em alemão em 1992, pela prestigiosa editora Duncker & Humblot — que dera à estampa obras de Hegel, Max Weber, Georg Simmel, Carl Schmitt, Joseph Schumpeter, entre outros tão ou mais conhecidos —, com o célebre prefácio de Luhmann; só bem mais tarde, em 2018, viria a ser traduzida ao português, intitulada “Constituição e direito na modernidade periférica: uma abordagem teórica e uma interpretação do caso brasileiro”. Esse trabalho, reconhecidamente, provocou mudanças profundas na derradeira configuração conferida por Luhmann à sua própria teoria dos sistemas sociais.
Ao fim de 1992, aprova-se em concurso à vaga de professor titular na área de Teoria Geral do Estado da FDR, com a tese “A constitucionalização simbólica”, cuja primeira edição vem a lume em 1994. Em 1998 comparece a edição alemã, revisada e aumentada: um clássico da sociologia jurídica, que conta com Habermas entre os seus leitores e comentadores mais entusiasmados.
Em 2000, na Suíça, conquista a livre-docência junto à Universidade de Friburgo, com a tese “Entre Têmis e Leviatã, uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas”, talvez seu trabalho mais expressivo.
Pouco depois, viria a renunciar aos cargos públicos (e a um estilo de vida presumivelmente confortável) no Brasil, para então se dedicar, como bolsista, à vida acadêmica no estrangeiro.
Realizou pesquisas de pós-doutorado na Universidade de Frankfurt am Main (1996-1998, 2000) e na London School of Economics (1997); Jean Monnet Fellow no Instituto Universitário Europeu, em Florença (2000-2001); Visiting Fellow no Instituto Max Planck, em Heidelberg (2010 e 2017), e também na Universidade de Glasgow (2014); Senior Research Scholar na Faculdade de Direito de Yale (2014-2015 e 2015-2016); Resident Fellow do Stellenbosch Institute for Advanced Study, na África do Sul (2019) e Visiting Scholar na Universidade de Bielefeld (2020-2021).
Foi ainda professor catedrático interino do Departamento de Ciências Sociais da Universidade de Frankfurt am Main (2001-2002), professor visitante na Universidade de Flensburg (2002-2003) e, ao retornar ao país, professor associado da Faculdade de Direito da USP (2008-2011), além de colecionar passagens pela PUC-SP, FGV-SP e IDP-DF.
Cumpriu um mandato como conselheiro do Conselho Nacional de Justiça (2009-2011), indicado pelo Plenário do Senado Federal à sabatina e aprovação pela Comissão de Constituição e Justiça, com sanção do Presidente da República.
Posicionou-se política e contundentemente contra o ativismo protagonizado por ministros do Supremo Tribunal Federal, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Candidatou-se, pelo Partido dos Trabalhadores (PT), ao cargo de senador pelo Distrito Federal nas eleições de 2018.
Desde 2011, é professor titular de Direito Público da Universidade de Brasília.
Foi agraciado, no fim de 2019, com o Humboldt-Forschungspreis, um dos prêmios mais distintivos da academia alemã, indicado pelos Profs. Alfons Bora, da Faculdade de Sociologia da Universidade de Bielefeld, e Thomas Duve, do Instituto Max Planck para História do Direito e Teoria do Direito, em Frankfurt am Main, à chancela da Fundação Alexander von Humboldt (Berlim), em reconhecimento à totalidade de sua obra, bem como à influência que detém em suas áreas de conhecimento e de atuação científica iniciada há mais de quarenta anos.
A grande parte de seus trabalhos se encontra publicada em vários idiomas, em revistas científicas de sociologia, filosofia ou ciência política, nacionais e internacionais, tais como a Revista Brasileira de Ciências Sociais, Dados, Lua Nova, Revista Brasileira de Filosofia, Archiv fur Rechts- und Sozialphilosophie, Soziale Systeme, Soziale Welt, Das Argument, Sociologia e Politiche Sociali, entre outros veículos. O próprio Neves reconhece que a sua obra possui caráter bem mais sociológico que jurídico.
Realmente, desde a sua emblemática tese de doutorado, ele tem empreendido uma sociologia do direito peculiar, não conformada ao trivial ramo específico da sociologia. A partir do escrutínio de uma circunstância histórico-social particular no plano da sociedade mundial, isto é, de que não teria havido uma adequada realização da autonomia do sistema jurídico no Brasil, de acordo com o primado da diferenciação funcional — ou, na linguagem da heterodoxia à teoria dos sistemas, o vislumbre de processos alopoiéticos como marca estrutural da reprodução do sistema jurídico no contexto da evolução social característica da modernidade periférica —, com todas as consequências de tal insuficiência, Marcelo Neves deriva proposições teóricas de maior amplitude, ultrapassando em muito o domínio de uma sociologia da formação nacional, por assim dizer, rumo a uma teoria geral dos sistemas da sociedade mundial.
Sua obra tem sido tomada em contiguidade teórica junto a uma Saskia Sassen, Ulrich Beck, Sunil Khilnani, Sudipta Kaviraj, Dipesh Chakrabarty, entre vários; sem esquecer, por outro lado, o discernimento inventivo de sua obra como sempre já uma variante dos esquemas ditos pós-coloniais ou decoloniais.
Com efeito, nela desponta o afã característico de uma vertente de intelectuais empenhados, mundo afora, em conjugar habilmente a realidade do globo às peculiaridades próprias de suas respectivas nações periféricas. Há, em particular, uma sentida afinidade com o esforço historicamente empreendido pela intelligentsia nacional no sentido de se compreender as vicissitudes do passado e do presente deste país a todo custo, de que é fina expressão a bibliografia avançada de Florestan Fernandes, Roberto Schwarz e Paulo Arantes, para citarmos apenas alguns.
Sugestões de obras do autor:
NEVES, Marcelo. Transdemocracy (no prelo).
NEVES, Marcelo. A Cidadania Inexistente: textos escolhidos de Marcelo Neves: vol. 1 (org. Edvaldo Moita). São Paulo: WMF Martins Fontes, 2022.
NEVES, Marcelo. Constituição e direito na modernidade periférica: uma abordagem teórica e uma interpretação do caso brasileiro. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2018.
NEVES, Marcelo. Entre Têmis e Leviatã, uma relação difícil: o Estado Democrático de Direito a partir e além de Luhmann e Habermas. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2012.
NEVES, Marcelo. A constitucionalização simbólica. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.
Sobre o autor:
OCAMPO, Sérgio Pignoli e BRASIL JR., Antonio. “O cenário “pós-luhmanniano” e a América Latina: entrevistas com Marcelo Neves e Aldo Mascareño”. Sociologia & Antropologia, Rio de Janeiro, v. 10.01: 15-72, jan.-abr., 2020.
RIBEIRO, Pedro H. “Luhmann “fora do lugar”? Como a “condição periférica” da América Latina impulsionou deslocamentos na teoria dos sistemas”. RBCS, vol. 28 n° 83 outubro/2013, pp. 105-123.
NEVES, Rômulo F. “Entrevista com Marcelo Neves: A Teoria dos Sistemas Sociais de Niklas Luhmann”. Plural, Sociologia da USP, n. 11, 2° sem., 2004, pp. 121-133.