Por Anna Bárbara Araujo UFRN) e Aparecida F. Moraes (UFRJ)
Bila Sorj nasceu na cidade se Santo André, São Paulo, em 06 de outubro de 1950. Em 1969 foi aprovada no vestibular para o curso de Ciências Sociais da USP. No mesmo ano, identificada com os ideais sionistas e socialistas que marcaram a experiência de muitos da sua geração, optou por graduar-se em Israel, na Universidade de Haifa. Lá, cursou história e sociologia e morou em um kibutz durante alguns meses. Em Haifa, também realizou, entre 1972 e 1974, o mestrado em sociologia sob a orientação do professor Teodor Shanin e, entre outros mestres exemplares, conheceu Zygmunt Bauman, recém-chegado da Polônia, vítima dos expurgos antissemitas que marcaram 1968.
Posteriormente, os contatos com o Departamento de Sociologia na Universidade de Manchester na metade dos anos 1970 – naquele momento um centro de formação de sociólogos bastante reconhecido e prestigiado da Inglaterra – a levaram a cursar ali o doutorado, orientada pelo professor Brian Roberts. Estas experiências terminaram por dar contornos cada vez mais definidos a uma socióloga atenta às mudanças sociais e fortemente interessada nas questões relacionadas ao trabalho e solidária às causas dos trabalhadores e das mulheres, como sua trajetória iria demonstrar. É sobre as categorias “trabalho” e “classe trabalhadora/operária”, aliás, que se debruçou tanto no mestrado quanto no doutorado, defendido em 1979, em que analisou a formação da ideologia e os processos de trabalho entre metalúrgicos de Minas Gerais.
Três anos antes, em 1976, tornou-se parte do corpo docente do Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal de Minas Gerais. Em Belo Horizonte iniciou também sua aproximação com os estudos de gênero e dos feminismos. Isso se deu, especialmente, a partir do tema da violência doméstica, que viria a ser um de seus focos de pesquisa e intervenção pública. Foi uma das fundadoras do S.O.S. Violência, um serviço autônomo de assistência a mulheres vítimas de violência doméstica em Belo Horizonte.
Em 1984 transferiu-se para a Universidade Federal do Rio de Janeiro onde atuou por quase quatro décadas como professora do Departamento de Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), integrando o Programa de Pós- graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) no qual se mantém credenciada e vinculada ao quadro de professores permanentes. Ali, continuou interessada na temática do trabalho, mas inseriu, inequivocamente, as lentes do gênero aos seus estudos. O tema do trabalho constituía uma das áreas centrais da sociologia nos anos 1970 e 1980. Mas, divergindo das análises clássicas, Bila passou a discutir como as relações de gênero incidem sobre o trabalho, gerando resultados (e formas de trabalho) muito distintos para homens e mulheres tanto no que diz respeito ao trabalho não remunerado (parcamente reconhecido como trabalho, aliás) quanto ao trabalho remunerado. Destas preocupações emergiram, ainda nos anos 1990, pesquisas com Alice Rangel de Paiva Abreu, sobre a posição das mulheres no mercado de trabalho informal e sobre o trabalho em domicílio. Neste tipo de trabalho, a análise das relações de gênero se mostrava fundamental para compreender a articulação entre espaço doméstico e espaço de trabalho remunerado. Houve um notável esforço de Bila para que o gênero fosse incorporado aos debates mainstream da Sociologia do Trabalho, não sendo reduzido a um conjunto de questões de importância secundária. Sua contribuição foi importante para avançar o debate sobre a relação entre gênero e trabalho em termos conceituais, teóricos e analíticos.
Nos anos 1990, Bila dedicou-se também aos estudos sobre judaísmo. Em 1995, realizou um pós-doutorado na École des Hautes Études en Sciences Sociales, em Paris, estudando a colonização rural de judeus russos no sul do Brasil no início do século XX. Em 2001, foi finalista do Prêmio Jabuti na categoria Ciências Humanas, com o livro Israel, Terra em Transe. Democracia ou Teocracia, coescrito com a jornalista Guila Flint.
Tem estudado, especialmente a partir dos anos 2000, os feminismos como movimentos sociais, encarando com maestria o desafio de formular perguntas sociológicas sobre este campo, buscando observá-lo criticamente, a despeito de suas afinidades pessoais e políticas.
Também nos anos 2000, Bila passou a se debruçar sobre o tema do cuidado, e mais especificamente sobre a relação entre este, o mercado, o Estado e a família, mostrando como o sistema de cuidado, especialmente no caso brasileiro, é altamente estratificado. Bila também tem discutido os estudos de gênero e a teoria feminista como campo de saber. Nesta linha figura seu clássico texto, escrito com Maria Luisa Heilborn sobre estudos de gênero no Brasil. Mais recentemente publicou, com Verônica Toste Daflon, um livro que destaca a contribuição de mulheres do século XIX à teoria social.
O vigor de suas pesquisas e suas contribuições ao campo de estudos de gênero se visibiliza nas várias colaborações nacionais e internacionais desenvolvidas ao longo de sua carreira e na posição de bolsista de produtividade do CNPq.
É importante destacar também o papel de Bila na institucionalização dos estudos de gênero no país. Por mais de uma década, esteve vinculada à Comissão organizadora do Concurso de Dotações para Pesquisa sobre a Mulher e Relações de Gênero, realizado pela Fundação Carlos Chagas/Fundação Ford. Fez parte da comissão junto com expoentes pesquisadoras na área de gênero. Ela também atuou, entre 1997 e 1999, no corpo editorial da Revista Estudos Feministas, uma das principais publicações acadêmicas brasileiras da área de gênero. Participa do Comitê Gêneros e Sexualidades da ANPOCS. Além disso, sendo uma professora excepcional e coordenando o Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero (PPGSA/UFRJ), Bila tem formado gerações de pesquisadoras e pesquisadores, mostrando-se sempre uma orientadora atenciosa e perspicaz que discute sociologia com vivacidade e precisão.
Sugestão de obras da autora:
DAFLON, Verônica Toste; SORJ, Bila. Clássicas do Pensamento Social: Mulheres e Feminismos no Século XIX. 1. ed. Rio de Janeiro: Roda dos Tempos, 2021.
SORJ, Bila. Reconciling Work and Family: Issues and Policies in Brazil. Genebra: Internacional Labour Organization, 2004.
FLINT, Guila; SORJ, Bila. Israel, terra em transe. Democracia ou teocracia? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
SORJ, Bila. Arenas de cuidado nas interseções entre gênero e classe social. Cadernos de Pesquisa (Fundação Carlos Chagas. Impresso), v. 43, p. 479-490, 2013.
SORJ, Bila. Sociologia e Trabalho: mutações, encontros e desencontros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 15, n.43, p. 25-34, 2000.