CP23 – Sociologia da Saúde
Coordenação
A sociologia da saúde tem uma longa tradição no Brasil. Sua constituição pode ser identificada tanto nas primeiras manifestações e relatos históricos de estudiosos sobre a realidade brasileira (NUNES, 2014b; 2012), com destaque para a clássica obra de Oracy Nogueira (1917-1996) – Vozes de Campos do Jordão: Experiências Sociais e Psíquicas do Tuberculoso Pulmonar no Estado de São Paulo – quanto na incorporação das ciências sociais em cursos de saúde, a partir da década de 1960, com diálogos, nem sempre fácil, entre as ciências sociais, a medicina e a enfermagem, entre outros campos e, mais tarde, a saúde coletiva. Os cursos de Pós-Graduação e a orientação de dissertações e teses foram um estímulo às trocas entre campos de conhecimento, que se alimentavam de intercâmbios e os estimulavam, por seu turno (Castro Santos, 1993). A progressiva institucionalização dos temas sociológicos culminou na estruturação de um campo de conhecimento específico, reconhecido pelos órgãos de fomento à pesquisa nacional e pelos organizadores dos congressos nacionais de sociologia.
Além das dificuldades descritas por Nunes (2014a; 2014b) para a caracterização de uma identidade da Sociologia da Saúde (substituída por ele, em outros artigos, pelo termo trajetória), acrescentam-se as dificuldades na delimitação dessa área em função da abrangência dos temas investigados e do escopo dos campos de aplicação, ambos importantes para avaliarmos a produção e configuração do conhecimento dessa área. O conceito elástico de saúde difundido pela Organização Mundial da Saúde (dependente de conjunturas econômicas, políticas e culturais e dos contextos propriamente relacionados ao campo), reiterado posteriormente em várias conferências internacionais, é um exemplo da ampliação do escopo do trabalho em saúde e da importância das ciências sociais para a compreensão da produção de conhecimentos e das práticas em saúde individual e coletiva (Grisotti e Castro Santos, 2018).
Apesar da longa tradição de pesquisas em sociologia da saúde no Brasil (ou Sociologia Médica, como designada em alguns países), a abrangência dos temas investigados e o escopo dos possíveis campos de aplicação apresentam-se ainda como desafios importantes na análise e configuração e produção do conhecimento dessa área. A complexidade temática é um dos vários enigmas enfrentados pelo pesquisador.
Este fenómeno se entende, em primeiro lugar, em consequência da ampliação dos marcos de análise sociológicos sobre temas consolidados e emergentes na vasta literatura, nacional e internacional, situados na linha de frente dos debates que tocam fundo as sociedades contemporâneas, como as questões, estreitamente interligadas, das migrações, dos refugiados das nações e excluídos; os debates sobre saúde internacional/saúde global; do papel dos Estados no controle de doenças que ultrapassam os limites de seus territórios; dos dilemas do pacto federativo e os efeitos da descentralização político-administrativa nas políticas tanto de assistência à saúde quanto de controle de epidemias e endemias; do crescimento do papel das ONGs, a exemplo de organizações como Médicos sem Fronteiras e Partners in Health, para suprir as carências de cuidados médicos-sanitários, tarefas tradicionalmente atribuídas ao Estado (e suas políticas públicas); das representações sociais de saúde, corpo e medicina; da consolidação, colapso ou ausência de poder do Estado em contextos de crises sanitárias e das chamadas doenças emergentes, as quais constituem um desafio, a um tempo teórico e analítico: Como entender e definir doenças emergentes? Quais as ameaças e os impactos que elas colocam nos contextos locais, nacionais e globais e quais as relações de causalidade (sociais, políticas, econômicas, ambientais) estabelecidas nas suas interpretações? Quais os significados culturais das epidemias? Quais as respostas institucionais? Quais as formas de comunicação pública da ciência em contextos de riscos e incertezas?
Em segundo lugar, os desafios colocados pela complexidade temática da sociologia da saúde foram produzidos pela crescente presença de cientistas sociais em investigações interdisciplinares. Cada vez mais cientistas sociais são chamados para trabalhar em projetos de pesquisas que envolvem temáticas tradicionalmente vinculadas à área médica, reforçando a já clássica diferenciação realizada por Robert Straus (1957) em relação a Sociologia da medicina e Sociologia na medicina, a primeira consistindo no trabalho do sociólogo sobre temas relacionados à saúde, mantendo a sua identidade de campo de conhecimento, enquanto a segunda apresenta o dilema entre ser compreendido ao lançar suas contribuições de acordo com as expectativas e necessidades da área médica (ou da saúde, em geral) e ser afetado, nas relações estabelecidas no interior do campo da saúde, a ponto de perder a sua imaginação sociológica.
Nesse sentido, o Comitê de Pesquisa propõe identificar e avaliar as diferentes perspectivas que estão sendo produzidas no campo da sociologia da saúde, os fundamentos que norteiam as pesquisas de campo, bem como as potencialidades e limites da pesquisa em arenas transepistêmicas (Knorr-Cetina, 1982) ou redes sócio-técnicas, na acepção de Latour (2012): quais as especificidades e as contribuições da sociologia na e da saúde? Quais as referências teóricas e estratégias metodológicas para a produção de conhecimento?
Com a finalidade de analisar a amplitude dessa produção, o Comitê de Pesquisa está estruturado em torno dos eixos temáticos: a) Perspectivas teóricas e metodológicas da sociologia da saúde e lacunas de pesquisas em arenas transepistêmicas; b) Representações sociais em saúde e Itinerários terapêuticos: estatuto sociológico de dois conceitos; c) A saúde e a doença como espaços do Cuidar/Care; d) Instituições e agentes na história e sociologia da saúde pública; e) Perspectivas sociológicas sobre a “saúde global”: percursos do conceito e (des)territorialidades sociais; f) O papel dos Estados no controle de doenças que ultrapassam os limites de seus territórios; os dilemas do pacto federativo e os efeitos da descentralização político-administrativa nas políticas tanto de assistência à saúde quanto de controle de epidemias e endemias; g) Conhecimentos e práticas relacionadas à história da saúde e medicina tropical na América latina e Caribe do século XVIII ao presente; h) Desiguladades sociais e determinantes em saúde i) Possibilidades e limites éticos e legais da transparência nos processo de atenção à saúde.
Trabalhos teóricos e/ou emprícos que problematizem as potencialidades e limites das investigações e as configuracões e tensões das pesquisas nessa área, entre outras questões, são bem-vindos.
Apoiadores
Aurea Ianni (USP)
Frederico Viana Machado (UFRGS)
João Francisco Charrua (ICS-Ulisboa)
João Matheus Acosta Dallmann (UFSC)
José Miguel Rasia (UFPR)
Marcia Grisotti (UFSC)
Lina Faria (UFSB)
Lucas Faial Soneghet (UFRJ)
Luiz Antonio de Castro Santos (UERJ)
Luziana M. da Fonseca Silva (UFPB)
Maria Helena Oliva Augusto (USP)
Mariana Leoni Birriel (UDELAR)
Myriam Raquel Mitjavila (UFSC)
Nelson Felice de Barros (UNICAMP)
Preciliana Banet de Morais (UECE)
Renata Siuda-Ambroziak (Warsaw University)
Rodolfo Levin (UDELAR)