CP04 – Sociologia das Periferias Urbanas

Coordenação

Mariana Côrtes (UFU)
Edson Miagusko (UFRRJ)

O objetivo central deste Comitê de Pesquisa é contribuir para a compreensão das dinâmicas sociais que têm alterado radicalmente as relações de governo na qual estão mergulhadas as parcelas da população brasileira que se encontram nas margens do estado. A nosso ver, é nas periferias urbanas que se torna visível de modo mais evidente a pluralização de agências de governo, estatais e extra-estatais, que disputam cotidianamente a orientação dos sentidos das ações e do vivido, bem como o ordenamento capaz de conferir significados e sustentar a reprodução da intensa desigualdade que atravessa a sociedade brasileira.

É um problema que atravessa nossa história, o da gestão de amplas parcelas da população brasileira que, devido às heranças da colonização e da escravização, de desigualdades regionais e/ou desigualdades socioeconômicas, não chegaram a ser completamente incluídas nos marcos de nossa limitada cidadania. O que nos interessa neste Comitê de Pesquisa é consolidar as contribuições teóricas e metodológicas que conferem visibilidade aos processos de coprodução entre o estado e as margens, partindo do diagnóstico de que as relações que tais parcelas da população estabelecem não estão marcadas pela mera ausência ou insuficiência do estado, mas pelos efeitos da especificidade de seu modo de se articular a outras agências de governo presentes na trama social.

O Comitê de Pesquisa reconhece que as periferias urbanas da sociedade brasileira passaram por um conjunto de transformações sociais relevantes, impactadas por uma profunda crise da ideia de Estado Social ou Estado de Bem-Estar, devido ao resultado compósito de um conjunto de diferentes processos. Destacamos: a) a tardia construção de um pacto social em torno da ideia de direitos universais (Constituição de 1988), no momento mesmo em que este imaginário se desconstruía nos primeiros governos do mundo euroatlântico a empreender reformas neoliberais, e também num contexto de restrições orçamentárias que limitavam a expansão de serviços públicos básicos de qualidade; b) as reações conservadoras despertadas pela emergência – desde os anos 1970 – de novos atores políticos, nas classes populares, que reivindicavam reconhecimento de sua cidadania para além da identificação com o mundo do trabalho; uma transição democrática incompleta, sem punição – judicial ou simbólica – aos agentes da ditadura civil-militar; c) alterações na estrutura produtiva, com reestruturações e novos modelos de gestão; a introdução, na segunda metade da década de 1990, de mecanismos de reestruturação e terceirização do trabalho assalariado, com importantes efeitos concretos e simbólicos sobre modos de vida e as possibilidades de sua reprodução; d) a experiência de um ciclo de crescimento econômico nos anos 2000, articulado a políticas distributivas que diminuíram a miséria e a pobreza no país, o que permitiu a inclusão de parcelas da população por meio do acesso aos bens de consumo e ampliação do crédito, sem no entanto reduzir efetivamente a estrutura das desigualdades.
O Comitê de Pesquisa também se impõe como objetivo o desafio de compreensão do momento presente, em que o avanço de personagens e partidos identificados à extrema direita na ocupação de cargos no Executivo e no Legislativo, e a adoção de seus valores por parcelas e movimentos da sociedade civil, tornam evidentes as fragilidades da reconstrução democrática no Brasil contemporâneo, o que impacta as formas como a relação entre o estado e as margens são fabricadas, marcada pelo agravamento da violência de Estado e pela radicalização da vulnerabilidade das vidas dos sujeitos que habitam as periferias. Durante as três últimas décadas, a dinâmica das relações entre estado e margens alterou de forma profunda a paisagem das periferias urbanas, ao instituir uma espécie de cogestão da questão social brasileira, em múltiplos regimes de governo que hoje disputam os sentidos da vida dos sujeitos nas margens. Tais sujeitos são mobilizados em suas trajetórias biográficas pela tensão entre agências gestionárias variadas: a presença do Estado, em sua dimensão punitiva, redistributiva e/ou assistencialista; os movimentos sociais de luta pela moradia urbana; o crescimento de igrejas evangélicas no espaço periférico e seu dispositivo de gestão do sofrimento; a expansão de agências ligadas ao mundo do crime, às facções criminosas e aos mercados ilícitos; o avanço de milícias que produzem controles de territórios e regulação de serviços em determinadas periferias urbanas.

Um conjunto importante de trabalhos nas ciências sociais, muitos de cunho etnográfico, tem tornado possível compreender de modo mais complexo a dinâmica das novas configurações e arranjos no tecido social, que se desdobram dos processos acima elencados. Tais trabalhos têm colocado ao menos dois desafios à imaginação sociológica: 1) a tarefa de articulação e comparação de resultados de pesquisas que lidam com diferentes níveis de análise e de etnografias realizadas em diferentes estados brasileiros, de modo a compreender de forma mais integrada a nova configuração das relações entre governantes e governados no Brasil a partir da diversidade das experiências de populações que, ao habitar as margens do Estado, habitam também um conjunto heterogêneo de agências de governo extra-estatais (ONGs, movimentos sociais, instituições religiosas, “mundo do crime”, mercados ilícitos, milícias etc.); 2) a tarefa de aprofundar e construir conceitos adequados a uma nova compreensão histórica do processo de construção da cidadania no país, seus limites e possibilidades. São estes desafios que esperamos que os trabalhos inscritos contribuam para enfrentar.

Esperamos receber trabalhos que se articulem aos seguintes eixos:

1. Governo e subjetividades nas periferias e nas margens: valores e práticas na experiência do mundo público
2. Favelas, quebradas, comunidades: (auto)designações de territórios e sujeitos
3. Mercados ilícitos e gestão de ilegalismos nas periferias urbanas
4. Governantes e governados: encontros da população com as políticas estatais
5. Pobreza, pobres e gestão da questão social em diferentes regimes territoriais
6. Mundo do trabalho e empreendedorismos populares
7. Corpos, identidades, subjetividades: classe, raça, gênero, sexualidades e ação política nas margens
8. Dados, conhecimentos e estatísticas produzidas nas margens, pelas margens
9. Mortes e desaparecimentos: formas de violência, sofrimentos e re-existências
10. Multiplicidade de regimes de governo extra-estatais de gestão das populações: movimentos sociais; ONGs; agentes religiosos; “mundo do crime”, milícias, entre outros.

Apoiadores

Fabiana Jardim (USP)
Liana de Paula (UNIFESP)
Nalayne Mendonça Pinto (UFRRJ)
Cibele Rizek (USP)
Lia Rocha (UERJ)
Paloma Meneses (UFF)
Márcia Leite (UERJ)
Joana Barros (UNIFESP)
Fábio Araújo (Fiocruz)
Alexandre Magalhães (UFRGS)
Wellington da Silva Conceição (UFT)

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