Educação e pandemia, o que mudou na escola?

Publicado em 31 de maio de 2021

Por Sueli Guadelupe de Lima Mendonça (UNESP-Marília) e
Danyelle Nilin Gonçalves (UFC), coordenadoras do Comitê de Pesquisa Ensino de Sociologia da SBS.

Nest post, as autoras traçam um retrato dos desafios a serem enfrentados pela Educação diante do impacto da pandemia do Covid-19.

O ano de 2020 será marcado como um ano em que o mundo foi forçado a desacelerar.  Desde que em dezembro de 2019, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou um relatório no qual indicava o surgimento de uma série de casos de pneumonia de origem desconhecida na província de Wuhan, na China, os países passaram pouco a pouco a ficar em estado de alerta.

Ao longo dos primeiros meses de 2020, praticamente todos os países do globo instituíram decretos para reduzir ou proibir a circulação de pessoas, o que implicava a suspensão de atividades corriqueiras e o confinamento em suas casas como forma   de barrar a curva ascendente de contágios.

Entendia-se que a proibição de atividades presenciais nesses espaços   diminuiria ou retardaria as taxas de contágio e morbidade, à semelhança do que ocorreu na gripe espanhola (1918-1920) e na gripe asiática (1957-1958), quando fechar escolas foi responsável pela diminuição de 90% da morbidade. Já no século XXI (2004-2008), essa estratégia foi responsável por diminuir em 50%  a mortalidade durante a epidemia de gripe que afetou  os EUA.

Após algumas semanas do início do aumento de casos no Brasil e consequentes instalações de decretos estaduais de restrições de circulação, muitas escolas da educação básica públicas e privadas e instituições de ensino superior, sobretudo particulares, implantaram ensino remoto para que  seus alunos não ficassem sem aulas. Com o passar dos meses, as universidades públicas também foram adaptando seu ensino a esse formato.

Os professores precisaram transformar suas disciplinas para essa modalidade, o que  incluiu, dentre tantas coisas, preparar um espaço físico adequado para a transmissão das atividades (algo que nem todos possuíam), aprender a usar as plataformas virtuais, para que os encontros acontecessem, e  incrementar o uso de redes sociais, a fim de continuar orientações e acompanhamento de alunos.

A pandemia impôs mudanças às formas de sociabilidade, em especial à escola por meio das atividades remotas, trazendo novos elementos que demandam acesso e domínio às chamadas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC), bem como a constatação da precariedade da infraestrutura da instituição (prédio e equipamentos), abalando as relações sociais no cotidiano escolar. Da relação presencial ao advento das atividades remotas, tanto aluno como professor foram inseridos num contexto desconhecido, instável e sem orientações e ferramentas necessárias para enfrentar o desafio, tendo sido obrigados a encontrar eles mesmos as soluções para prosseguir as atividades. Assim, professores tiveram que comprar equipamentos para possibilitar que as aulas acontecessem (novos computadores, iluminação, tripés, mesas etc.). A situação mais grave, no entanto, foi destinada às famílias que precisaram adquirir celulares, tablets, notebooks e internet adequada para que seus filhos pudessem assistir as aulas. Isso, obviamente, muitas vezes não foi possível, tendo sido amplamente divulgado casos de alunos usando internet em vias públicas, em cima de árvores ou de professores andando dezenas de quilômetros para entregar atividades aos discentes. Muitas dessas reportagens exaltavam o heroísmo de seus atores, sendo muito pouco críticas à situação em si.

As aulas diretamente mediadas pelas mídias digitais, das mais simples às mais sofisticadas, passaram a ser o cotidiano de alunos e professores, que envidaram esforços para o estabelecimento de uma nova relação com o conteúdo escolar.

Uma das manifestações mais presentes no período da pandemia foi a explicitação da desigualdade social, que solapa as tentativas dos grupos sociais mais vulneráveis de manter relações com a escola. Considerando as tímidas ações do poder público frente ao acirramento da pandemia, problemas — em que a escola agia como apoio às medidas contra a vulnerabilidade social, como merenda escolar — se agravaram, quando somados à crise econômica com crescimento do desemprego e adoecimento nas famílias, que se sentiram obrigadas a garantir um equipamento para que seus filhos assistissem aulas. Precisam de celular, mas não têm o que comer, forçando muitos alunos, de diferentes idades, a procurarem e engrossarem as fileiras do trabalho informal, diminuindo ainda mais as chances de continuarem na condição de alunos.

Os professores também sofreram impactos profundos com a intensificação e aumento da jornada de trabalho, sem controle de tempo sobre o trabalho profissional e a vida privada. As atividades remotas criaram um novo cotidiano, onde trabalho é casa e casa é trabalho, se perdendo o demarcador de tempo e espaço entre jornada de trabalho e descanso, impactando sobretudo a vida das mulheres docentes.

Docentes que atuavam em escolas mais vulneráveis tiveram o desafio adicional de manter um elo com seus alunos, que dependem objetivamente das condições de sua família de garantir o acesso ao celular com internet, sendo que muitas famílias limitadas ao uso de um único telefone, disponível somente quando o responsável retorna do trabalho já tarde da noite. As plataformas, que precisaram aprender a lidar, bem como o aumento do controle da escola, intensificaram seu trabalho, exigindo muito mais de si. Houve também a necessidade de atualizar suas ferramentas de trabalho para diminuir seu stress no uso de equipamentos que não comportavam a demanda das atividades digitais, ou uma internet frágil frente a intensidade exigida. Isso implicou novos gastos com os meios necessários para a realização de seu trabalho, sem apoio do poder público.

O fato de terem sido, pela força das circunstâncias, obrigados a usar os meios virtuais, criou em muitos docentes dúvidas acerca do ensino remoto e um sentimento de desconfiança da utilização de plataformas, tanto porque os alunos não têm acesso, mas também por não acreditarem nos aspectos pedagógicos da proposta e por dificuldades com os recursos tecnológicos.

Durante a pandemia, vários foram os casos de professores demitidos sumariamente ou que tiveram suas turmas reduzidas e agregadas incidindo diretamente nos salários.

O trabalho remoto, com tudo o que implica em termos de preparação de aulas nesse formato, aprendizagem de novas linguagens e as dificuldades decorrentes desse processo, impactou a carga de trabalho. A pesquisa realizada em 2020 por Gonçalves, Lima Filho e Freitas (2020) com quase 6000 docentes do ensino infantil ao ensino superior, revelou que a maioria dos docentes (57,6%) sinalizou que estava trabalhando mais naquele momento do que em sua condição normal pré-pandemia.

Paralelo ao aprofundamento da desigualdade social, as grandes empresas ligadas às grandes plataformas dominaram o mercado e aumentaram seus lucros, tendo a hegemonia do setor e dificultando às tecnologias livres e públicas de terem espaço nessa nova e desmedida demanda digital.

A perda de referências das atividades de estudo e de trabalho presenciais, bem como a inserção das atividades remotas no cotidiano das instituições escolares, aliadas aos impactos maiores da pandemia, já revelam como consequência o agravamento de dois problemas estruturais: o aumento da desigualdade social e a evasão escolar.

Dados do relatório da Unicef apontam que 1,38 milhão de alunos brasileiros entre 6 e 17 anos (3,8%) abandonaram as instituições de ensino em 2020 e 4,12 milhões de alunos (11,2%), mesmo estando matriculados nas aulas online, não receberam nenhuma atividade escolar.

 Os impactos negativos da pandemia sobre a educação estão sendo explicitados, mas ainda serão vistos nas próximas décadas, indicando a necessidade das Ciências Sociais de se debruçarem para desvelar a essência desse novo processo de sociabilidade, seus problemas e desafios.

Referências:

CARVALHO, M. P. de. Ensino, uma atividade relacional. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 1, n. 11, p.17-32. 1999.

GONÇALVES, Danyelle Nilin; LIMA FILHO, Irapuan Peixoto; FREITAS, Rafael de Mesquita Ferreira. Educação superior em tempos de pandemia: uso de tecnologias e condições de trabalho de docentes  In FROTA, Francisco Horacio da Silva;  FROTA, Maria Helena de Paula; SILVA, Maria Andréa Luz da. (orgs.). O impacto do COVID-19 nas políticas públicas [livro eletrônico]. 1. ed. — Fortaleza, CE : Edmeta Editora, 2020. UNICEF. Enfrentamento da cultura do fracasso escolar- Reprovação, abandono e distorção idade-série. Disponível em www.trajetoriaescolar.org.br

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Próximo dia 06/11, às 13h, o Comitê de Pesquisa "Movimentos Sociais" da Sociedade Brasileira de Sociologia, com o apoio do CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), o Núcleo de Democracia e Ação Coletiva, a Universidade Federal de Pelotas e o INCP Participa, realiza a Mesa de Triálogo "Movimentos Sociais, ataques e resistências - Argentina e Brasil".Os encontros “Mesas de triálogo”, promovidos pelo Comitê de Pesquisa Movimentos Sociais da SBS, são uma oportunidade de reflexão conjunta para pesquisadoras e pesquisadores preocupados com democracia, ação coletiva e desdemocratização. Neste primeiro encontro, vamos discutir dois cenários de ataques à sociedade civil aproximando Argentina e Brasil. Como os movimentos e coletivos têm resistido a esses cenários? Quais as inovações e táticas podem ser notadas nos repertórios de ação coletiva? E qual o papel das alianças partidárias e governamentais nas dinâmicas de desdemocratização? É ao redor de questões como essas que daremos início à primeira edição da “Mesa de triálogo”, reunindo Jonas Medeiros (Cebrap), Alana Moraes (UFRJ) e Francisco Longa (Universidad Nacional de General Sarmiento; Conicet –Argentina).A atividade é híbrida e acontece presencialmente no CEBRAP e remotamente no canal da SBS no YouTube.Link para atividade: www.youtube.com/watch?v=O2qM4skyyWI#CPMovimentosSociais #SociedadeBrasileiraDeSociologia #CEBRAP ... Ver maisVer menos
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