Covid longa nos programas de pós-graduação

Publicado em 29 de julho de 2024

 

Por Paulo Niederle, Cimone Rozendo de Souza, Fabiana Luci de Oliveira
(Coordenação da Área de Sociologia da CAPES)

Nos últimos meses tivemos a oportunidade de visitar presencialmente 35 dos 52 Programas de Pós-graduação da Área de Sociologia. Outros tantos serão visitados ainda este ano, mas já temos condições de corroborar algo que até então estava presente apenas nos relatos que coordenadores/as apresentavam em nossas reuniões: existem questões muito mais profundas que a avaliação não consegue captar, as quais dizem respeito à própria razão de ser e existir dos programas.

Nessas visitas, quando apresentamos o modelo de avaliação, uma das questões recorrentes diz respeito ao modo como a área considerará o impacto da covid-19. Como já foi demonstrado em vários estudos, existe uma correlação entre a pandemia e a produção acadêmica, notadamente no que tange à queda de produtividade das pesquisadoras mulheres em função das atividades de cuidado. Não obstante, a questão é mais profunda do que o impacto imediato na produção individual. Estamos vivenciando uma espécie de “covid longa”, cujos sintomas tornaram-se ainda mais graves na medida em que a crise sanitária coincidiu com outras de natureza política, econômica e climática.

Um dos principais sintomas é o esvaziamento das universidades e dos programas de pós-graduação. Já sabemos que o retorno pós pandemia não levará a uma volta ao antigo normal. Mesmo assim, é preocupante o nível de isolamento e individualização de discentes, docentes e técnico-administrativos. Além de prejudicar a formação, a pesquisa e a gestão acadêmicas, esse fenômeno pode estar contribuindo para outros problemas de saúde psíquica e, ao fim e ao cabo, impactam negativamente os indicadores de titulação nos cursos de mestrado e doutorado da área.

O trabalho remoto dos servidores, a oferta de disciplinas à distância, e a própria autorização por parte da Capes para que os estudantes bolsistas não residam próximo aos programas, também são fatores dessa equação. Do mesmo modo, a transmissão online de palestras, seminários, congressos e cursos também têm impactado a tal ponto que docentes e grupos de pesquisa estão desistindo de organizar eventos presenciais em função da falta de público e do constrangimento que isso tem gerado. Por sua vez, a falta de discentes em sala de aula também é parte do relato de docentes sem motivação para ofertar seus cursos.

Evidentemente, o uso de ferramentas digitais e de ensino remoto é uma realidade que precisa ser considerada pelos programas e, quando corretamente utilizadas, elas têm muito a contribuir. No entanto, precisamos que docentes, discentes e técnicos administrativos compreendam que o atual contexto demanda de todos um esforço adicional (mais um) de repovoamento, engajamento e mobilização. Pouco adiantará contar com as ferramentas virtuais para ampliar o alcance dos cursos, seminários e palestras se essas atividades deixarem de existir.

As mudanças que estão sendo implementadas na avaliação dos programas, que reposiciona os processos de formação e a atuação coletiva como foco principal do processo, caminham ao encontro desse esforço. Demandar dos programas a autoavaliação e o planejamento estratégico não é uma mera formalidade. É o primeiro passo para reconstruir a capacidade organizativa. No mesmo sentido, também temos insistido que a avaliação não terá como foco os/as pesquisadores/as individualmente, mas o programa pela sua capacidade de ação coletiva e coerência interna.

Além de demandar uma atenção especial dos programas para a construção de suas identidades, quando discutimos o perfil dos egressos temos frisado para os discentes que suas carreiras profissionais dependem crucialmente da capacidade de engajamento em grupos, projetos e redes de pesquisa; da interação social em um ambiente acadêmico estimulante; e da própria contribuição que eles precisam aportar para as inúmeras atividades que podem fazer com que os programas de pós-graduação sejam esses ambientes.

Do ponto de vista dos critérios de avaliação, a contribuição dos/as coordenadores/as de programas permitiu à Área inovar na construção de alternativas para que possamos superar essa covid longa. De certo modo, também se trata de uma medida de autopreservação, no sentido de que essa mudança é imprescindível para que no futuro ainda tenhamos docentes dispostos/as a assumir as atividades de coordenação – que precisam ser menos voltadas às demandas de preenchimento da Sucupira e mais focadas na construção e implementação das estratégias coletivas de formação, pesquisa, produção, internacionalização etc. Mas isso apenas acontecerá se compreendermos que o futuro próximo nos reserva desafios ainda mais complexos do que a própria avaliação, que jamais deve ser pensada como um fim em si mesmo.

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