Desigualdade ambiental e saneamento básico: um olhar a partir de uma Reserva Extrativista na Amazônia

Publicado em 8 de outubro de 2021

Por Cláudia de Fátima Ferreira Pessoa (UFPA/Núcleo de Pesquisa Ação Pública, Território e Ambiente) e
Carla Cilene Siqueira Moreira (UFPA/Núcleo de Pesquisa Ação Pública, Território e Ambiente).

Neste post trazemos um pouco mais da série dos premiados no Sociólogos do Futuro do 20º Congresso Brasileiro de Sociologia. Cláudia Pessoa e Carla Moreira discutem sobre a desigualdade ambiental a partir do acesso ao saneamento básico no território da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, localizada no litoral do estado do Pará.

 

Fonte da imagem: http://radio.ufpa.br/index.php/universidade-multicampi/plano-de-manejo-da-resex-caete-taperacu/

A motivação de analisar a desigualdade ambiental a partir da observação acerca do acesso ao saneamento básico em uma Unidade de Conservação na Amazônia, deve-se a experiências anteriores de pesquisa de cunho teórico sobre desigualdades, no âmbito do Programa Institucional Voluntário de Iniciação Científica, da Universidade Federal do Pará. O primeiro plano de trabalho teve início em agosto de 2018 e focalizou pesquisa bibliográfica sobre desigualdades sociais.

No ano de 2019 a temática ambiental foi inserida ao trabalho, articulando a categoria de desigualdade ambiental e Reservas Extrativistas, se alinhando ao Projeto de Pesquisa ao qual os planos de trabalho estavam inseridos. O projeto intitulado “Território, Participação e Ação Pública em Unidades de Conservação” estava sob a coordenação da Professora Tânia Guimarães Ribeiro, da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia, da Universidade Federal do Pará.

A pesquisa de campo prevista para o primeiro semestre de 2020 teve de ser suspensa, devido às medidas de isolamento social para conter a pandemia de COVID-19. Dessa forma, a metodologia foi repensada. Para contemplar, mesmo parcialmente, o objetivo proposto, adotou-se a revisão bibliográfica de trabalhos sobre a região, levantamento e análise de dados quantitativos em relatórios sobre saneamento, atas de reuniões e o plano de manejo da Unidade de Conservação.

As Reservas Extrativistas compreendem um dos tipos de territórios considerados prioritários para conservação da biodiversidade e dos modos de vida tradicionais das populações residentes. Segundo o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), as Reservas Extrativistas (RESEX) são áreas utilizadas por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se no extrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de animais de pequeno porte. Têm como objetivos básicos: proteger os meios de vida e a cultura dessas populações e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade.

Esses objetivos têm seu alcance ameaçado quando não se garantem outros direitos básicos, através da execução de políticas públicas. Nesse sentido, entende-se que o saneamento básico é um direito fundamental que pode atuar na melhoria das condições de vulnerabilidade socioambiental ao qual as populações tradicionais podem estar expostas

Por serem territórios que legal e juridicamente estão inclinados ao uso equilibrado dos bens comuns da natureza por aqueles e aquelas que o habitam e bem como, pela sociedade de um modo geral, acredita-se que a abordagem acerca do saneamento básico, pode reunir elementos que permitam uma melhor observação da questão da desigualdade ambiental dentro de uma UC, por ter em seus princípios tanto o melhor ordenamento do ambiente como a possibilidade de agregar maior qualidade de vida à sociedade.

A Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu, objeto de análise da pesquisa, está localizada no município de Bragança, litoral do estado do Pará, e possui uma área aproximada de 42.489017 hectares, cerca de 20% da área total do município. Foi decretada legalmente no dia 20 de maio de 2005. É constituída de 08 pólos, representações de base comunitária/extrativista no Conselho Deliberativo da Resex, e 67 comunidades.

Figura 01 – Localização da Reserva Extrativista Marinha Caeté-Taperaçu

Fonte: ICMbio, 2018

Por sua vez, o município de Bragança pertence à Mesorregião do Nordeste paraense e à Microrregião Bragantina. Compreende uma área de 2091,76 Km². De acordo com a Plataforma do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE Cidades), em 2019 a população estava estimada em 127.686 habitantes, com 92.406 residindo em área urbana e 35.280 na área rural.

O acesso ao saneamento no município é crítico em todos os serviços. De acordo com o Painel do Saneamento Brasil, do Instituto Trata Brasil (2018), 85,1% da população não possui acesso a água.  46,37% não acessa o serviço de manejo de resíduos sólidos, e na área rural do município esse déficit sobe para 81,63%, mas é sobre o esgoto sanitário que está o pior índice, 98,95% da população não tem o esgoto coletado (PARÁ, 2020a).

As dificuldades vivenciadas por esse município permitem a indagação sobre esse cenário na RESEX, alocada na sua parte rural. Ao considerar que, segundo a Lei nº11.445/2007, o saneamento básico é composto por quatro eixos, a saber, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas pluviais, limpeza e fiscalização preventiva das respectivas redes urbanas.

Pode-se dizer que o município de Bragança conta com uma cobertura precária dos três primeiros eixos de serviços. E isso pôde ser identificado no Plano de Manejo da RESEX Marinha Caeté Taperaçu, que reúne queixas da população quanto aos serviços de saneamento básico, principalmente sobre o manejo de resíduos sólidos. As reivindicações referem-se ao acúmulo de lixo, e seu despejo por carros de coletas em locais impróprios. Nas Atas do Conselho Deliberativo de 2011, em que se discutia o abastecimento de água em comunidades da RESEX, há relatos de problemas no micro abastecimento proposto a duas comunidades, seguido da questão de resíduos gerados por catadores de caranguejos. As ações de educação ambiental também eram constantemente reivindicadas pelas comunidades da RESEX.

Além disso, a ausência de um sistema de canalização básica somado ao acúmulo de lixo, desmatamento, lançamento de esgoto tem comprometido a qualidade das águas superficiais e subterrâneas do Rio Caeté, bacia hidrográfica que banha a Resex. A privação de um serviço adequado de esgotamento sanitário e de água potável pode comprometer a reprodução material desses grupos devido à contaminação dos recursos naturais.

Figura 02 – Rio Caeté

Fonte: Acervo do Núcleo de Pesquisa Território, Participação e Ação Pública, 2019

Como o caso da RESEX Marinha Caeté-Taperaçu evidencia, a desigualdade ambiental se relaciona com o acesso e oferta dos serviços básicos, uma vez que em áreas de maior privação socioeconômica se concentram a falta de investimento em infraestrutura de saneamento, a ausência de políticas de controle dos depósitos de lixo tóxico, a moradia de risco, entre outros fatores, concorrendo para más condições ambientais de vida e trabalho (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA, 2009).

Dessa forma, observa-se que a realidade do território da RESEX Caeté-Taperaçu é atravessada pela desigualdade ambiental, uma vez que o município ao qual pertence não é assistido de forma satisfatória por serviços de saneamento. E isso consequentemente impacta na Unidade de Conservação. Esse contexto, por sua vez, reflete um quadro de déficit mais amplo, que assola o estado e a região amazônica como um todo[1].

As consequências geradas pela precariedade do saneamento básico levam as populações a criarem estratégias independentes, que podem gerar riscos à saúde e comprometer sua relação com a natureza. São condições estruturais que se estendem a territórios protegidos, e comprometem o objetivo primário da conservação ambiental, e atingindo de modo desigual as populações.

No contexto das Reservas Extrativistas criadas nos territórios amazônicos, Freitas (2018) aponta que os principais programas políticos voltados a esses territórios, não consideraram prioritárias as políticas públicas essenciais como educação, saúde, saneamento básico e incentivo aos sistemas de produção, dentre outras. Os três entes federativos não estabeleceram um diálogo para efetivação de projetos e/ou programas que atendessem a comunidade, e que os elementos naturais se sobrepõem a elementos sociais, em níveis de importância.

A institucionalização da Resex reconheceu o direito das populações tradicionais de habitarem seus territórios, entretanto, se voltam a esses grupos os desafios de conviver com políticas ineficientes ou mesmo, com a ausência de políticas. Reforçamos que os elementos necessários à melhor qualidade de vida devem ser aprimorados, tanto na RESEX como no município de Bragança, a fim de amparar a conservação do ambiente e dos bens comuns.

 

Referências Bibliográficas

ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A.; BEZERRA, G. N.. O que é Justiça Ambiental. Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

FREITAS, Josimar da Silva. Conflitos entre sobrevivência familiar e conservação ambiental em Reservas Extrativistas da Amazônia. 2018. Tese (Doutorado em Ciências Socioambientais), Universidade Federal do Pará. Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Trópico Úmido. 2018

PARÁ. Plano de Saneamento Básico Integrado do Estado do Pará. Relatório do Rio Caeté (Volume XII). Belém. 2020a. Disponível em:  https://drive.google.com/file/d/1LYKUDqdnWUUfODWAflipI6QmAJipKJ4i/view

PARÁ. Plano de Saneamento Básico Integrado do Estado do Pará. Relatório do Pará (Volume I). Belém. 2020b. Disponível em: https://drive.google.com/file/d/17ppJx4VUyB3-sPVZO-bc1dKnvU_iQg_V/vie

 

[1] Por exemplo, o estado do Pará tem 54,54% de sua população sem abastecimento de água e 92,97% sem esgotamento sanitário. A carência piora na área rural, onde 99% da população não possui esgotamento sanitário e 79,35% estão sem abastecimento de água (PARÁ, 2020b).

 

Blog SBS

Facebook SBS

"É certo que as consequências, ao longo da história, têm atingido primeiro os grupos sociais mais vulnerabilizados pelo processo de construção da sociedade nacional, populações periféricas, negras e etnicamente diferenciadas. Mas a conta chega para todos. É hora de dizer basta ao negacionismo e às políticas econômicas míopes e submissas à lógica da acumulação primitiva."No artigo "Na contramão da Ciência", publicado pelo Jornal da Ciência, Andréa Zhouri, presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), e Edna Castro, presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), questionam “Até quando a política e a economia estarão de costas para a sociedade e o meio ambiente?”#SociedadeBrasileiraDeSociologia #AssociacaoBrasileiraDeAntropologia #JornalDaCiencia #SBPC ... Ver maisVer menos
Veja no Facebook
"As enchentes catastróficas no Rio Grande do Sul chocam o Brasil. A crise instalada, cuja magnitude destrutiva não encontra precedentes na história, não é, contudo, um incidente inesperado. Ao contrário, os desastres ambientais deflagrados por eventos climáticos extremos já são uma realidade recorrente no país e revelam sua dimensão estrutural. Desde os anos 70, pelo menos, cientistas no mundo todo têm advertido sobre as mudanças climáticas, agora tratadas como emergências ou urgências."No artigo "Na contramão da Ciência", Andréa Zhouri, presidente da Associação Brasileira de Antropologia (ABA), e Edna Castro, presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS), questionam “Até quando a política e a economia estarão de costas para a sociedade e o meio ambiente?”.📌 Leia na íntegra em: www.jornaldaciencia.org.br/na-contramao-da-ciencia/#SociedadeBrasleiraDeSociologia #AssociacaoBrasileiraDeAntropologia #JornalDaCiencia #SBPC ... Ver maisVer menos
Veja no Facebook
Recém publicado no Jornal da Ciência, o artigo "Na contramão da Ciência", traz questionamentos de Andréa Zhouri (presidente da Associação Brasileira de Antropologia - ABA) e Edna Castro (presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia - SBS), onde destacam a desconexão entre a retórica política e a realidade das mudanças climáticas, enquanto o país enfrenta consequências devastadoras.📌 Confira o artigo na íntegra em: www.jornaldaciencia.org.br/na-contramao-da-ciencia/#SociedadeBrasileiraDeSociologia #AssociaçãoBrasileiraDeAntropologia #JornalDaCiência #SBPC ... Ver maisVer menos
Veja no Facebook

7 days ago

Sociedade Brasileira de Sociologia
🌎💬 Nos últimos anos, temos testemunhado mudanças significativas no cenário científico, que impactam desde a produção do conhecimento até a sua divulgação. É crucial adaptarmos nossas abordagens teóricas e metodológicas para enfrentar esses desafios e promover avanços no campo.O Fórum Brasileiro de Sociologia é uma iniciativa da Sociedade Brasileira de Sociologia em parceria com a Universidade de São Paulo (USP) e, juntamente com as outras Ciências Socias, tem como objetivo pensar sobre os enfrentamentos e pressões crescentes para atender às demandas da sociedade e às expectativas do mundo científico. Neste contexto, a inovação se torna essencial. Precisamos criar novos modelos de trabalho, incorporar ferramentas digitais, promover diálogos interdisciplinares e repensar nossos métodos de divulgação científica.No primeiro Fórum Brasileiro de Sociologia, buscamos não apenas discutir essas questões, mas também estabelecer diretrizes claras para a atuação da SBS em fóruns e agências que formulam políticas de ciência, tecnologia e inovação. Sua participação é fundamental para construirmos juntos o futuro da sociologia no Brasil.🗓 O primeiro Fórum Brasileiro de Sociologia acontece entre os dias 16 a 18 de julho e você já pode realizar sua inscrição!🌐 Saiba mais em: www.forum2024.sbsociologia.com.br#forumbrasileirodesociologia #sociedadebrasileiradesociologia #fflch #usp #ciencia #tecnologia #inovacao #sociologia ... Ver maisVer menos
Veja no Facebook

Twitter SBS

O feed do Twitter não está disponível no momento.