A Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) manifesta seu profundo pesar pelo falecimento de Michael Burawoy, professor do Departamento de Sociologia da Universidade da Califórnia – Berkeley e ex-presidente da Associação Americana de Sociologia (ASA) e da Associação Internacional de Sociologia (ISA). Michael articulou como poucos, ao longo de sua trajetória, as múltiplas e diversas dimensões do ofício de sociólogo, como professor, pesquisador, formador e militante.
Como sociólogo, Michael transformou-se na principal referência do método do estudo de caso ampliado, desenvolvido por ele a partir da Escola Antropológica de Manchester, sua cidade natal. Durante suas pesquisas de campo que começaram ainda na década de 1960 numa mina de cobre em Zâmbia, continuando em uma empresa de motores em Chicago, nos anos 1970, em fábricas e siderúrgicas na Hungria, na década de 1980 e, finalmente, em uma fábrica de móveis modulares na antiga União Soviética, no início dos anos 1990, Michael aperfeiçoou a ferramenta teórico-metodológica que iria torná-lo mundialmente conhecido. Ao longo dessa trajetória, ele especializou-se em combinar a sociologia crítica com um marxismo heterodoxo que, além dos marxistas clássicos, alimentava-se de autores como Antonio Gramsci, Rosa Luxemburgo, León Trotsky e Frantz Fanon, a fim de reconstruir a capacidade de intervenção prática do pensamento crítico, tanto dentro quanto fora da universidade.
Ao mesmo tempo, supervisionou projetos de etnografia global com seus pós-graduandos. Entre as diferentes áreas de sua intervenção, três sobressaem. A sociologia do trabalho, o marxismo sociológico e a sociologia pública. No caso da sociologia do trabalho, livros como Manufacturing consent: changes in the labor process under monopoly capitalism e Politics of production: factory regimes under capitalism and socialism, foram marcos importantes, promovendo uma revisão de análises e sustentando novas perspectivas para a área.
Ao lado de seu melhor amigo, Erik Olin Wright, Michael engajou-se em um amplo projeto teórico de reconstrução do “marxismo sociológico” – definido como a teoria da reprodução contraditória das relações sociais capitalistas – cujo objetivo era resgatar a potência emancipatória da teoria marxista, desmantelada após o colapso do socialismo burocrático de Estado, partindo da produção crítica de dados empíricos.
Esse programa teórico-político foi levado adiante por meio de duas grandes iniciativas: Erik Olin Wright engajou-se na construção do projeto das “utopias reais”, enquanto Michael desenvolveu sua proposta por uma “sociologia pública”.
Ambos levaram adiante a empreitada de “reconstruir o marxismo” convidando a comunidade sociológica para fazer parte de um amplo movimento social de transformação do capitalismo por meio do engajamento crítico com os diferentes públicos, acadêmicos e extra-acadêmicos, que compõem o mundo da sociologia.
Michael nutriu grandes relações com o Brasil, estando entre nós em diversas oportunidades, seja para participar de Encontros da Anpocs, de Congressos da SBS e da ALAS, além de seminários em diferentes universidades por todo o país. Alguns de seus livros foram traduzidos para o português, como, por exemplo, O marxismo encontra Bourdieu (Editora da Unicamp) e Marxismo sociológico (Editora Alameda).
Michael cultivava relações pessoais como poucos. Todos aqueles que tiveram o privilégio e a felicidade de o conhecer, seja como professor, colega ou amigo, sabem que ele era simplesmente formidável. O mundo da sociologia lamenta essa morte trágica, violenta e sem sentido, exigindo das autoridades policiais de Oakland o seu pronto esclarecimento. No entanto, a grande família ampliada que ele cultivou ao longo da vida, celebra seu legado de conhecimento, empatia, generosidade, paixão, sabedoria e solidariedade.
05/02/2025
Ruy Braga
Professor do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP)
Marco Aurélio Santana
Professor do Departamento de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)